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domingo, junho 03, 2007

"Eu te falei que podia ficar muito pior " De Mônica Veloso para Renan Calheiros, em conversa que ela mesmo gravou

Um senador, sua amante e uma filha. o enredo dessa história tem por trás os ingredientes clássicos de uma chantagem que vinha se desenhando há anos. Documentos bancários e as gravações dos diálogos íntimos de Mônica Veloso e Renan Calheiros, obtidos por Istoé, ajudam a elucidar a trama dessa novelaPor RUDOLFO LAGO
“Preciso abrir a boca pra esse filho existir”
A reação de Verônica
No domingo 27, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), passou boa parte do tempo consultando o livro História viva, da senadora americana Hillary Clinton, mulher do ex-presidente Bill Clinton. Renan preparava o discurso que teria de fazer no dia seguinte para se defender da acusação de que poderia estar usando dinheiro da empreiteira Mendes Júnior para pagar pensão à jornalista Mônica Veloso, com quem teve uma filha. No dia seguinte, ao se defender no plenário, diante do olhar da mulher com quem está casado há 30 anos, Verônica Calheiros (leia entrevista à pág. 35), ele seria o centro das atenções no País. Enquanto juntava os documentos que comprovariam que pagara pensão com recursos próprios, Renan se inspirava com o livro em que Hillary Clinton conta a sua versão do drama semelhante. “Foi humilhante eu, da presidência do Senado, ter que confessar um pecado”, desabafou Renan a ISTOÉ.
MÔNICA
O presidente do Senado evita admitir que possa ter sido vítima de chantagem por parte de Mônica Veloso. “Eu não falo mal dela”, diz. “Ela é mãe de uma filha minha. E eu vou fazer de tudo para proteger a minha filha.” O que, porém, foi revelado ao longo da semana sobre a sua relação com a jornalista está muito próximo do “ato de extorquir dinheiro, favores ou vantagens de alguém sob ameaça de revelações escandalosas ou secretas”. Essa é a definição de chantagem no Dicionário Aurélio.
Desde 2003, quando Mônica engravidou, Renan tem negociado com ela formas de tentar manter a relação entre os dois – e a filha, fruto desse relacionamento – distante das páginas da imprensa. No mesmo período, Mônica gravou conversas íntimas, e notas insinuando o relacionamento saíram em colunas de jornal. A disputa entre Renan e Mônica acabou na 4ª Vara de Família de Brasília, no processo 2005.01.1.14933. Renan, então, pagava a Mônica uma pensão de R$ 3 mil, e ela queria aumentá-la para R$ 12 mil. No exato dia da audiência que ambos teriam perante o juiz, surgiu a denúncia de que a pensão e outras despesas de Mônica seriam pagas pela Mendes Júnior, através do lobista da empreiteira, Cláudio Gontijo.
“Todos os recursos são meus”, garante Renan. Para comprovar isso, na quarta- feira 30, o advogado de Renan, Eduardo Ferrão, entregou uma série de documentos ao corregedor-geral do Senado, Romeu Tuma (DEM-SP). Um dos principais documentos, ao qual ISTOÉ teve acesso, é uma tabela com os rendimentos detalhados de Renan desde 2003. As mesmas informações que constam das suas declarações de Imposto de Renda. Elas demonstram que Renan teria recursos suficientes para pagar o que acertou com Mônica sem recorrer a terceiros.
O CASAL CALHEIROS: ataques e o apoio em casa
De dezembro de 2004 a janeiro de 2006, ele pagou, em média, R$ 8 mil mensais de ajuda à jornalista e mais R$ 4 mil do aluguel do apartamento. Formou ainda, em duas parcelas, um fundo de R$ 100 mil para ajudar na educação da filha. Um total, portanto, de R$ 268 mil, pelo menos. Em 2003, Renan declarou R$ 821,1 mil em rendimentos. Em 2004, quando vendeu uma casa no Lago Sul em Brasília por R$ 600 mil, esses rendimentos pularam para R$ 1,4 milhão. Em 2005, somaram pouco mais de R$ 1 milhão; em 2006, declarou R$ 1,1 milhão.
A Romeu Tuma, foram entregues também extratos da conta bancária de Renan que demonstrariam as retiradas para pagar Mônica. “Os documentos comprovam que ele não precisaria usar recursos de terceiros para fazer os pagamentos relatados pela jornalista”, disse Tuma após uma primeira análise na papelada. Em tese, o desafio de Tuma seria encontrar todo o percurso feito pelo dinheiro desde a saída das contas de Renan. Mas, na quarta-feira 30, a própria Mônica tratou de minimizar esse desafio. Por intermédio de seu advogado, ela afirmou que jamais dissera que o dinheiro recebido de Renan fosse proveniente da empreiteira.

E é aí que está a questão central. Se não houve dinheiro da empreiteira, não se pode fazer a ilação de tráfico de influência e não existe crime cometido pelo senador. Renan pode ainda vir a ser julgado por quebra de decoro pela Comissão de Ética do Senado por supostamente ter mentido sobre o dinheiro do fundo educacional para a criança. Mas, como se viu 48 horas depois de seu discurso no plenário, quem se enganou sobre isso foi o advogado de Mônica, Pedro Calmon Filho, que chegou a assinar dois recibos de R$ 50 mil, nos quais está explicitamente escrito que o dinheiro se destina à educação da filha. A menos que fatos novos provem o contrário, toda a história serviu apenas para a exposição pública, em rede nacional, de um romance privado do presidente do Senado.
“Os documentos comprovam que ele não precisaria usar recursos de terceiros” Romeu Tuma, corregedor do senado
Ex-apresentadora de telejornais da Rede Globo na década de 1990, em Brasília, Mônica trabalhava numa produtora de vídeo quando foi contratada para apresentar um programa político do PMDB. Foi assim que Renan a conheceu. Os dois começaram a sair juntos – e num intervalo entre uma tentativa de afastamento e uma breve reconciliação, Mônica engravidou. Numa das conversas com ele, que ela própria gravou, a jornalista dá a entender que esse encontro teria ocorrido no próprio gabinete do senador (na época, ele era líder do PMDB).
Um ou dois meses depois, Mônica voltaria a procurar Renan. “Estou grávida”, disse Mônica. “Eu duvido que esse filho seja meu”, reagiu. Foi quando ela disse a ele que gravara várias das conversas que os dois tiveram. Ela poderia facilmente comprovar o relacionamento. Se a coisa se tornasse pública, Renan só poderia tirar a prova da paternidade oito meses depois. O estrago, então, já estaria feito. Ao mesmo tempo, segundo o senador contou a amigos, Mônica passou a pressioná- lo com ligações para sua residência. Notas começaram a aparecer em colunas de jornal. A vida conjugal de Renan entrou em grande turbulência. Durante todo o período, a ansiedade e o nervosismo fizeram Verônica, a mulher de Renan, engordar até 20 quilos.
Diante do risco de acabar com o casamento e comprometer a vida política, Renan fez um acordo com Mônica. Se ele era uma pessoa pública e não queria escândalo, ela, então, teria de ficar preservada. Porque iam perguntar de quem era a criança. Se tinha de sumir, ela ficaria impedida de trabalhar. Mônica diz a Renan que seus rendimentos mensais na produtora giravam em torno de R$ 8 mil. Fora o aluguel da sua casa. O senador, então, aceitou pagar esse valor a ela – R$ 12 mil no total e não os R$ 16,5 mil que chegaram a ser inicialmente divulgados. No primeiro ano, Mônica morou numa casa no Lago Norte, bairro nobre de Brasília. Renan pagou o aluguel do ano inteiro adiantado: R$ 40 mil. Em 2006, ela mudou-se para o apartamento dúplex da quadra 309 Norte, onde vive hoje. Em muitos meses, Mônica pediu mais dinheiro. Em determinado momento, disse que estava ameaçada e pediu a contratação de seguranças. Foi apenas aí, nesse caso específico, que o valor chegou a R$ 16 mil, somados pensão e aluguel.
É por conta desses acertos com Renan que o lobista Cláudio Gontijo, da Construtora Mendes Júnior, entrou na vida de Mônica. As conversas de Renan com Mônica foram se tornando mais tensas. Renan queria evitar as chances de vir a ser visto ao lado dela e não podia fazer os pagamentos com cheques ou transferência eletrônica para não estabelecer um piso para a pensão que seria discutida na Justiça. Gontijo, amigo de Renan desde o governo Fernando Collor, aceitou a tarefa de fazer essa ponte. Renan afirma que chegou a temer pelo fato de ele ser funcionário de uma empreiteira. “Mas quem quisesse faria ilações, quem quer que fosse a pessoa e qualquer que fosse a sua profissão”, argumenta.
ZULEIDO (ao centro): Enquanto o País era envolvido no Caso Renan, os 47 presos da Operação Navalha eram liberados e voltavam para casa
A menina nasceu em julho de 2004. Mas Renan só fez o exame da DNA para comprovar a paternidade um ano e meio depois, em dezembro de 2005. Depois de não ter mais dúvidas de que era realmente o pai, ele resolveu regularizar a situação. Chamou Verônica e seu filho mais velho, o prefeito de Murici (AL), Renan Filho. “A filha é minha”, revelou. Para os dois outros filhos mais novos de Renan, Rodrigo e Rodolpho, a história continuaria um segredo até a semana passada. No dia 21 de dezembro de 2005, Renan foi ao cartório do 2º Ofício de Notas e Protesto de Brasília e assumiu a menina. E entrou com a ação na Justiça para estabelecer o valor da pensão. Propôs, legalmente, pagar R$ 3 mil a ela.
Mônica, então, contratou o advogado Pedro Calmon Filho para tentar elevar a pensão. E anexou ao processo todas as conversas que gravou com Renan. Nas transcrições Cláudio Gontijo é identificado como “Cláudio Mendes” ou “Cláudio da Mendes”. Com a pensão reduzida apenas aos R$ 3 mil descontados no contracheque do senador, Mônica deixou de pagar o aluguel do dúplex. Chegou a sofrer uma ação de despejo. Nessa época, Renan resolveu pagar a ela mais R$ 100 mil, numa tentativa de evitar novas pressões. O advogado do senador sugeriu que o dinheiro fosse dado com o caráter de um fundo extra para custear as despesas de educação com a menina. E recomendou que Renan exigisse um recibo no qual isso ficasse claro.
A disputa judicial por uma pensão maior, no entanto, continuou. Na semana passada, já não era mais no ambiente reservado da Vara de Família que Renan tinha de se defender. Colocado no centro do picadeiro, ele enfrenta agora pressões dos que tentam vinculá-lo à Mendes Júnior e outras empreiteiras, como a Gautama. Numa conversa gravada pela Polícia Federal na Operação Navalha, o secretário e o subsecretário de Infra-Estrutura de Alagoas, Adeilson Teixeira Bezerra e Denílson de Luna Tenório, comentam que Renan pressionaria a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para conseguir liberar as verbas para a construção da barragem do rio Pratagy, obra que a Gautama tocava no Estado. “Eu não tenho nada a ver com supostas irregularidades. Havia um pedido do governador para tocar a obra, e eu o atendi”, defende-se. O senador também fez uma emenda para uma obra tocada pela Mendes Júnior, no porto de Maceió. “Quem faz a emenda não é quem contrata a empreiteira. Eu sempre farei emendas para levar verbas para o meu Estado”, diz. Ao mesmo tempo, adversários de Renan em Alagoas tratavam de suprir a imprensa com dossiês requentados de campanhas eleitorais passadas. Mesmo para quem não enxergou nos documentos a prova de que não havia um conflito de interesses no pagamento da pensão à filha, é fato que até agora não surgiu nada que comprove algum ato de corrupção do senador. E, assim, enquanto o País discutia detalhes da vida sexual do presidente do Congresso, o Supremo Tribunal Federal libertava os 47 presos na Operação Navalha.
Fonte: ISTOÉ

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