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quinta-feira, março 03, 2022

Guerra, para que serve isso?




Mundo moderna é diferente de quando impérios se impunham pela conquista militar

Por Paul Krugman* (foto)

O milagre ucraniano poderá durar pouco. A tentativa de Vladimir Putin de vencer rapidamente, numa boa, tomando grandes cidades com forças relativamente brandas, enfrentou grande resistência, mas os tanques e as armas mais pesadas estão a caminho. E apesar do incrível heroísmo do povo da Ucrânia, o mais provável ainda é que a bandeira russa seja eventualmente hasteada em meio aos escombros de Kiev e Kharkiv.

Mas mesmo se isso acontecer, a Federação Russa ficará mais fraca e mais pobre do que era antes da invasão. Conquistar não compensa. 

Por que não? Se olharmos para a história, veremos muitos exemplos de países que enriqueceram por meio do poderio militar. Os romanos certamente lucraram com a conquista do mundo helênico, assim como a Espanha com a conquista dos astecas e dos incas. 

Mas o mundo moderno é diferente — e por “moderno" quero dizer pelo menos a partir de um século e meio atrás. 

O autor britânico Norman Angell publicou seu famoso tratado “A grande ilusão” em 1909 argumentando que a guerra se tornara obsoleta. Seu livro foi amplamente mal interpretado, como se afirmasse que a guerra não poderia mais acontecer, hipótese que se provou horrivelmente equivocada nas duas gerações que se seguiram. Mas o que Angell afirmou, na verdade, foi que os vencedores de uma guerra não seriam mais capazes de obter nenhum lucro de seu sucesso. 

E ele certamente estava correto sobre isso. Todos agradecemos pelos Aliados terem prevalecido na 2.ª Guerra, mas o Reino Unido emergiu como uma potência diminuída, sofrendo em meio a anos de austeridade enquanto lutava contra escassez de divisas estrangeiras. Até mesmo os Estados Unidos tiveram um ajuste pós-guerra mais difícil do que muitos se dão conta, experimentando um período de aumentos de preços que ocasionaram inflação acima de 20%. 

E pelo outro lado, mesmo a derrota absoluta não evitou que Alemanha e Japão eventualmente alcançassem prosperidades sem precedentes. 

Por que e quando a conquista deixou de ser rentável? Angell argumentou que tudo mudou com a ascensão de uma “interdependência vital” entre as nações, “cortando transversalmente fronteiras internacionais”, o que ele sugeriu ser “amplamente obra dos últimos 40 anos” — começando ao redor de 1870. Pareceu um palpite razoável: foi por volta de 1870 que ferrovias, barcos a vapor e telégrafos tornaram possível a criação do que alguns economistas qualificam como a primeira economia global. 

Nessa economia global é difícil conquistar outro país sem extirpar esse país — e a si mesmo — da divisão internacional do trabalho, sem mencionar o sistema financeiro internacional, sob um grande custo. Podemos ver essa dinâmica ocorrendo em relação à Rússia neste momento.

Angell também enfatizou os limites do embargo numa economia moderna. Não podemos simplesmente confiscar ativos industriais da maneira que conquistadores pré-industriais confiscavam território, porque confiscos arbitrários destroem incentivos e o senso de segurança de que sociedades avançadas precisam para permanecer produtivas. Novamente, a história comprovou sua análise. Por um certo período, a Alemanha nazista ocupou países que possuíam antes da guerra produtos internos brutos duas vezes maiores que o seu — mas apesar da implacável exploração, os territórios ocupados parecem ter pagado por apenas cerca de 30% do esforço de guerra alemão, em parte porque muitas das economias que a Alemanha tentou explorar ruíram sob seu jugo.    

Um aparte: Não é excepcional e terrível nos encontrarmos numa situação em que os fracassos econômicos de Hitler nos dão lições úteis sobre prospectos futuros? Mas aí estamos. Obrigado, Putin. 

Eu acrescentaria outros dois fatores para explicar por que conquistar é inútil.

O primeiro é que a guerra moderna usa uma incrível quantidade de recursos. Exércitos pré-modernos dispunham de quantidades limitadas de munição e eram capazes, em certo grau, de viver da terra. Em 1864, as tropas do general no Exército da União William Tecumseh Sherman conseguiram se desligar de suas linhas de abastecimento e marchar sobre a Geórgia supridas com mantimentos suficientes apenas para 20 dias. Mas exércitos modernos requerem grandes quantidades de munição, peças de reposição e, acima de tudo, combustível para seus veículos. E de fato, as mais recentes informações de inteligência do Ministério da Defesa britânico dão conta de que o avanço russo na direção de Kiev empacou temporariamente “provavelmente como resultado de contínuas dificuldades logísticas”. O que isso significa para pretensos conquistadores é que a conquista, mesmo se bem-sucedida, é extremamente cara, o que torna mais difícil ainda    que se pague. 

O segundo é que vivemos atualmente num mundo de nacionalismos apaixonados. Camponeses da Antiguidade e da Idade Média provavelmente eram indiferentes em relação a quem os explorasse; trabalhadores modernos não são. A tentativa de Putin de tomar a Ucrânia parece ser fundamentada não apenas em sua crença de que a nação ucraniana não existe, mas também na presunção de que os próprios ucranianos podem ser persuadidos a se considerar russos. Parece muito improvável isso acontecer, então mesmo se Kiev e outras grandes cidades caírem, a Rússia levará anos tentando conter uma população hostil. 

Portanto, a conquista é uma proposta fracassada. Isso é verdadeiro pelo menos há um século e meio; isso é óbvio para qualquer um disposto a analisar os fatos ocorridos por mais de um século. Desafortunadamente, ainda existem doidos e fanáticos que se recusam a acreditar nisso — e alguns deles controlam nações e exércitos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Paul Krugman é professor do City University of New York e ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008

O Estado de São Paulo

Por que erro de cálculo de Putin pode fazer Rússia intensificar ataques

 




Resistência ucraniana tem sido dura

Por John Simpson

A reação da Ucrânia à primeira semana de ofensiva russa contra o país foi muito mais forte do que Vladimir Putin esperava, ou muito possivelmente do que seus generais lhe haviam prometido.

Estes ainda são, contudo, os estágios iniciais do que pode se tornar uma guerra sórdida.

Putin provavelmente esperava que a capital ucraniana, Kiev, caísse poucos dias depois da invasão das forças russas. E certamente tinha expectativa de que os chamados países ocidentais (principalmente EUA, União Europeia e Reino Unido), intimidados e divididos, aceitassem que ele reivindicasse o território que diz ser historicamente parte da Rússia.

Nada disso aconteceu. A Ucrânia provou ser resiliente, e a reação dos países ocidentais, particularmente da Alemanha, foi muito mais dura do que ele pensava. A economia da Rússia já foi brutalmente atingida.

Uma grande aliada de Putin, a China, agora parece preocupada que esse surto de raiva ocidental possa, um dia, se voltar contra ela própria — com sérios danos potenciais ​​à economia chinesa — e, assim, já tratou de se distanciar da invasão.

A Otan, por outro lado, pode se fortalecer. Finlândia e Suécia podem acabar se juntando à aliança em busca de proteção. Putin lançou essa guerra em parte para impedir que a Ucrânia um dia se juntasse à Otan, mas ele pode acabar se deparando com ainda mais membros da aliança ao seu redor, neste caso em sua fronteira noroeste.

Todos esses são grandes reveses para o presidente russo, e decorrem de seus próprios erros de cálculo, reflexo dos planos que fez enquanto se isolava da covid. Putin ouviu apenas alguns poucos conselheiros, que podemos supor que lhe disseram apenas o que ele queria ouvir.

'Há relatos de diversos civis feridos'

Agora, terá que buscar novas opções. Putin sempre se recusou a recuar quando as coisas não saem como planejado. Ele vai revidar com mais força — e tem as armas para tanto.

A embaixadora ucraniana nos EUA afirma que as forças russas já usaram uma arma termobárica — a chamada "bomba de vácuo", que suga oxigênio para gerar uma explosão de alta temperatura devastadora.

Representantes diplomáticos costumam fazer alegações extremas em momentos como o atual, mas o fato é que já vimos vídeos de lançadores de foguetes termobáricos russos a caminho da Ucrânia. Analistas dizem que é provavelmente apenas uma questão de tempo até que eles sejam utilizados ​​mais amplamente.

'Conflito já adentrou áreas urbanas'

Fotografias também sinalizam que bombas de fragmentação podem ter sido usadas contra civis em Kharkiv. Quando disparados, esses artefatos espalham o que se chama de "submunições", que promovem uma chuva de estilhaços que provocam ferimentos graves em em qualquer pessoa dentro de uma área de alcance consideravelmente ampla.

Uma convenção internacional proibiu em 2008 que essas armas fossem usadas - a Rússia, entretanto, não foi signatária do acordo, alegando que usa bombas de fragmentação de acordo com o Direito Internacional Humanitário. O povo de Kharkiv possivelmente discorda disso.

Vladimir Putin não hesita antes de usar armas excessivamente perigosas. Acredita-se que ele tenha autorizado o uso de polônio radioativo para assassinar o ex-agente da KGB Alexander Litvinenko em Londres em 2006. É provável que também tenha concordado em deixar a inteligência militar russa atacar Sergei Skripal, outro desertor, com o agente nervoso tóxico Novichok em Salisbury em 2018. Skripal sobreviveu, embora uma mulher, Dawn Sturgess, tenha morrido após ser exposta à substância letal.

O perigo para civis totalmente inocentes não parece tê-lo preocupado.

Estes foram planejados como assassinatos direcionados, não o tipo de ataque generalizado que estamos começando a ver na Ucrânia, mas o princípio é o mesmo - vidas civis não importam se os interesses mais amplos da Rússia estiverem em jogo.

Estaria ele preparado para usar armas nucleares caso não consiga o que quer na Ucrânia? Isso deve ser uma possibilidade — mas a maioria dos analistas acha que ainda não estamos perto desse estágio.

É verdade que Putin disse de forma sombria que, caso alguém considere interferir no conflito, enfrentará "consequências mais graves do que qualquer outra em sua história". E ele sempre repete a ideia de que, se o mundo não inclui a Rússia, por que deveria continuar existindo?

Ainda assim, a Otan teria que calcular muito mal para que um confronto nuclear se desenvolvesse.

A história pode se repetir — em 1939, Stálin atacou a Finlândia na esperança de que o país se rendesse em poucos dias. As Forças Armadas e os civis finlandeses mostraram, no entanto, uma dura resistência, que promoveu baixas humanas e materiais significativas para o Exército russo.

Quando a chamada Guerra de Inverno chegou ao fim, a Finlândia perdeu territórios, mas permaneceu um país independente. Existe a possibilidade de que a guerra na Ucrânia termine de maneira semelhante.

Estamos apenas no início dos acontecimentos, e só porque a Ucrânia resistiu até agora, não significa que pode resistir ao poderio militar da Rússia por muito tempo. A primeira rodada, contudo, correu melhor que o imaginado, e a resposta do Ocidente foi muito mais robusta do que a maioria das pessoas esperava — especialmente Vladimir Putin.

BBC Brasil

Estudos apontam que pandemia começou no mercado de Wuhan




Novas pesquisas sugerem que a covid-19 tenha mesmo começado no mercado de animais selvagens de Wuhan, na China. Hipótese de acidente de laboratório fica ainda mais remota.

Por Julia Vergin

O mercado de vida selvagem de Huanan, na metrópole chinesa de Wuhan, é considerado o epicentro da pandemia de covid-19. O Sars-Cov-2 provavelmente foi transmitido lá de animais para pessoas, segundo dois estudos recentes, ainda não revisados por pares.

O coronavírus como uma zoonose, que passou de um morcego para humanos por meio de um hospedeiro intermediário nesse mercado, já havia sido considerado a teoria mais plausível pelos cientistas.

No entanto, apesar da falta de evidências sólidas, persistiu a discussão de que o vírus teria escapado de um laboratório onde teria sido produzido artificialmente. 

Venda de animais vivos no mercado

Muitos dos primeiros infectados pelo vírus Sars-Cov-2 em dezembro de 2019 foram relacionados ao mercado de animais selvagens. Entretanto, permaneceu em aberto se o vírus havia saltado ali de um animal para um humano ou se já estava circulando e foi transmitido de humano para humano de forma facilitada nas multidões entre as bancas.

Os pesquisadores da primeira publicação estão bastante certos de que isso foi esclarecido. Usando todas as informações possíveis sobre residências e dados epidemiológicos, eles afirmam que as "análises fornecem evidências inequívocas para o surgimento da Sars-Cov-2 por meio do comércio de animais selvagens vivos e identificam o mercado Huanan como o epicentro claro da pandemia da Covid-19".

Grande parte das primeiras pessoas infectadas pode ser ligada à parte oeste do mercado, de acordo com o estudo. Na época do surto das infecções, animais selvagens vivos também eram comercializados lá, como mostram fotos dos visitantes do mercado publicadas na rede online chinesa Weibo, que os pesquisadores analisaram.

Entre elas estão fotos do cão-guaxinim, que o virologista Christian Drosten já desde cedo apontou como potencial hospedeiro intermediário. "Nossos próprios estudos experimentais mostram que os cães-guaxinins são suscetíveis ao Sars-Cov-2 sem ficarem gravemente doentes, mas podem passar o patógeno para os animais de contato", diz Thomas Mettenleitner, presidente do Instituto Friedrich Loeffler, o instituto federal de pesquisa em saúde animal de Greifswald, na Alemanha.

'Cão-guaxinim é uma das possibilidades de hospedeiro intermediário do vírus'

As linhagens A e B

Outra pista para o mercado como ponto de partida para a pandemia é fornecida pelo genoma do vírus. Em um segundo estudo, os pesquisadores, incluindo alguns dos autores do primeiro estudo, investigaram a origem genética e a evolução do Sars-Cov-2.

Já nos estágios iniciais da pandemia, os cientistas haviam encontrado duas linhagens do vírus, linhagem A e linhagem B, nas amostras coletadas. Inicialmente, ambas se diferenciavam apenas por duas mutações, sendo que a linhagem A estava mais intimamente relacionada ao vírus encontrado nos morcegos. Enquanto isso, a linhagem B ganhou a corrida global e produziu diversas variantes.

A linhagem B foi identificada pela primeira vez em 24 de dezembro de 2019. A pessoa infectada havia visitado o mercado Huanan e todas as amostras coletadas no próprio mercado pertenciam à linhagem B.

A linhagem A foi descoberta mais tarde. Embora as amostras tenham sido coletadas nas imediações do mercado, elas não pareciam ter nenhuma conexão direta com o local.

Duas transmissões por zoonose

Os pesquisadores queriam saber por que a linhagem B foi detectada mais cedo e posteriormente determinou a pandemia, mesmo que a linhagem B esteja geneticamente mais distante do vírus no morcego do que a linhagem A.

Suas pesquisas descobriram que "os dados genômicos empíricos [são] melhor explicados por pelo menos duas transmissões zoonóticas distintas, com vírus de linhagem A e B circulando em um hospedeiro não humano", disseram os pesquisadores.

No entanto, o fato de que essa transmissão realmente tenha acontecido no mercado de animais selvagens em Wuhan não foi confirmado pelo lado chinês.

Questão do hospedeiro intermediário permanece em aberta

Em um terceiro estudo do Centro Chinês de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), também ainda não revisado, os pesquisadores examinaram o mercado de vida selvagem logo após seu fechamento em 1º de janeiro de 2020. Eles encontraram o vírus causador da covid-19 em numerosas amostras de pisos, paredes, gaiolas e lixeiras, especialmente na parte oeste do mercado, ou seja, onde animais selvagens vivos, hospedeiros intermediários em potencial, teriam sido vendidos.

Segundo o estudo do CDC, isso "indica a prevalência do Sars-Cov-2 no mercado". Assim, o local pode ter atuado como um amplificador, devido ao alto número de visitantes diários, levando a muitos clusters de infecção inicialmente identificados na primeira fase do surto". Desta forma, o mercado de vida selvagem poderia não ter sido um ponto de origem, mas uma espécie de acelerador da pandemia.

Os cientistas não detectaram quaisquer vestígios do vírus nos próprios animais examinados. As amostras vieram de gatos, cães e ratos vadios, assim como de animais mortos oferecidos para venda, diz o estudo. Os animais selvagens vivos não foram testados − nem poderiam ter sido. Eles já haviam sido removidos no momento dos testes.

No entanto, a vigilância dos animais selvagens deve ser intensificada, escrevem os cientistas chineses, "a fim de estudar os hospedeiros naturais e os hospedeiros intermediários da Sars-Cov-2".

Thomas Mettenleitner, entretanto, é cético quanto ao fato de que o hospedeiro intermediário ainda possa ser identificado. "Infelizmente, como há poucos dados concretos disponíveis desde os primeiros momentos, isso está se tornando cada vez mais difícil. Amostras muito precoces, mesmo as a partir de 2019, seriam importantes para provar a infecção em possíveis espécies transmissoras, como animais de pele, ou seja, martas ou cães-guaxinins".

Entretanto, segundo Mettenleitner, os estudos são "peças do quebra-cabeça que tornam mais provável uma transição zoonótica, do hospedeiro original, o morcego, por meio de um hospedeiro intermediário para humanos, como no caso do Sars-Cov-1".

Deutsche Welle

Eventual vitória da Ucrânia com apoio da Otan elevaria risco nuclear, diz especialista




O poderio nuclear russo foi exibido em 2021, na celebração pela vitória na Segunda Guerra

Por Daniela Fernandes, De Paris 

Diferentemente do que ocorreu na guerra da Bósnia, nos anos 1990, quando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pôs fim ao conflito com uma operação de bombardeios aéreos que visavam posições do Exército sérvio, a aliança transatlântica não está participando de ações militares na guerra na Ucrânia porque a Rússia possui armas nucleares, na avaliação do especialista em questões de defesa Benjamin Hautecouverture, da Fundação para a Pesquisa Estratégica, em Paris.

No último domingo (27/2), o presidente russo Vladmir Putin anunciou que as "forças de dissuasão" equipadas com armas nucleares entraram em alerta máximo.

A Otan é uma aliança militar de defesa liderada pelos EUA e que reúne hoje 30 países. Ela foi criada em 1949, nos primeiros anos da Guerra Fria, para opor a Europa Ocidental à União Soviética (URSS) e ao avanço do comunismo. A organização tem como um de seus pilares garantir a segurança de seus Estados membros.

Embora seja uma organização voltada para a defesa, no caso da guerra na Bósnia-Herzegovina, que durou de 1992 a 1995, a Otan mobilizou 400 aviões e 5.000 soldados em suas operações de bombardeios.

Para especialistas, não havia o risco de que a Rússia se envolvesse no conflito para apoiar os sérvios, em um país distante de suas fronteiras. Além disso, a antiga Iugoslávia já havia rompido há décadas com a União Soviética. A Otan também bombardeou a Sérvia em 1999 durante o conflito no Kosovo.

Segundo Hautecouverture, os russos possuem opções de ataques nucleares graduais, ou seja, de fraca, média e grande potência. Ele ressalta que Putin não poderia "apertar o botão vermelho" em um momento de loucura, já que isso necessita uma ação conjunta com o ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior do Exército.

Mas o especialista acrescenta que todos os cenários são possíveis, embora o uso, ainda que limitado, de uma arma nuclear seja o menos provável, na sua avaliação.

Uma das razões previstas, pelas regras da Rússia, para a utilização de armas atômicas é o de que a sobrevivência do Estado estaria em perigo. Para o especialista, isso não ocorre atualmente, a não ser que Putin considere que o Estado seja ele próprio.

Uma derrota contra a Ucrânia armada por países da Otan seria vista como uma ameaça ao seu regime e Putin poderia fazer valer esse argumento junto às autoridades militares russas e, nesse caso, o conflito se aproximaria do risco nuclear, afirma o especialista.

Linha vermelha

A possível entrada da Ucrânia na Otan e a expansão da presença da aliança militar ocidental no leste da Europa são os focos dessa crise, já que a Rússia alega que isso representa uma ameaça para a segurança de seu país.

'Para especialista, no passado era impossível para a Rússia se opor a qualquer decisão da Otan e "Putin não era nada"

Uma primeira leva de países da Europa Oriental (Polônia, Hungria e República Tcheca) ingressou na Otan, em 1999, meses antes de Putin assumir seu primeiro mandato presidencial. A expansão da Otan, em 2004, aos países bálticos (ex-repúblicas soviéticas), Romênia, entre vários outros do leste europeu, não provocou a mesma reação de Putin como no caso da Ucrânia.

"No momento em que os países bálticos entraram na Otan, em 2004, a Rússia não tinha meios para impedir isso. Foi a mesma coisa no caso da Romênia ou da Polônia. A potência militar da Rússia naquela época não tem nada a ver com a atual", diz Hautecouverture, acrescentando que no início dos anos 2000 o país, que saía da Guerra Fria, estava em "decomposição."

"Era impossível para a Rússia se opor a qualquer decisão da Otan. Há quase 20 anos, o país não tinha os mesmos meios de hoje e Putin não era nada", afirma o especialista.

A Rússia também sofreu uma forte crise financeira em 1998, marcada por uma brutal desvalorização do rublo e uma moratória sobre sua dívida externa. No início dos anos 2000, por exemplo, o porto de Murmansk abrigava a decadente frota nuclear russa, com submarinos enferrujados e temores de radiação na região.

De acordo com Hautecouverture, a Ucrânia é a última linha vermelha para Putin. "Ele deixou tudo passar (a ampliação da Otan no Leste Europeu) porque ele estava impossibilitado de fazer algo", diz ele.

"O último país fronteiriço da Rússia com possibilidades de entrar na Otan é a Ucrânia. E é um caso à parte porque, na história russa, a Ucrânia integrou a União Soviética. Daí a linha vermelha. O país é como um apêndice, um irmão, um primo, algo excessivamente próximo."

O especialista acrescenta que o mar Negro, a Crimeia e a Ucrânia, "no fantasma russo, fazem parte da Rússia."

O pesquisador diz também que a eventual entrada da Ucrânia na Otan não é uma ameaça à segurança da Rússia e que todos estão de acordo com isso, exceto Putin.

A guerra atual, na sua avaliação, demonstra que há sentido em manter a existência da organização transatlântica, questionada por alguns em razão do fim da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, a aliança militar dos países do leste europeu e URSS.

O funcionamento da Otan também vinha sendo criticado. Há cerca de dois anos, o presidente francês, Emmanuel Macron, declarou que a organização estava em "estado de morte cerebral."

"A guerra na Ucrânia mostrou que a Otan é necessária. Ela ganhou fôlego pelos próximos 30 anos", avalia Hautecouverture. 

BBC Brasil

Qual o papel da Otan no confronto entre Rússia e Ucrânia?




A invasão russa à Ucrânia tem como um de seus principais panos de fundo os temores da Rússia com o avanço da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no leste da Europa.

Por Julia Braun

Desde o fim da União Soviética (URSS), em 1991, a aliança militar encabeçada por Estados Unidos e Europa incorporou 13 países da região aos seus membros, entre eles as ex-repúblicas soviéticas Estônia, Lituânia e Letônia.

A Ucrânia é atualmente um "país-associado" à Otan, o que significa que pode se unir à organização no futuro.

Para o governo russo, a inclusão de seus vizinhos na aliança é uma tentativa dos americanos e das potências europeias de cercar seu território, o que configuraria uma ameaça à Rússia. "Para os EUA e seus aliados, é a chamada política de detenção da Rússia, com óbvios dividendos políticos. E para nosso país, é uma questão de vida ou morte, é uma questão do nosso futuro histórico como povo. Não é exagero. É uma ameaça real não só aos nossos interesses, mas à própria existência do nosso Estado e sua soberania", disse Putin ao anunciar a invasão da Ucrânia em 24/02.

E para tentar conter o que classifica como ameaça, Putin vem exigindo ao longo dos últimos anos que a Otan cesse suas atividades militares no leste da Europa e forneça garantias de que a Ucrânia não será aceita na organização.

Mas afinal, qual a responsabilidade da Otan na atual invasão da Ucrânia pela Rússia? A expansão da aliança militar pelos países do antigo bloco comunista ajudou a manter a paz (como diz oficialmente) ou está justamente na raiz da guerra que vemos hoje?

Putin costuma repetir que a Otan é "apenas um instrumento da política externa dos EUA", país com o maior poderio militar do mundo. Por outro lado, a organização ressalta que todas as suas decisões são negociadas e tomadas por consenso entre os seus 30 membros.

A BBC News Brasil consultou especialistas de diversas vertentes em busca de contexto e análises variadas num debate que contrapõe visões de mundo bastante opostas.

Quais os objetivos da Otan?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a Otan foi criada em 1949 por 12 países, entre eles EUA, Canadá, Reino Unido e França, justamente com o objetivo de conter o avanço da então União Soviética.

Os membros da aliança têm o compromisso de se defender mutuamente em caso de ataque armado contra qualquer um deles.

A Segunda Guerra Mundial acabara quatro anos antes, e os soviéticos que haviam ajudado a derrotar a Alemanha nazista emergiam, principalmente por questões ideológicas, como o maior adversário da Europa Ocidental e dos Estados Unidos.

Ou seja, a aliança militar nasceu de uma rivalidade com a Rússia, o principal país-membro da URSS, numa oposição entre dois campos: o capitalista e o comunista.

Em 1955, a Alemanha, antiga inimiga na guerra, entrou para a organização. No mesmo ano, os soviéticos criaram sua própria aliança militar, o Pacto de Varsóvia, com outros países do Leste Europeu de orientação comunista.

A organização do bloco comunista se manteve de pé até 1991, quando a URSS entrou em colapso após o fim da Guerra Fria e uma Rússia enfraquecida emergiu como herdeira política.

Naquele momento, chegou-se a discutir uma nova arquitetura de segurança mundial que incluísse a Rússia. A Otan chegou, inclusive, a assinar acordos de cooperação com a Rússia durante as décadas de 1990 e 2000, mas a parceria foi aos poucos se deteriorando por conta de divergências entre os membros. Os russos também tentaram entrar para a Otan, sem sucesso.

"Depois da Guerra Fria, houve conversas e negociações para parcerias, mas a Otan é uma aliança construída com base na confiança e nos valores comuns — e a Rússia nunca teve um momento realmente democrático na sua história moderna", diz o analista americano Bruce Jones, diretor do Projeto sobre Ordem Internacional e Estratégia do think tank Brookings Institution.

"Havia desafios sistêmicos e psicológicos intransponíveis para a adesão da Rússia à Otan, entre eles a falta de confiança das forças militares dos membros da aliança em relação à Moscou, que herdou muito de seu arsenal e procedimentos operacionais da URSS", diz Mikhail Troitskiy, professor da Universidade Mgimo e especialista em relações internacionais de Moscou.

O fim da URSS, por sua vez, deu início a um processo de conquista de independência dos países do Leste Europeu e, ao longo dos anos, quase todos os membros do antigo Pacto de Varsóvia entraram para a Otan.

Para Putin, a Otan serve como instrumento da política externa americana e exemplo da forte influência que o país exerce sobre seus aliados. "Todos os seus países-satélites não só concordam com eles sempre que podem como também copiam o comportamento deles e aceitam com admiração as regras impostas."

Os EUA e a Alemanha são os países que mais contribuem financeiramente com a organização (16% do orçamento total cada), mas a Otan ressalta que todas as decisões da aliança são tomadas em conjunto e por consenso de todos os seus 30 membros. "Decisões por consenso significam que não há votação na Otan. Consultas são feitas até que se chegue a uma decisão aceitável para todos. Algumas vezes alguns países-membros discordam em alguns pontos. Em geral, o processo de negociação é rápido porque seus membros estão em contato regularmente e sabem as posições dos outros de forma antecipada", afirma a Otan.

Por outro lado, vale lembrar que os EUA são o país mais rico e com o maior poderio militar do mundo. Segundo levantamento do Brookings Institution, os americanos gastam mais anualmente com segurança e defesa do que China, Rússia, Arábia Saudita, França, Reino Unido, Alemanha, Índia e Japão juntos.

Otan avança sobre o Leste Europeu?

Para Moscou, a presença da Otan no leste europeu é uma das principais ameaças ao país. Putin afirma que os Estados Unidos e a Europa Ocidental utilizam a aliança para cercar a Rússia e quer que a organização cesse suas atividades militares no Leste Europeu.

"A Rússia quer algum tipo de comprometimento por parte da Otan de que a aliança não está interessada em recrutar a Geórgia, e mais especialmente a Ucrânia, como seus membros", diz Troitskiy.

"De forma mais geral, o governo russo também quer que a Otan imponha algum tipo de limite à sua política de portas abertas", afirma o especialista russo, em referência ao Artigo 10º do tratado, que permite a adesão de qualquer país europeu que possa melhorar e contribuir "para a segurança da região do Atlântico Norte".

O presidente russo teme ainda que, no caso de uma aliança com a Ucrânia, a nação vizinha sirva de base para o eventual lançamento de mísseis contra a Rússia.

Para Alexandre Uehara, coordenador acadêmico do Centro Brasileiro de Estudos de Negócios Internacionais da ESPM, as negociações para a entrada da Ucrânia na Otan soaram como uma provocação para os russos. "Nesse aspecto, faltou uma maior habilidade para conduzir o processo de forma a evitar qualquer tensão", diz. "Mas, por outro lado, a Otan é aberta a qualquer nação."

Em discursos pouco antes da invasão ao país vizinho, Putin também acusou os EUA e os demais membros da Otan de desprezarem totalmente os interesses russos e ignorarem seus pedidos por provas de que não incorporariam a Ucrânia aos seus membros ou expandiriam ainda mais sua presença militar na região.

"Já está claro: as preocupações fundamentais da Rússia foram ignoradas", disse Putin em entrevista a jornalistas no início de fevereiro.

'Governo russo acredita que a inclusão de seus vizinhos na aliança é uma tentativa dos americanos e das potências europeias de cercar seu território'

A Otan, por sua vez, rechaça essas afirmações e diz que só um número reduzido de seus Estados-membros compartilha fronteiras com a Rússia, além de sustentar que trata-se de uma aliança defensiva, e não ofensiva.

A organização afirma ainda que todos os países do Leste Europeu incorporados como membros solicitaram sua entrada de forma independente, sem qualquer tipo de pressão por parte dos EUA ou da Europa.

"Estamos preparados para ouvir as preocupações da Rússia e travar uma conversa real sobre como defender e reforçar os princípios fundamentais da segurança europeia com que todos nós nos comprometemos, a começar pelos Acordos de Helsinki", disse o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, em janeiro, referindo-se aos pactos assinados após a Guerra Fria para estabelecer uma "coexistência pacífica" entre os blocos comunista e capitalista.

"Isso inclui o direito de cada nação de escolher seus próprios arranjos de segurança", defendeu.

Para Bruce Jones, entre as razões que levaram os países do Leste Europeu a se juntarem à organização esteve justamente o temor de uma invasão russa. "A Otan não recrutou as ex-repúblicas soviéticas. Muito pelo contrário, esses países se inscreveram para ser parte da aliança de maneira efusiva porque não confiam na Rússia", diz.

Qual foi a atuação da Otan na Rússia e na Ucrânia?

Quando os ucranianos depuseram o seu presidente pró-Rússia no início de 2014, quando ele se recusou a se aproximar da União Europeia apesar do apoio popular majoritário, a Rússia anexou a península da Crimeia, ao sul da Ucrânia. Também respaldou separatistas pró-Rússia que ocuparam grandes territórios ao leste da Ucrânia.

A Otan não interveio, mas respondeu colocando tropas em vários países do Leste Europeu pela primeira vez.

'Otan colocou grupos de combate no leste europeu'

A aliança possui quatro grupos de batalha multinacionais do tamanho de um batalhão na Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia; e uma brigada multinacional na Romênia.

A Otan também ampliou sua vigilância aérea nos países bálticos e no leste da Europa para interceptar qualquer avião russo que ultrapasse a fronteira de seus Estados-membros.

A Rússia exige que esse poderio bélico seja retirado daquela região.

Após a invasão à Ucrânia, os países-membros da Otan concordaram em enviar ajuda militar a Kiev em forma de milhares de armas antitanque e centenas de mísseis de defesa, bem como munição.

Os países da União Europeia também aprovaram envio de suprimentos de armas no valor de 450 milhões de euros (R$ 2,5 bilhões) e equipamentos de proteção no valor de 50 milhões de euros (R$ 288 milhões), além de um apoio ao Exército ucraniano com caças e combustível.

Mas a Otan tem repetido que não haverá participação de soldados da organização no conflito.

A Otan pode ser responsabilizada pela invasão à Ucrânia?

Segundo a narrativa defendida pelo Kremlin e seus apoiadores, a invasão à Ucrânia seria uma reação às ações tomadas pela própria Otan contra os interesses russos.

Putin afirma que a aliança traiu a Rússia ao quebrar uma promessa feita à União Soviética ao fim da Guerra Fria.

Segundo o presidente russo, o secretário de Estado do presidente americano George H. W. Bush, James Baker, teria se comprometido verbalmente a não expandir a influência da Otan pelo Leste Europeu durante discussões em fevereiro de 1990 com o então líder soviético Mikhail Gorbachev. Em troca, a URSS teria que aceitar a unificação da Alemanha.

A promessa, porém, nunca se tornou um acordo formal. Anos depois, em 2014, Gorbachev negou em uma entrevista que houve um comprometimento formal dos EUA para evitar o avanço da Otan.

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"O tema da 'expansão da Otan' não foi discutido e não foi abordado naqueles anos", disse ele ao jornal Russia Beyond. "Uma questão que levantamos e que foi discutida foi garantir que as estruturas militares da Otan não avançassem e que forças armadas adicionais não fossem implantadas no território da então República Democrática Alemã após a reunificação. A declaração de Baker foi feita nesse contexto."

No entanto, Gorbachev disse acreditar que, apesar de a expansão da Otan não trair promessas concretas, ela desrespeita o espírito do que estava sendo acordado naquele momento. "Foi um grande erro desde o início. Foi definitivamente uma violação do espírito das declarações e garantias feitas a nós em 1990", disse.

E as críticas em relação ao avanço da Otan não são novidade nem tampouco exclusividade de vozes russas. George Kennan, um dos diplomatas americanos mais influentes no período de oposição à URSS, classificou a expansão da Otan na Europa Central como "o erro mais fatídico da política americana em toda a era pós-Guerra Fria".

Em um artigo publicado no jornal The New York Times em 1997, ele afirmou que a ampliação rumo ao leste inflamaria tendências nacionalistas e militaristas entre os russos e poderia afetar o próprio desenvolvimento da democracia na Rússia. Não seria, portanto, a maneira mais inteligente de lidar com um império humilhado após sua dissolução e detentor do maior arsenal nuclear do mundo.

Para Mikhail Troitskiy, da Universidade Mgimo, a resistência dos membros da aliança em relação aos interesses russos levou a uma insatisfação cada vez maior no Kremlin. "A relutância da Otan em considerar as demandas de Moscou sobre a adesão da Ucrânia e o fim da política de expansão da aliança irritaram a Rússia", diz. "No entanto, essas eram contradições de fundo que de forma alguma tornaram inevitável o confronto militar entre a Rússia e a Ucrânia."

Por outro lado, Bruce Jones, do Brookings Institution, avalia que as ações militares do governo de Vladimir Putin contra a Ucrânia têm mais raízes internas do que externas. "A invasão tem mais a ver com o sentimento profundo de conexão e o desejo que os russo nutrem de ter a Ucrânia de volta ao seu invólucro do que com qualquer ação da Otan."

Mas segundo o analista americano, isso não quer dizer que o temor de Moscou em relação à aliança militar ocidental seja irracional.

"Historicamente, alianças multilaterais já mudaram de opinião sobre suas políticas. Por isso, a Rússia pode sim ter razões para se preocupar com uma mudança de posição da Otan", diz. "Mas isso não explica o porquê de uma ação militar".

O professor Alexandre Uehara compartilha da opinião de que a incursão russa é injustificável.

"Analisando retrospectivamente, existem alguns aspectos legítimos para que a Rússia questione essa expansão para o Leste Europeu", afirma. "Mas isso ainda não justifica a invasão da Ucrânia, pois toda a questão poderia ter sido resolvida diplomaticamente".

A Otan possui apenas objetivos defensivos?

A Otan se define como uma aliança militar criada para a defesa de seus membros e, segundo seus membros, só age militarmente quando atacada.

Esse princípio de defesa coletiva está registrado no artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, que garante que os recursos de todos os países da organização possam ser usados para proteger os demais.

Essa definição defensiva, porém, é vista com desconfiança por muitos na Rússia.

Membros do governo e o próprio presidente Putin citam com frequência o bombardeio realizado pela Otan contra a antiga Iugoslávia em 1999 como prova de que a aliança não se restringe à defesa.

Durante seu encontro com o chanceler alemão Olaf Scholz em meados de fevereiro, o líder russo levantou a questão mais uma vez.

"O chanceler federal acabou de dizer que as pessoas de sua geração — e eu certamente pertenço a essa geração — acham difícil imaginar uma guerra na Europa", disse na entrevista coletiva após o encontro com o alemão. "Mas todos nós fomos testemunhas da guerra na Europa que a Otan desencadeou contra a Iugoslávia."

"Aconteceu. Sem nenhuma sanção do Conselho de Segurança da ONU. É um exemplo muito triste, mas é um fato difícil", disse Putin, referindo-se à operação militar contra Belgrado e Novi Sad, que levou à retirada das forças iugoslavas do Kosovo e o estabelecimento de uma missão da ONU no país.

De acordo com a posição da Otan à época, a operação foi um sucesso e cumpriu seus objetivos ao colocar fim ao conflito que assolava a região há quase uma década.

Para os russos, porém, é mais uma prova de que a aliança poderia usar sua presença no Leste Europeu para atacar seu território.

Segundo Troitskiy, a Otan tem um histórico complexo quando o tema é sua natureza pacífica. "A adesão dos países da Europa Central e Oriental na Otan após o fim da Guerra Fria certamente ajudou pacificar e reduzir as ambições perigosas desses Estados", diz. "Mas, por outro lado, a Rússia sempre citará o bombardeio contra a Iugoslávia como evidência de uma intervenção."

"E claro, alguns membros da Otan invadiram o Iraque, uma operação que pode facilmente ser usada para testemunhar a natureza expansionista da aliança", diz o analista de Moscou. "Houve ainda a intervenção na Líbia em 2011, quando a Otan claramente ultrapassou seu mandato, e há também quem aponte para as ações no Afeganistão como outra operação expansionista".

Jones, do Brookings Institution, não vê qualquer intenção expansionista nas ações da Otan na Iugoslávia. "Os EUA não começaram essa guerra. Eles apenas escolheram interferir em defesa de Kosovo após múltiplas rodadas de negociação e esforços, o que é completamente diferente de arquitetar uma invasão contra uma nação independente."

A Ucrânia ainda pode entrar para a Otan?

A Ucrânia não é membro da Otan, e embora pleiteie entrada no grupo, não há qualquer previsão de que isso ocorra num futuro próximo.

Mas a aliança já negou em diversos momentos o fim de sua política de portas abertas ou um veto a qualquer membro que queira aderir à organização, como é exigido pela Rússia.

"A relação da Otan com a Ucrânia será decidida pelos 30 aliados da Otan e a Ucrânia, e por ninguém mais", disse o secretário-geral da organização em dezembro de 2021.

Para Bruce Jones, não há como saber se a aliança pode trabalhar para aceitar Kiev no futuro, mas essa realidade é improvável atualmente, diante da operação russa.

"O processo de entrada da Ucrânia na Otan ocorreu de forma bastante lenta em parte porque o governo em Kiev deu entrada ao pedido pouco antes da crise financeira que atingiu a Europa", afirma.

"Mas a invasão russa mudou tudo e, talvez, ao final da guerra, a Ucrânia tenha se mostrado uma resistência tão corajosa e séria que tudo mais caminhe rápido", diz.

BBC Brasil

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