Zevi Ghivelder
O Globo
No início dos anos 1970 do século passado, o pensador francês Raymond Aron escreveu: “Cada vez que vejo a Europa se imiscuir em assuntos do Oriente Médio, tenho a impressão de que alguém está passando um cheque sem fundos”. Há poucos dias, quando Pequim serviu de anfitrião para uma reunião de 14 facções árabes existentes no Oriente Médio, a China não passou um cheque sem fundos, assinou um cheque fraudulento.
A fraude se configura na chamada Declaração de Pequim, na qual é delineado o dia seguinte ao da guerra em Gaza, prevendo o Hamas como um dos gestores daquele território.
DESFAÇATEZ – É espantosa a desfaçatez do grupo terrorista, que, depois de iniciar um conflito com Israel e de sacrificar a vida de milhares de seus cidadãos palestinos, pretende um desdobramento do qual sairia incólume, como se nada tivesse acontecido.
A fraude prossegue na medida em que a declaração estipula futuras coalizões num cenário indefinido para o qual nem sequer Israel é capaz de formular uma previsão. Segundo Benjamin Netanyahu, a guerra só terminará com a extinção radical do Hamas. É uma postura igualmente indefinida.
Em tempos recentes, o Ocidente julgou que havia erradicado a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, mas essas duas organizações seguem ativas. No curso da História, as guerras têm terminado quando os envolvidos num conflito assinam um armistício ou uma rendição incondicional, ou quando uma das partes abandona a guerra de modo informal, a exemplo da retirada americana do Vietnã.
NADA MUDOU – A mídia internacional saudou com otimismo o entendimento alcançado em Pequim entre a Autoridade Palestina e o Hamas depois de 17 anos de ruptura.
No entanto, na reunião em Pequim, a Autoridade Palestina sediada na Cisjordânia não se propôs a rejeitar o terrorismo, nem o Hamas abdicou do seu propósito basilar de destruir Israel.
Desde o massacre que perpetrou em Israel no dia 7 de outubro, o Hamas vem desenvolvendo uma política de aproximação bem-sucedida com a Rússia e a China, ratificando sua vital submissão ao Irã. A Rússia acolheu a iniciativa do Hamas porque a guerra em Gaza arrefeceu o foco internacional sobre a guerra na Ucrânia.
CASO DE TAIWAN – E a agressão à Ucrânia dá respaldo a uma ação militar plausível da China em Taiwan. A esse respeito, um destacado líder do Hamas, chamado Khaled Mashaal, declarou que a China pode atacar Taiwan, assim como se deu o “deslumbrante” ataque do Hamas contra Israel.
O futuro de Gaza depois da atual guerra é incerto e controverso. Ao mesmo tempo que Netanyahu afirma que Israel não tem a pretensão de dominar Gaza, dois ministros extremistas radicais de seu governo clamam pelo contrário.
São os mesmos que apoiam a anexação da Cisjordânia e incentivam a proliferação ilegal dos assentamentos, cujos colonos vivem em estado permanente de êxtase messiânico e são o maior obstáculo para a paz entre israelenses e palestinos.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Excelente artigo de Zevi Ghivelder, que conhece como poucos a questão do Oriente Médio. Mostra que as possibilidades de paz são mínimas e devem ser encaradas com realismo. Ou seja, com pessimismo, para ser mais claro. (C.N.)