Publicado em 25 de junho de 2024 por Tribuna da Internet
Bruno Boghossian
Folha
A operação que levou adiante o projeto de lei Antiaborto por Estupro tomou impulso numa sequência de farsas. Para chegar até a boca de uma votação no Congresso, os defensores da proposta lançaram mão de abusos, artimanhas e uma boa dose de malandragem política.
A primeira trapaça foi armada pelo Conselho Federal de Medicina. Em março, o órgão aprovou uma resolução que impedia médicos de usarem a assistolia fetal para o aborto em gestações acima de 22 semanas, mesmo em casos de estupro. Os doutores devem ter achado que estavam acima da lei, que não proíbe a interrupção da gravidez nesse estágio e não veda o uso da técnica, recomendada pela OMS.
ENTROU EM AÇÃO – A bancada bolsonarista entrou em ação quando Alexandre de Moraes derrubou a norma do CFM. Os parlamentares atiçaram as brasas do conflito com o ministro para acelerar um projeto que não fala sobre métodos de aborto e propõe, no final das contas, punir mulheres vítimas de estupro como homicidas.
Quase ninguém tentou disfarçar a trama. O autor do texto, Sóstenes Cavalcante, estava mais interessado em montar uma emboscada para Lula do que em discutir o conteúdo:
“Quero aprovar esse projeto para ver se ele vai sancionar ou se vai vetar”. O deputado pareceu feliz da vida em patrocinar uma perversidade para desgastar um adversário.
ENCENAÇÃO – O recuo forçado na tramitação da proposta também teve uma certa encenação. Interessado no apoio dos evangélicos, Arthur Lira havia pisado no acelerador para aprovar, em 23 segundos, um requerimento de urgência para o texto —mecanismo que, muitas vezes, serve para queimar etapas e deixar um projeto pronto para uma votação surpresa. Depois, ele disse que a intenção nunca foi avançar sem debate amplo.
Entre acordos e negociatas, dribles e jeitinhos, crueldades e delírios de grandeza, a proposta caminhou até ser freada pela reação enérgica de seus críticos e opositores. Ficará na gaveta até o próximo ataque de oportunismo político.