Dora Kramer
Folha
O desacerto entre Executivo e Legislativo está de tal maneira intenso que o presidente Luiz Inácio da Silva se viu obrigado a fazer o que imaginou não ser preciso depois de dois mandatos bem-sucedidos na relação com o Congresso: entrar com seu peso no varejo da articulação político/partidária.
Para isso, Lula teve de dar um tempo na execução do projeto de se firmar como liderança internacional. A razão, sabemos, é a mudança da realidade anteriormente vivida pelo presidente tanto quanto aos posicionamentos dele no âmbito mundial como a alteração da correlação de forças na sociedade, no Parlamento e na configuração da equipe presidencial, hoje bem mais fraca.
ALGO INIMAGINÁVEL – Lá atrás, na primeira década do novo milênio, seria inimaginável a hipótese de um presidente da Câmara se referir a José Dirceu — ou a qualquer outro de semelhante estatura na hierarquia petista — como incompetentes e mais, dado a eles a condição de desafetos pessoais.
Agora vimos o deputado Arthur Lira (PP-AL) partir para o confronto com o Planalto e ainda ser agraciado com um pedido de trégua por parte do presidente, cujos auxiliares disseminam a versão de que a proximidade do fim do mandato do presidente da Câmara resulta na morte prematura de poder. Fosse verdade, Lula ficaria na dele aguardando o desgaste natural do adversário.
FALSO OTIMISMO – Portanto, simulam ingenuidade ao exalar otimismo o líder do governo na Câmara e o ministro da articulação política. quando um (o deputado José Guimarães) diz que basta um pequeno conserto para tudo se resolver; e outro (o ministro Alexandre Padilha) fala que está tudo bem e a crise superada.
Temporariamente pode até ser, como foi quando Lula promoveu uma série de encontros amigáveis no Palácio da Alvorada, que distenderam, mas não resolveram a situação, que é mais estruturalmente complicada do que possam supor a vã filosofia cândida do ministro otimista e do líder apaziguador.