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segunda-feira, abril 29, 2024

Freud dizia que a guerra é inevitável, mas precisamos nos rebelar contra ela

Publicado em 28 de abril de 2024 por Tribuna da Internet

Sigmund Freud em 1939, seu último ano de vida, em Maresfield Garden, Washington, EUA

Freud em sua última foto, em 1939, início da Segunda Guerra

Merval Pereira
O Globo

Num momento em que o mundo vive em permanente tensão, convivendo com duas guerras – a da Rússia contra a Ucrânia e a de Israel contra o Hamas e agora contra o Irã -, nada mais pertinente do que o lançamento do livro “Guerra e política em Psicanálise”, do psicanalista Joel Birman pela Civilização Brasileira.

Birman, que há pelo menos 20 anos tem como um de seus temas psicanálise e guerra, objeto central de um encontro internacional do Rio em 2003, analisa no livro o percurso histórico de Freud no estudo da guerra. A famosa troca de mensagens entre Freud e Einstein em 1932 sobre a possibilidade de evitar guerras entre as nações pode ser analisada como pano de fundo de uma discussão acadêmica sobre o tema que vigora até hoje.

EINSTEIN PERGUNTA – Albert Einstein fez em carta a Sigmund Freud, o pai da psicanálise, uma pergunta: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra?” Nessa carta, escrita sob o desígnio da Liga das Nações, Einstein sugeria a instituição de um organismo internacional, mediante acordo entre as nações, que intermediasse conflitos que viessem a surgir. Seria a semente da Organização das Nações Unidas (ONU), que viria a ser criada.

Freud, que não se entusiasmou com a discussão, que classificou de ”enfadonha e estéril”, respondeu com uma análise sobre a impossibilidade de evitar a polarização entre as pulsões de vida e morte, inerentes à constituição humana.

Era a teoria “dos instintos”, segundo a qual os instintos humanos seriam de dois tipos: os eróticos, que tendem a se preservar e unir e os destrutivos, que tendem a destruir e matar.

DITADURA DA RAZÃO – Segundo Freud, para que a prevenção das guerras e o projeto de Paz Eterna fossem possíveis, seria necessário que os homens submetessem suas pulsões à “ditadura da razão”, o que seria uma utopia.

Freud interpelou Einstein de maneira direta: “Por que nos revoltamos tanto contra a guerra, você e eu, e tantos outros, por que não a aceitamos como tal, entre as numerosas necessidades possíveis da vida?”, indagava. Segundo ele, a guerra “é praticamente inevitável”, de acordo com a natureza do homem.

Joel Birman lembra que Freud acreditava decisivamente na possibilidade da Paz Eterna no início de seu percurso teórico. No entanto, após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, modificou radicalmente seu entendimento sobre a guerra e suas intrincadas relações com a paz e a política.

TEORIA INVÁLIDA – Apesar de ser um pacifista, assim como Einstein, no ensaio “Por que a guerra?” publicado depois da troca de cartas, Freud chegou à conclusão de que a guerra é inevitável.

Impressionou-o especialmente a crueldade da Primeira Guerra. O cenário bélico parecia inverossímil após cem anos de paz duradoura na Europa, como o banho de sangue era promovido pelas maiores potências europeias, como França, Inglaterra e Alemanha, a vanguarda da civilidade ocidental.

A tese de Freud sobre o “interdito de matar” perdia assim consistência, pois valia apenas para os tempos de paz.

EUROPA SANGRENTA – Os mesmos Estados davam “autorização para matar” em tempos de guerra, demonstrando que não correspondia à verdade a tese prevalente à época de que as nações europeias eram superiores às sociedades primeiras. Ao contrário, estas seriam superiores às europeias porque respeitavam os mortos e tinham regras na condução da guerra, que não eram seguidas na guerra mundial desencadeada pelos estados europeus.

Concluindo seu percurso teórico, Freud criticou a filosofia de guerra de Clausewitz, segundo quem a guerra era a continuação da política em outros termos. Para Freud, a política era a continuação da guerra em outros termos.

Mesmo considerando inevitável a guerra, Freud dizia que ela é “a mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida no processo de civilização. E, por esse motivo, não podemos evitar de nos rebelar contra ela”.


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