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terça-feira, novembro 07, 2023

 

Impunidade na violência contra jornalistas atinge 9 em cada 10 casos


Na semana passada, jornalistas de vários países se reuniram em Washington (EUA) para um evento promovido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela Unesco a fim de marcar o Dia Internacional para o Fim da Impunidade para Crimes contra Jornalistas. De acordo com o dado alarmante repetido no evento, mais de 1.600 jornalistas foram assassinados nos últimos 30 anos e, “chocantemente”, conforme ressaltou Tawfik Jelassi, diretor-geral assistente para Comunicação e Informação da Unesco, “nove em cada dez desses crimes estão, até os dias de hoje, insolúveis, deixando seus perpetradores impunes”.

“As estatísticas de 2023”, lembrou a relatora especial para a liberdade de expressão da Organização das Nações Unidas (ONU ), Irene Khan, “serão totalmente distorcidas pelo que está a acontecer neste momento em Gaza”, em referência aos bombardeios executados pelo governo de Israel que já mataram milhares de civis na Faixa de Gaza em resposta a um ataque terrorista cometido pelo Hamas em 7 de outubro. “Lamento, não posso falar hoje sem pensar nos 21 jornalistas palestinos, nos quatro jornalistas israelenses e no jornalista libanês que foram recentemente mortos só neste mês”, disse Khan.

Jelassi disse que em Gaza foi registrada “a pior semana, em termos de violência contra jornalistas, dos últimos dez anos”. O representante da Unesco mencionou também que a Ucrânia, alvo de uma invasão militar pela Rússia, já se aproxima das taxas de homicídio de jornalistas do México, considerado o país mais letal para a profissão.

Nataliya Gumenyuk, cofundadora do Laboratório de Jornalismo de Interesse Público na Ucrânia, disse que desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022, ocorreram mais de 540 crimes contra jornalistas. De um total de 68 jornalistas ucranianos mortos ao longo do conflito, dez foram assassinados no exercício da profissão. Catorze permanecem desaparecidos, incluindo Viktoria Roshchyna, premiada jornalista ucraniana e amiga de Nataliya. Outros 33 jornalistas foram sequestrados, 31 foram feridos. Mais de 200 meios de comunicação fecharam as portas, em especial nas áreas sob ocupação militar da Rússia ou sob o ataque de mísseis.
Foto: Rubens Valente/Agência Pública
Desde que foi criada, em 1997, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, vinculada à CIDH da OEA, registrou o assassinato de 507 jornalistas nas Américas. Na quinta-feira (2), foi inaugurada uma estátua no quintal da OEA, a poucos metros do Monumento a Washington, com um livro metálico que traz os nomes das vítimas e dos países em que morreram. Lá estão citados, por exemplo, Tim Lopes, jornalista investigativo da TV Globo morto pelo narcotráfico no Rio de Janeiro, e Domingos Sávio Brandão, dono do jornal Folha do Estado, de Cuiabá (MT), covardemente fuzilado em 2002 a mando de um bicheiro. Também está incluído o britânico Dom Phillips, assassinado no Amazonas ao lado do indigenista Bruno Pereira em junho do ano passado.

Parentes de jornalistas assassinados no exercício da profissão prestaram testemunhos aterradores. “Para nós, familiares de jornalistas assassinados ou desaparecidos, fica claro que no México não haverá justiça. O governo do México não tem interesse nem vontade de esclarecer os crimes e de atender as famílias”, disse Jorge Sánchez, filho do jornalista mexicano José Moisés Sánchez Cerezo, sequestrado e assassinado por um grupo armado em 2015. Sánchez lembrou que outro jornalista que passou a investigar o assassinato, Rubén Espinosa, também foi morto a tiros na Cidade do México. No mesmo ano, um amigo do pai de Sánchez foi executado.

Caso Pedro Palma, um assassinato impune no Rio de Janeiro

Evelien Wijkstra, diretora jurídica da organização não governamental Free Press Unlimited, contou que quatro anos atrás começou, com apoio da Repórteres Sem Fronteiras, um projeto que investigou 17 casos de jornalistas assassinados que acabaram sem solução em 16 países. A pesquisa procurou apontar o motivo do crime e qual foi o comportamento do sistema judicial. Um dos casos foi o do jornalista brasileiro Pedro Palma, cujo relatório de 32 páginas pode ser lido aqui.

Editor-chefe do jornal semanal Panorama Regional, Palma frequentemente tratava do tema da corrupção na prefeitura municipal de Miguel Pereira (RJ). Aos 47 anos, foi assassinado a tiros por sicários que se aproximaram numa motocicleta. O caso nunca foi esclarecido. A investigação independente da Free Press Unlimited apontou “atrasos excessivos e indevidos em fases cruciais da investigação oficial”, falta de transparência (por exemplo, a família de Palma só teve acesso ao inquérito nove anos depois do crime) e prejuízos à possibilidade de analisar “dados cruciais de telefones celulares”.

Wijkstra mencionou que pretende apresentar os achados da investigação, a fim de dar “os primeiros passos rumo à justiça”, para o Observatório Nacional de Violência contra Jornalistas e Comunicadores, recém-criado pelo governo Lula no Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). “Estamos tentando engajar as autoridades a reabrir o caso para de fato fazer justiça neste caso específico”, disse Wijkstra.

Coordenadora-executiva do observatório, a advogada Lázara Carvalho, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Justiça do MJSP e conselheira do Innocence Project Brasil, participou do evento em Washington. Em sua palestra, contou que um dos primeiros objetivos do observatório é reconquistar a confiança dos jornalistas e comunicadores no Estado brasileiro.

“Nos últimos tempos, o Brasil mergulhou em uma noite muito, muito escura, onde os direitos humanos, a liberdade de imprensa foram combatidos com violência pelo próprio governo. O observatório é uma iniciativa muito recente, muito pequena, mas temos procurado construí-lo com a sociedade civil, com os jornalistas, com os comunicadores, e principalmente para sair do nosso lugar de conforto e ir até os territórios. Saber realmente que experiência você [jornalista] tem. Não temos respostas exatas, mas acreditamos que começamos da maneira certa, que é compartilhando, trabalhando juntos, entendendo que o observatório não é para nós, é para toda a sociedade e principalmente para que a democracia volte a ser forte no Brasil”, disse Carvalho.

Pública participou de uma mesa sobre assédio judicial, na qual este colunista mencionou recentes casos brasileiros, como a abertura de 144 processos contra o jornalista João Paulo Cuenca e processos contra a escritora e advogada Saíle Bárbara Barreto e os jornalistas José Cristian Góes e Amaury Ribeiro Júnior. Falei também do processo aberto contra mim pelo ministro do STF Gilmar Mendes a propósito do livro Operação banqueiro, de 2014, explicado em detalhes pela Pública no ano passado. Desde o início de 2022, há uma petição em curso na CIDH aberta com apoio da RFK Human Rights, Media Defence e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Falei ainda sobre os processos movidos contra a Pública, o Congresso Em Foco e o ICL Notícias pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que levaram ao banimento de reportagens que relatavam denúncias feitas pela ex-mulher do parlamentar, Jullyene Lins.
Foto: Rubens Valente/Agência Pública
Eleições elevam preocupação com segurança dos jornalistas

O evento organizado em Washington levantou também preocupações em torno do ano que vem, quando mais de 80 países, incluindo o Brasil, vão promover eleições. “As eleições são pontos críticos, onde vemos todas as ameaças contínuas aos jornalistas serem ampliadas”, disse Irene Khan, relatora na ONU. Na semana passada, a Unesco divulgou um estudo sobre 89 eleições ocorridas em 70 países de janeiro de 2019 a junho de 2022. Foram documentados, nesses períodos eleitorais, 759 ataques individuais contra jornalistas, incluindo cinco assassinatos. Cerca de 42% dos ataques foram cometidos “por agentes da lei”.

O brasileiro Guilherme Canela, chefe do setor de Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas na Unesco, disse que os “líderes políticos, mas não apenas os líderes políticos, [também] os líderes religiosos, [e] as celebridades, têm o dever, na esfera pública, de deixar claro que jornalistas e o jornalismo são essenciais para nossas democracias”.

“Quando fazem o contrário, a primeira consequência, claro, é gerar desconfiança. E, quando se cria desconfiança no jornalismo, há consequências negativas sobre vários outros aspectos, incluindo o combate à desinformação, à forma como podemos realizar eleições justas e livres e assim por diante. Os nossos dados sugerem que, quando pesquisamos, por exemplo, sobre a violência contra os jornalistas que cobrem os protestos, o discurso público contra os jornalistas está a gerar de fato violência contra eles. Contra as mulheres jornalistas e as mulheres parlamentares. Começa como uma violência online, muitas vezes relacionada com este discurso público contra as mulheres jornalistas ou contra as mulheres parlamentares, neste caso. Nossos dados mostram que não fica apenas na esfera online, embora isso já seja muito ruim. Vai para o físico.”

No discurso de abertura do evento, Luis Almagro, secretário-geral da OEA, disse que “ações criminais contra jornalistas, o assassinato de jornalistas, são a mais ultrajante forma de censura”. “Perseguição, cadeia, tortura, tantos males que fazem parte da vida dessas pessoas com consequências para a democracia. Pessoas que moram no exílio por temer por suas vidas”, disse Almagro.

“Viver com medo não é uma opção”

Pedro Vaca, relator especial para a Liberdade de Expressão da CIDH da OEA, observou que havia um contraste no evento: “jornalistas e familiares de jornalistas que buscam justiça e cessação da impunidade”, ao mesmo tempo que “é surpreendente ver como há sistemas judiciais extremamente rápidos na hora de processar jornalistas”.

Vaca ressaltou que hoje há no mundo pessoas exercendo a liberdade de expressão em função do interesse público “em prisão ou perto de serem presas, em um ambiente tão tenso que implica saírem do lugar em que estão”.

“Isso leva a uma reflexão, mais do que sobre o Poder Judiciário, [também] sobre sociedade, estado de direito e liberdade de expressão. Eu tendo a crer que há uma espécie de traição da liderança política com a própria democracia. A liderança política chega ao poder e depois ocupa e zela pelo seu próprio espaço do qual participa, mas não deixa que outros atores que pensam diferente falem ou exerçam esse direito. E assim, aos poucos, as pessoas chegam ao poder para negar direitos a outras pessoas, incluindo os jornalistas.”

Jorge Sánchez, o filho do jornalista Cerezo, assassinado no México, disse que a partir de fevereiro de 2014, quando foi morto a tiros o jornalista Gregorio Jiménez de La Cruz, no mesmo estado mexicano de Veracruz, o seu pai era indagado se também não tinha medo de morrer. “Meu pai respondia: ‘Se nós ficarmos calados, as coisas não vão mudar. Se não fizermos nada, a coisa seguirá igual. Viver com medo não é uma opção’.”

Rubens Valente 
rubensvalente@apublica.org

Colunista da Agência Pública

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