A alta temperatura da disputa não se traduziu em um confronto de várias, boas e novas ideias
Mais de 156 milhões de brasileiros vão depositar seus votos nas urnas no domingo, nas eleições mais caras e mais polarizadas desde a redemocratização - segundo as pesquisas, escolherão sobretudo entre duas opções conhecidas: o atual presidente, Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pêndulo da história se deslocou de volta para o candidato do Partido dos Trabalhadores, legenda derrotada amplamente em 2018, com sua rejeição capitaneada por um longevo e medíocre deputado de extrema-direita e defensor da ditadura militar. As pesquisas indicam que Lula poderá ser eleito no primeiro turno.
A apuração dos votos, tranquila em outros pleitos, é agora motivo de grande preocupação. Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro deu muitas mostras de aversão à democracia, disse que as urnas eletrônicas não são confiáveis e que não aceitaria pacificamente uma derrota. Em campanha para permanecer no poder, Bolsonaro convocou para sua cruzada contra as urnas o ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, que ensaia promover apuração paralela dos votos feita por militares.
Dirigido por Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão, o PL, ao qual Bolsonaro se filiou, contratou a auditoria do Instituto Voto Legal, sem expertise no assunto, para se pronunciar sobre a segurança das urnas. O veredito veio à luz em duas páginas apócrifas, apontando supostas falhas na atuação do TSE, “vulnerabilidades relevantes nas urnas” e brechas para manipulação dos resultados porque “somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE controla todo o código fonte dos programas da urna eletrônica e dos sistemas eleitorais”. O presidente cria um ambiente propício ao tumulto no dia das eleições.
O favoritismo de Lula, após os grandes escândalos de corrupção envolvendo o PT - nunca de fato assumidos pelo candidato - e de uma das mais longas e destrutivas recessões iniciada no governo de Dilma Rousseff, mostra que o sistema político não está sendo capaz de produzir novas lideranças. A tentativa de erguer uma terceira via ao final produziu a candidatura da novata Simone Tebet (MDB) e de Ciro Gomes (PDT), já em sua quarta disputa presidencial - ambos não chegam perto de dois dígitos nas pesquisas. A clara ameaça à democracia representada por Bolsonaro leva significativas parcelas do eleitorado não petista a escolher o candidato em melhores condições de derrotá-lo, e Lula reúne esta condição.
A polarização entre Lula e Bolsonaro destruiu pelo caminho o que já era frágil. Em crise, o PSDB, que dividiu com o PT o favoritismo eleitoral por 28 anos, sequer conseguiu escolher um candidato, pela primeira vez desde sua fundação, em 1988. Os principais partidos do Centrão se aglutinaram em torno da candidatura de Bolsonaro, que foi incompetente para construir um partido próprio. O partido que Bolsonaro tornou o mais votado para o Legislativo em 2018, o PSL, fundiu-se com um DEM em retrocesso, para criar o União Brasil, outra aglomeração sem princípios.
A inapetência para o jogo partidário e a ameaça de impeachment levaram Bolsonaro a terceirizar seu governo para o Centrão. Com isso, o Legislativo alcançou poder inédito sobre o orçamento e aprovou um fundo eleitoral recorde de R$ 4,9 bilhões, além do fundo partidário de R$ 1,1 bilhão. Vastos recursos foram concentrados nas cúpulas dos partidos, que apostaram mais no continuísmo de parlamentares em exercício do que em novatos. Dessa forma, a Câmara terá a menor taxa de renovação em muito tempo.
Os debates e a campanha eleitorais foram superficiais em conteúdo programático e indicação de rumos. Sabe-se quase nada sobre o que Lula pretende fazer se voltar ao Planalto além do que tem falado - e ele tem falado pouco. O PT mantém seu viés estatista e intervencionista intocado, mas Lula é pragmático. Na economia, conseguiu realizar seu primeiro mandato com austeridade fiscal plena e inesperada, um segundo com início de gastança que prosseguiu com Dilma até o desastre econômico, e não se sabe o que pretende em seu terceiro. Bolsonaro traz mais do mesmo: retórica que começou liberal, medidas populistas perto da eleição e um presidente corporativista apoiado no que há de mais atrasado no Congresso. Sua base de apoio também compôs as de Lula e Dilma.
A alta temperatura da disputa não se traduziu em um confronto de várias, boas e novas ideias para resolver os muitos e conhecidos problemas de um país que perdeu há tempos a capacidade de crescer.
Valor Econômico