Parcela do orçamento comprometida com dívidas drena recursos do consumo e prejudica demanda
É preocupante o nível de endividamento das famílias brasileiras. Em julho, 53,1% delas tinham dívidas, maior patamar na série histórica iniciada em 2005. Mais grave ainda, a proporção do orçamento familiar comprometida com pagamento das parcelas dessas dívidas não para de subir desde 2020 e também alcançou o recorde de 28,6%, segundo dados divulgados pelo Banco Central. A principal consequência é a redução do poder de consumo, com impacto na demanda e no crescimento (o consumo das famílias equivale a 70% do PIB). Outra consequência é a inadimplência, que já atingiu 5,6% no caso das pessoas físicas, nível que supera o anterior à pandemia.
As razões para o crescimento das dívidas são evidentes: a crise da pandemia, que prejudicou a renda, e a alta nos juros para combater a inflação. Depois da queda que começou em 2017 e perdurou até o atual ciclo inflacionário, as taxas de empréstimos ao consumidor já recuperaram os níveis de 2017 e, no caso do cheque especial ou do cartão de crédito, estão entre as maiores do mundo. Apesar de a situação recomendar prudência, a procura por crédito continua em alta (já subiu 25,4% neste ano), incentivada em parte por políticas populistas do governo Jair Bolsonaro para oferecer benefícios em ano eleitoral.
A medida mais absurda foi sem dúvida a permissão para que beneficiários do Auxílio Brasil — programa cujo objetivo é garantir a subsistência de famílias em situação precária — contraiam empréstimos por meio do crédito consignado. Além disso, o governo elevou de 35% para 40% o percentual da renda que pode ser comprometido nessa modalidade de empréstimo a empregados com carteira assinada, servidores públicos, pensionistas e militares.
Um levantamento da Serasa Experian divulgado em julho constatou que nunca houve tantos brasileiros com dívidas atrasadas desde 2016: 67 milhões, ou 31% da população. Só em 2022, 4 milhões ficaram com o nome sujo no mercado em razão de atrasos nos pagamentos. Destacam-se entre os inadimplentes os idosos, que cresceram de 10,6 milhões para 11,5 milhões, segundo a Serasa.
Propostas populistas para resolver o problema não têm faltado no discurso dos candidatos à Presidência. É o caso de Ciro Gomes, que promete perdoar dívidas, como se isso não tivesse como consequência inevitável aumento ainda maior nos juros que bancos cobrarão para emprestar — e um terremoto no mercado de crédito, essencial para o funcionamento da economia. O líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, tem falado em obter uma “licença para gastar” para aumentar o salário mínimo acima da inflação (e também distribuir reajustes em massa ao funcionalismo). São receitas certeiras para a quebra da confiança fiscal e para haver mais dificuldade em elevar o crescimento, o nível de emprego e, portanto, em reduzir o nível de endividamento.
O Globo