Publicado em 8 de janeiro de 2022 por Tribuna da Internet
Augusto Tomazini
Vou contar um final de ano guarani, em plena cidade de São Paulo, a metrópole que abarca praticamente tudo, é um monstro de muitas cabeças e um ventre pujante, eternamente fértil. O barulho dos motores e das buzinas traz um som constante, dia e noite… uma fumaça eterna sombreia o horizonte… hoje está nublado e frio; os paulistanos saíram, salvo raríssimas exceções, agasalhados; os mendigos não largam os seus cobertores, após acordar andam cobertos com eles.
Curiosamente ainda existem aldeias indígenas na cidade. Estive na comunidade Jaraguá, perto do pico de mesmo nome; nela cerca de seiscentos índios estão confinados em menos de dois hectares, ao lado de uma estação ecológica. Apesar do artesanato e empregos na cidade, acabam dependendo da ajuda de governos, ONGs, religiosos e ambientalistas.
CASA DE REZA – Haveria uma cerimônia de ano novo guarani. Cheguei na aldeia Jaraguá e procurei a casa de reza, a Opy, mas antes de chegar lá me deparei com um galpão imenso e bem construído onde se realizava uma cerimônia estranha aos costumes da tribo.
Várias pessoas indígenas e não indígenas, sentadas em cadeiras assistiam à um ritual, em que um indígena declamava, na língua guarani, frases num tom sofrido. Parecia uma cerimônia evangélica, mas na língua guarani. A seguir, um não-indígena tomou a palavra e passou a falar em português; assim, tive certeza que era uma cerimônia cristã.
Saí do galpão assustado com essa invasão cultural, que chegava ao mais medonho colonialismo. Mas logo a seguir, lá estava a casa de reza Opy. Foi um alívio! Me mandaram esperar. Somente um pouco…
MAIS CRISTIANISMO – Ali dentro, outro universo. Uma cerimônia alegre, repleta de música e canções na língua guarani celebrava o ano novo.
Mas por certo, vale registrar que a humildade daquela casa de barro, a Opy, possuía muito mais da essência do cristianismo do que aquele grande galpão em que se realizava a cerimônia evangélica em plena aldeia.
Aqui no Brasil, criamos muitos cultos sincréticos, nesta terra já existia uma forte base indígena, depois houve a contribuição de africanos e europeus. As religiões brasileiras são exuberantes na felicidade e … na dor.
VITÓRIA E DERROTA – Em uma breve pesquisa na rede mundial de computadores pode-se ver que ainda persistem denúncias do Ministério Público contra o descaso dos governos federal, estadual e municipal, quanto aos cuidados e a assistência que precisam ser garantidos aos habitantes da Reserva Indígena Jaraguá, os verdadeiros donos da terra.
Em 2015, no governo Dilma Rousseff, a Portaria 581 do Ministério da Justiça passou de 1,7 hectare para 532 hectares a reserva Jaraguá. A vitória, porém, não perdurou. No governo Michel Temer, o próprio Ministério da Justiça derrubou a decisão, substituindo-a por outra Portaria: a 683/2017, que reduziu o território de 532 hectares para apenas 3 hectares, sem que houvesse apresentação de estudos técnicos e sem consulta prévia à comunidade do Jaraguá.
Agora já é ano novo e hoje começou a esquentar.