Com o fim do terceiro ano de governo, já é possível fazer um balanço amplo do que foi a gestão Bolsonaro. O que se destaca é quão pouco o governo realizou, a despeito do furacão de controvérsias.
Por Pablo Ortellado (foto)
O governo Bolsonaro foi eleito com um discurso antiestablishment e, para ser fiel, parece ter se empenhado em construir uma relação ruim com o Congresso.
Foi o governo que mais enviou medidas provisórias desde Lula e também o que menos as aprovou. Em 2021, de todas as medidas provisórias enviadas, apenas 42% foram aprovadas (para fins de comparação, a taxa de aprovação no governo Lula foi de 94%). Bolsonaro também foi o presidente que menos emplacou projetos de lei. Levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro da Uerj mostra que é o governante que menos aprovou projetos enviados ao Legislativo desde a redemocratização.
A pauta de costumes, tão cara à mobilização militante, foi especialmente prejudicada — do pouco que foi aprovado, quase tudo foi na área econômica. Projetos relevantes, como os marcos regulatórios do gás e do saneamento, foram construídos em colaboração com o Congresso, e a reforma da Previdência e o Auxílio Emergencial foram fruto mais da ação do Congresso que do governo.
A má relação com o Congresso começou a mudar com a presidência de Arthur Lira e a adoção do vergonhoso expediente das emendas de relator, o orçamento secreto. A compra de apoio do Congresso enterrou a ameaça do impeachment, mas não melhorou muito a capacidade do governo de impor uma agenda legislativa. Além disso, deixou uma conta salgada, que a população está pagando.
Onde Bolsonaro parece ter deixado suas marcas, ainda que de forma puramente negativa, é naquelas instituições sob sua administração direta. Lá, o presidente parece ter adotado a máxima de Maquiavel na “História de Florença” de que, se não pode controlar uma cidade, é melhor destruí-la.
Na educação, na ciência, na cultura e no meio ambiente, áreas que a retórica militante de Bolsonaro acusa de serem dominadas por comunistas, houve cortes generalizados de recursos. Como ele parece incapaz de submeter o corpo técnico a suas alucinações ideológicas, optou por sufocar pelo orçamento as instituições.
No Enem, o governo tentou controlar as questões e submetê-las a censura prévia, gerando exonerações do corpo técnico. No CNPq, tenta relaxar as regras de avaliação da pós-graduação, gerando exonerações e cartas de protesto dos coordenadores. Na Fundação Palmares, retira simbologia africana do logotipo e censura obras da biblioteca — o presidente da fundação terminou afastado da gestão de pessoas por assediar moralmente os funcionários.
Como os esforços de controle têm impacto limitado, Bolsonaro tenta asfixiar o que subsiste. Para a educação básica, houve redução de 13% nos recursos em 2021, e as universidades federais seguem sofrendo cortes sucessivos no orçamento discricionário desde 2019. No CNPq, que financia a pesquisa científica, o orçamento de 2021 foi o mais baixo em 21 anos — em valores corrigidos pela inflação, é hoje metade do que foi em 2000. Na cultura, o orçamento do setor em 2021 foi o menor em dez anos, tendo sido reduzido praticamente à metade do que era em 2011. No meio ambiente também, a despeito da crise de queimadas e desmatamento, o orçamento foi o mais baixo em 21 anos.
O governo Bolsonaro tem uma retórica inflamada e às vezes revolucionária, mas, no período em que esteve no poder, trouxe pouquíssimas mudanças. O que fez de mais relevante é a destruição de instituições — legado perverso que deixará a quem assumir em 2023.
O Globo