Publicado em 13 de maio de 2021 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
O depoimento do almirante Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa, foi simplesmente arrasador para credibilidade do governo Bolsonaro, sobretudo na medida em que revelou a reunião realizada no Palácio do Planalto quando se cogitou editar um decreto alterando a bula da cloroquina, estendendo os seus efeitos para o combate ao coronavírus e à Covid 19.
Reportagens de André Sousa e Julia Lindner, no O Globo, e de Julia Chaib e Renato Machado, na Folha de São Paulo, destacam o depoimento do almirante que mostrou ao país um lado pleno de incompetência do governo Bolsonaro, pois não é possível cogitar-se alterar uma bula de qualquer medicamento sem dois estágios: primeiro o de que a bonificação terá que ser sempre homologada através de uma análise rigorosamente técnica.
VIOLAÇÃO – Segundo, alterar a bula de um medicamento viola o direito de propriedade que o laboratório possui sobre o produto que comercializa. A iniciativa nesse sentido, confirmou Barra Torres, significa um absurdo completo. Ele opinou contra o decreto e com isso revelou o seu distanciamento do governo.
Ele tem mandato na Anvisa e legalmente não pode ser exonerado. Mas agora, na minha opinião, ninguém pode exercer nenhum cargo importante na administração pública se não tiver a confiança do chefe do Executivo. A bomba que Barra Torres explodiu demonstra que o país se encontra em um desgoverno.
BLINDAGEM – Se Bolsonaro demitir Barra Torres estará formalizando um atestado público de que só tem compromisso consigo mesmo e com o seu projeto de reeleição nas urnas de 2022. Se ele não pressionar Barra Torres sofrerá um enfraquecimento bastante sensível. Especialmente junto aos seus adeptos da direita política que se julgam e julgam o presidente blindado contra a verdade.
A verdade termina sempre se impondo e a mentira, mesmo repetida cem vezes, não prevalece. Os exemplos históricos são muitos, inclusive no Brasil. Vejam o caso de Jânio Quadros em 1961 quando renunciou à Presidência da República e abriu uma crise institucional no país cujos efeitos se prolongam até hoje, um deles a vitória de Bolsonaro nas urnas de 2018. O presidente até hoje não realizou os projetos que anunciou na campanha. O presidente esqueceu o candidato.
APOSENTADORIAS – As aposentadorias dos funcionários públicos, dos servidores das empresas estatais e dos empregados da iniciativa privada são efetivamente seguros sociais, cujas apólices vencem ao completarem trinta e cinco anos de serviço para os homens e trinta anos de serviço para as mulheres, quando então podem resgatar as contribuições que fizeram sobre os seus salários, através do tempo exigido para conquistarem o direito de se aposentar.
Por isso, afirmo, que a portaria do ministro Paulo Guedes, separando os vencimentos de um emprego e adicionando os salários de novas colocações está perfeitamente dentro da lei, do espírito da Constituição, do bom senso e da realidade.
Se uma pessoa se aposentou em um emprego e continua exercendo outra ocupação não pode estar sujeita a um único teto baseado em 90% dos vencimentos dos ministros do STF. São duas situações distintas, não podendo ser singularidades numa só perspectiva.
APLICAÇÃO DA NORMA – O governo Bolsonaro não compreendeu até hoje que se ele nomeia um general da reserva para ministro de Estado, o general tem pleno direito a receber o seu soldo acrescido da remuneração estabelecida para o exercício do novo cargo. Essa norma logicamente tem que se aplicar a todas as situações funcionais, porque é legítima. As pessoas pagam por sua aposentadoria, contribuem para a seguridade social e para o INSS. A permanência de quem se aposentou no mercado de trabalho é altamente rentável para o Tesouro Nacional e também para o INSS.
Por que isso? O aposentado que continua trabalhando investido em outro emprego contribui, no caso do funcionalismo público, para a seguridade social. No caso dos servidores das empresas estatais, a exemplo de Petrobras e Furnas, por exemplo, continuam contribuindo para o INSS. Estou expondo duas contribuições e acrescento que tanto a aposentadoria do funcionário público, quanto a aposentadoria dos que são regidos pela CLT, não se altera. Portanto a contribuição arrecadada capitaliza diretamente o Tesouro nacional e no caso da CLT, capitaliza o próprio INSS.
Em simples palavras: a receita decorrente da sequência de contribuições não muda o valor da aposentadoria no serviço público. E não muda o valor da aposentadoria paga pelo INSS. Não muda também o desembolso dos fundos de aposentadoria complementar e de pensão que continuam da mesma forma que o INSS, recolhendo as contribuições dos empregados.
RECEITA DA SEGURIDADE – Os leitores devem ter percebido um aspecto bastante sensível da questão. O aposentado que permanece trabalhando amplia a receita da seguridade e do INSS sem causar aumento algum de despesas a essas duas fontes. Parece incrível, mas os burocratas, especialmente do INSS, não conseguem entender essa realidade. Também não entendem os técnicos formados em universidades como Harvard, Stanford, Chicago e Oxford.
Essa turma é insensível à importância de se valorizar o trabalho humano. Só pensam em cortar despesas e favorecer o sistema empresarial. Para eles, os funcionários e empregados não importam em seus cálculos.
Focalizei o assunto porque a portaria de Paulo Guedes aumenta os vencimentos do presidente da República, do vice-presidente Hamilton Mourão e dele próprio, Paulo Guedes. Mas isso não tem nada a ver com a essência legítima do direito. Se alguém contribuiu para sua apólice social, tem pleno direito de ser atendido pelos efeitos dessa contribuição.
PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS – Manoel Ventura no O Globo e Danielle Brant e Thiago Resende na Folha de São Paulo, destacam com nitidez um dos problemas essenciais da privatização da Eletrobras, projeto defendido pelo ministro Paulo Guedes e por setores, é claro, da iniciativa privada, entre eles o da State Grid, nome em inglês da gigantesca empresa chinesa. Empresa que construiu a maior hidrelétrica do mundo, a de Três Gargantas, ultrapassando a de Itaipu.
Gargantas aguarda o projeto do governo Bolsonaro de privatizar a Eletrobras. A questão é complexa e envolve ativos de valor extraordinário. O ministro Paulo Guedes, por diversas vezes, se referiu a tal ideia fixando seu preço em R$ 16 bilhões. A meu ver, uma brincadeira de mau gosto. Como pode a Eletrobras valer R$ 16 bilhões, se ela abrange Furnas, Chesf, Eletrosul, Eletronorte e a rede de transmissão que Furnas aciona distribuindo a energia proveniente de Itaipu.
OFERTA PELA OI – R$ 16 bilhões é a oferta feita pela Claro, pela Tim e pela Vivo para aquisição da OI, antiga telecom que se encontra com graves problemas financeiros. Se a Oi vale R $16 bilhões, quanto valerá a Eletrobras?
Nicola Pamplona, Folha de São Paulo, assinala que o preço da energia elétrica continuará subindo ao longo de todo o ano de 2021. O governo Bolsonaro deve estar contando com essa energia suplementar para as urnas de 2022. Por falar em 2022, o ex-governador Ciro Gomes anunciou ontem sua candidatura pelo PDT, colocando-se como terceira opção entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva.
Não acredito. Se Ciro Gomes sem apoio de Lula não conseguiu candidatar-se em 2018 com Lula apoiando Fernanda Haddad, muito menos poderá obter espaço no eleitorado contrário ao governo com Lula pedindo votos para si próprio.