Publicado em 11 de maio de 2021 por Tribuna da Internet
Deu no Estadão
Equilibrar dois pratos, como um malabarista de rua, é o novo desafio do Banco Central (BC), empenhado em frear a inflação e ao mesmo tempo manter algum estímulo a uma economia em lenta retomada. Para conter os preços, aliviar os consumidores e impedir um desarranjo maior nos negócios, a taxa básica de juros foi aumentada para 3,50%, e uma nova alta – provavelmente para 4,25% – está agendada para dentro de um mês e meio.
O aperto é necessário, mas deve ser moderado, segundo a estratégia do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. As novas decisões foram anunciadas depois da última reunião, encerrada na quarta-feira passada.
INFLAÇÃO TEMPORÁRIA? – Malabarismo é também uma das marcas da comunicação do Copom. A inflação deste ano poderá bater no teto da meta (5,25%), segundo projeções correntes e reconhecidas pelo BC, mas o comitê mantém o diagnóstico formulado há meses. Continua qualificando os choques de preços como “temporários” e promete continuar “atento à sua evolução”. Temporários até quando?
A inflação brasileira, bem visível nas feiras, nos supermercados e em boa parte do varejo, está associada às condições do comércio global, segundo a nota do Copom. “Com exceção do petróleo”, assinala o comunicado, referindo-se ao período recente, “os preços internacionais de commodities continuaram em elevação, com impacto sobre as projeções de preços de alimentos e bens industriais.” Além disso, o aumento da bandeira tarifária de energia elétrica “deve manter a inflação pressionada no curto prazo”.
INFLUÊNCIA DO DÓLAR – Todos esses fatores são conhecidos, mas também conhecida é a influência do dólar nos preços internos. O dólar poderia estar cotado a R$ 4,50 ou R$ 4,60, segundo analistas do mercado, porque o Brasil é superavitário no comércio exterior, seu balanço de pagamentos é administrável e o País dispõe de reservas mais que suficientes para liquidar a dívida externa. Mas cotações iguais ou superiores a R$ 5,40, às vezes em torno de R$ 5,60, têm sido frequentes.
Nenhuma palavra sobre o câmbio e seus efeitos inflacionários aparece no comunicado emitido depois da reunião do Copom.
As causas mais visíveis da instabilidade cambial estão em Brasília e ninguém ignora esse fato. O País dispõe de reservas e as contas externas são administráveis, mas há muita incerteza sobre a evolução de fatores internos.
DESCONFIANÇA INTERNA – Há insegurança quanto à gestão das finanças federais, à evolução da dívida pública e às condições da vida política, sujeita a fortes tensões, ao destempero do presidente da República e a seus arroubos autoritários. Somam-se a essa ampla insegurança as barbaridades cometidas pelo governo em sua política ambiental.
Todos esses fatores prejudicam o ingresso de investimentos estrangeiros, a manutenção de recursos externos no Brasil e até, segundo se estima no mercado, a internação de dólares faturados por exportadores e mantidos no exterior.
Mas o pessoal do Copom, ao redigir a nota sobre sua reunião, conseguiu deixar de lado a instabilidade cambial. Terá ignorado essa questão também ao analisar a inflação e suas causas?
EVOLUÇÃO POSITIVA? – Igualmente estranha é a avaliação inicial da economia brasileira. A nota menciona uma “evolução mais positiva do que o esperado”, embora a segunda onda da pandemia, segundo se acrescenta, tenha superado a previsão. No primeiro trimestre, no entanto, a produção industrial foi 1% menor que nos três meses finais de 2020, segundo a última informação oficial. Os demais indicadores também apontam negócios fracos – um quadro explicável, em grande parte, pela suspensão das medidas de sustentação da economia.
Mas o Copom, formado por diretores do BC, pelo menos admite um detalhe menos brilhante: “prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia ainda permanece acima da usual”. Em seguida aparece uma compensação: esse quadro “aos poucos deve ir retornando à normalidade”.
Mas a “normalidade”, é justo lembrar, tem sido caracterizada a partir de 2019 por uma política econômica sem rumo claro e por muita insegurança quanto às possibilidades da produção e do emprego.