Carlos Newton
Em maio de 2019, ainda no início da gestão de Jair Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli, que presidia o Supremo, propôs um “pacto de governabilidade” ao novo presidente da República e aos dirigentes do Congresso, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Os três se entusiasmaram pela ideia e toparam, porque o entendimento na verdade era apenas um “pacto pela impunidade” dos envolvidos em atos de corrupção, para beneficiar políticos, empresários e até os filhos do presidente da República.
Cada um dos Poderes fez a sua parte. Enquanto durou, esse pacto foi decisivo para o esvaziamento da Lava Jato, apesar do empenho da força-tarefa, já prejudicada pela demissão do juiz Sérgio Moro para assumir o Ministério da Justiça e aprovar suas leis contra a criminalidade.
PACTO PELA IMPUNIDADE – No segundo semestre de 2019, com tudo dominado, o Congresso rejeitou o Pacote Anticrime do ministro Sérgio Moro, engavetou a redução do foro privilegiado e fez questão de criar a Lei do Abuso de Autoridade, para subjugar juízes, membros do Ministério Público e delegados da Lava Jato.
O presidente da República, ao contrário do que se esperava, não moveu uma palha para aprovar o Pacote Anticrime. Pelo contrário, deu repetidas declarações apoiando a “independência do Legislativo”, sem fazer a menor crítica à rejeição do projeto do ministro Moro.
Em 7 de novembro de 2019, o Supremo então consagrou o pacto, ao aprovar a prisão de réus criminais somente após trânsito em julgado na quarta instância, libertando imediatamente Lula da Silva e José Dirceu, entre muitos outros, e transformando o Brasil no único país da ONU que não autoriza prisão após segunda instância, uma vergonha internacional.
FIM DO PACTO – Qualquer pacto ilegal entre os Poderes tem curto prazo de validade, porque induz o presidente da República a usar a caneta para subordinar o Legislativo e o Judiciário, criando uma ditadura civil, nos moldes da existente na Venezuela.
Bolsonaro investiu alto e conseguiu dominar o Congresso, para manter o pacto e se blindar contra o impeachment. Mas esqueceu de combinar com o Supremo, que agora é presidido por Luiz Fux, um ministro linha dura e defensor da Lava Jato.
Como ensinou Sidarta Gautama (Buda), quase 500 anos antes de Cristo, tudo na vida é impermanente, as coisas mudam. E, de repente, Bolsonaro perdeu a maioria no Supremo, apesar de recentemente ter nomeado o ministro Nunes Marque, o fraudador de currículos.
MAIORIA CONTRA – Agora, a maioria do Supremo está contra Bolsonaro, conforme fica demonstrado pelas decisões de Ricardo Lewandowski, que está cercando pelos sete lados o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e o próprio Bolsonaro.
Outra boa sinalização veio do ministro Gilmar Mendes, que nesta terça-feira usou as redes sociais para fazer uma defesa da separação entre os Poderes.
“A harmonia institucional e o respeito à separação dos poderes são valores fundamentais da nossa República. Ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza e senso histórico: Ditadura nunca mais!”, escreveu Gilmar Mendes.
TRADUÇÃO SIMULTÂNEA – A posição de Lewandowski e Gilmar realmente indica que Bolsonaro não tem mais apoio da maioria do Supremo. E o ministro Dias Toffoli logo mudará de lado. Sobram a ministra Rosa Weber, que é meio lulista, o decano Marco Aurélio Mello, que é meio desligado, e o neoministro Nunes Marques, que é meio nada e não vale uma nota de três dólares.
Apertem os cintos, porque Bolsonaro logo vai perceber que, sem o apoio da maioria do Supremo, seu governo tem um encontro marcado com o fracasso, junto com os três filhos, o filósofo Olavo Carvalho e “tutti quanti”, como dizem os latinistas.
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P.S. – E la nave va, cada vez mais fellinianamente, com Alexandre de Moraes mandando prender deputado federal e tudo o mais. (C.N.)