José Carlos Werneck
Quem diria que o então ministro da Justiça do regime militar, Antônio da Gama e Silva, obedeceu estritamente à Constituição, em 1968, ao solicitar à Câmara dos Deputados autorização para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por proferir no início de setembro de 1968, como deputado, um discurso no Congresso Nacional em que convocava um boicote às comemorações do Dia da Independência do Brasil e solicitava às jovens brasileiras que não namorassem oficiais do Exército.
O deputado Daniel Silveira não é um Marcio Moreira Alves, jornalista político do Correio da Manhã. Longe disso. Também a atual Constituição Federal é outra.
DIZ A LEI: Art. 53 – “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
1º – Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
2º – Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
Nesta terça-feira, o ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, cumprindo o que diz a atual Constituição, ignorou essa etapa referente à prévia licença e mandou a Polícia Federal prender o deputado Daniel Silveira por ataques ao Supremo e incitação à desordem pública.
“COLCHA DE RETALHOS” – Talvez a Constituição então vigente em 1968, chamada de “Colcha de Retalhos” por ter sido muito emendada, estivesse mais adequada à doutrina de Montesquieu sobre a Teoria da Separação de Poderes.
Realmente, nessa parte a Lei Maior em vigor naquela época ainda não tinha sofrido emendas e obedecia o que previa a memorável Constituição de 1946, muitíssimo mais bem elaborada do que a atual.
Talvez seja hora de o Congresso Nacional, em nome da necessária harmonia dos Poderes rever o artigo 53 da Constituição Federal.
RUY E MACHADO – Diante do ocorrido, me lembrei da história contada pelo decano da Corte, ministro Celso de Mello, no último dia do julgamento da Ação Penal 470, que ficou conhecida como Processo do Mensalão, e de uma célebre frase de Ruy Barbosa.
Senador, Ruy Barbosa travou na sessão de 29 de dezembro de 1914 um debate com o colega Pinheiro Machado, que se insurgia contra uma decisão do STF. “Ruy interveio e definiu com precisão o poder da Suprema Corte em matéria constitucional”, disse o ministro Celso de Mello, citando o orador:
“Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”