Renato SouzaCorreio Braziliense
As divergências entre a Procuradoria-Geral da República e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato continuam a provocar controvérsias e opiniões contundentes. Sábado, ao participar de uma live promovida pelo Grupo Prerrogativas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, que determinou o compartilhamento dos dados das forças-tarefa da Lava-Jato, inclusive a de Curitiba, com a Procuradoria-Geral da República. Sem citar nomes, o ministro criticou os procuradores que resistem à medida, chamando-os de “chantagistas eméritos”.
“Por que tanto cuidado com este sigilo? Estas pessoas que se revelaram vazadores eméritos de notícias, de sigilos, agora estão zelando pelo sigilo dessas pessoas preocupadas com que o procurador-geral venha a vazar, que isto poderá chantagear políticos. E o que eles têm feito? Chantagistas eméritos usando agora o argumento naquela linha de ‘vou gritar pega ladrão’. Eu até disse a uma repórter que me procurou que essa gente está temendo qualquer correção, porque eles sabem o que fizeram no sábado à noite” — disse o ministro.
UNIDADE CENTRAL – A polêmica sobre a atuação da Lava-Jato está acirrada porque o Conselho Superior do Ministério Público Federal analisa proposta de criação de uma unidade central de combate à corrupção. A ideia é centralizar dados das investigações em curso e todo material ficar subordinado ao procurador-geral da República, Augusto Aras.
De acordo com dados do Ministério Público Federal (MPF), em seis anos, a operação registrou a devolução de mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Além disso, realizou 70 fases que resultaram em 500 pessoas acusadas, 52 sentenças e mais de 210 condenações em primeira instância. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, classificou de “preocupantes” as medidas propostas pela PGR.
Há menos de um ano no cargo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enfrenta uma das maiores crises que se abateu no Ministério Público Federal (MPF). A decisão de enviar ao MPF no Paraná uma procuradora para coletar dados da Lava-Jato foi o estopim para uma revolta nos estados e na sede da PGR, em Brasília.
“OBRA DIVINA” – Atualmente, está em andamento uma petição, que já foi assinada por 300 procuradores e pede a demissão do secretário-geral do MPF, Eitel Santiago, que tem um discurso claramente de apoio ao governo, e chegou a dizer que a eleição do presidente Jair Bolsonaro “foi obra divina”.
Ele também é um crítico da operação Lava-Jato e defende que, em alguns casos, ocorreram ações ilegais por parte dos procuradores. O documento será entregue ao procurador-geral, que tem até dia 31 de julho para tomar a decisão se remove ou não Eitel do cargo.
Dentro da PGR, a avaliação é de que a permanência de Eitel no cargo ficou insustentável. “Ele ficou aposentado por um tempo, e neste período se envolveu em campanhas, chegou a se filiar ao PSL e se envolver com agentes políticos. Isso é totalmente incoerente com as atividades e a missão do Ministério Público”, diz um dos membros de carreira do MPF, que prefere se manter no anonimato.
DECISÃO DO SUPREMO – Contrariado com as reações e barreiras impostas por procuradores da Lava-Jato para o compartilhamento de informações, Augusto Aras resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ter acesso aos dados. O pedido dele foi atendido por Toffoli. O magistrado determinou que as forças-tarefas da Lava-Jato no Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, repassem à Procuradoria-Geral da República (PGR) todos os dados colhidos durante a operação, que está em andamento desde 2014.
Na decisão, Toffoli determinou o acesso da PGR a “todas as bases da dados estruturados e não estruturados utilizadas e obtidas em suas investigações, por meio de sua remessa atual, e para dados pretéritos e futuros, à Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do Gabinete do Procurador-Geral da República”.
JUSTIFICATIVA – Para Toffoli, houve “transgressão” na conduta dos procuradores na capital do Paraná. “Reafirmo, portanto, à luz do quanto exposto, que os reclamados(procuradores) incorreram, neste primeiro exame, em evidente transgressão ao princípio constitucional da unidade do Ministério Público”, escreveu Toffoli em um trecho da decisão.
A advogada criminalista Hanna Gomes, especialista em direito penal, afirma que o compartilhamento de dados vem ocorrendo de forma ilegal, e aponta a falta de regulamentação deste tipo de intercâmbio de informações como problema.
“O compartilhamento de dados telemáticos, eletrônicos e virtuais ainda não é regulamentado em sua plenitude. O Marco Civil da Internet e Lei Geral de Proteção de Dados (que ainda não está em vigor) tentam regulamentar, sem sucesso, essa prática. Assim, as autoridades seguem trocando, requerendo e solicitando informações e conteúdos de dados sob o véu da investigação, sem se ocupar com a legalidade dessa prática”, diz.
HAVERÁ RECURSO – O MPF no Rio de Janeiro pretende recorrer da decisão. No entanto, em razão do recesso do Judiciário, o recurso só deve ser avaliado em agosto. Assim, mesmo que o Supremo revogue a decisão de Toffoli que concede acesso aos dados, eles já terão sido acessados pela PGR.
Defensores da Lava-Jato repudiaram os ataques à força-tarefa. “É o maior erro da história do Brasil querer acabar com a Lava-Jato. Essa operação conseguiu colocar a mão nos maiores corruptos do país, tanto da classe política quanto na classe empresarial. E quem se atrever a acabar com a Lava-Jato irá pagar um preço muito alto politicamente. E esse será um atentado ao combate à corrupção”, disse o deputado federal José Nelto (GO, do Podemos, partido presidido pelo senador Álvaro Dias (PR), alinhado ao ex-ministro Sergio Moro e aos procuradores da Lava-Jato.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O fato de Aras ter chegado a procurador-geral, sem estar na lista tríplice e nem ter disputado a eleição interna, também deve ser considerado uma “obra divina”, é claro. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O fato de Aras ter chegado a procurador-geral, sem estar na lista tríplice e nem ter disputado a eleição interna, também deve ser considerado uma “obra divina”, é claro. (C.N.)