André de Souza
O Globo
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O ministro da Justiça, André Mendonça, afirmou nesta sexta-feira, dia 3, que a Polícia Federal (PF), alvo de cobranças do presidente Jair Bolsonaro, tem autonomia e independência para fazer o seu trabalho, mas não soberania. Segundo ele, é suicídio jurídico-político qualquer presidente ou político tentar ingerir na PF, mas isso não impede a definição de um “delineamento macro”, ou seja, diretrizes mais gerais a serem seguidas.
Sergio Moro, antecessor de Mendonça no cargo, deixou o governo federal acusando Bolsonaro de interferir nos trabalhos da PF. Há inclusive um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar o caso.
SOBERANIA – “Essa independência e autonomia que a Polícia Federal tem não significa uma soberania de atuação. Eu, como ministro da Justiça, demando uma atuação efetiva da Polícia Federal. Eu cobro resultado, eu quero saber se estão fazendo operações, quais as dificuldades que eles estão tendo para ajudar a solucionar. Isso é natural. E seria, ao contrário, irresponsável se eu não fizesse isso como ministro da Justiça, ou se o presidente não cobrasse isso”, disse Mendonça em “live” do banco BTG Pactual.
O ministro ainda acrescentou : “O que a gente cobra? Persiga o crime sim, mas de modo imparcial, isento, sem perseguição ao grupo A ou ao grupo B, que tenha uma atuação responsável”. Mendonça elogiou Bolsonaro, dizendo que ele tem um perfil de combate ao crime. E afirmou: “É ilusório pensar que qualquer ministro, qualquer presidente, qualquer político tem poder de ingerência na Polícia Federal. Qualquer pessoa que vá fazer isso estará cometendo suicídio jurídico-político”.
DIVISÃO DO MINISTÉRIO – O ministro não rechaçou a ideia de dividir o ministério em dois, conforme era em 2018, durante o governo do ex-presidente Michel Temer, quando havia o Ministério da Justiça e o Ministério da Segurança Pública. Mas rejeitou fazer isso por agora. Bolsonaro voltou a fundir as duas pastas para entregá-la a Moro em 2019, mas depois cogitou dividi-la novamente.
Ao falar sobre o assunto, Mendonça criticou a gestão do antecessor na área da Segurança, afirmando que gastou pouco do dinheiro disponível. “Ao assumir o ministério, eu também me deparei com uma execução muito baixa do orçamento na área de Segurança pública. Eu assumi em 30 de abril, estamos fazendo dois meses, e uma execução na área de Segurança Pública inferior a 1% do orçamento. Ou seja, eu já tenho uma execução ínfima. Se eu me dedicar num ambiente de uma crise da covid a uma divisão de ministério, eu perdi o ano. Então, seria irresponsável fazê-lo agora, isso eu tenho muito claro, o que não significa que com um planejamento nós possamos fazê-lo trazendo melhores resultados”, disse Mendonça.
AVALIAÇÕES – Ele afirmou que está fazendo uma análise dos dois cenários para que Bolsonaro possa decidir se divide ou não o ministério. Serão avaliadas as vantagens e desvantagens de cada situação. O ministro disse ainda que não é apenas com o direito penal, ou seja, com processos criminais na Justiça, que será possível solucionar o problema da corrupção.
Segundo ele, há outros mecanismos importantes de “direito sancionador” fora da esfera penal, como a recuperação de recursos desviados. Também destacou que é preciso levar em conta questões históricas, culturais e educacionais.
IMPRENSA – Mendonça elogiou a imprensa, mas depois também criticou. “Espero que, dentro do que o presidente da República me confiou, que é o Ministério da Justiça e Segurança Pública hoje, eu possa estar contribuindo para esse processo de melhoria da nossa democracia. Acho que a imprensa tem um papel relevantíssimo nisso. Essa crise de credibilidade e de confiança não é só do cidadão em relação às instituições públicas, também o é em relação à imprensa. E a imprensa, eu penso também que temos que demandar dela esse salto de qualidade cada vez maior”, disse.
O presidente do Conselho de Administração do BTG Pactual, Nelson Jobim, que já foi ministro da Justiça, do STF, e da Defesa, fez um contraponto. Até então, as intervenções dele eram mais para elogiar Mendonça.
“É fundamental também ter presente que às vezes se fazem posições de repulsa à mídia. A mídia funciona dessa forma. E é fundamental num processo, digamos, plenário, nós temos sempre que ter alguém que seja um ferrinho de dentista, que fica furuncando o dente do sujeito para sentir dor. Isso faz parte do papel da construção do consenso, inclusive num momento de catarse, momento em que possamos esvaziar o nosso ódio. Porque, sem a catarse, não se chega ao fim e ao cabo à composição e à solução”, disse Jobim.