por Fernando Duarte
Foto: Lucas Arraz/ Bahia Notícias
A votação do Estatuto da Igualdade Racial na Câmara de Salvador evidenciou que o conceito de balbúrdia nas universidades precisa ser revisto pelo ministro Abraham Weintraub. Possivelmente, ele nunca acompanhou uma sessão de Legislativo tão de perto para reclamar do ambiente universitário. Porém, para a sorte da Casa do Povo soteropolitano, existem vozes razoáveis no processo, que impedem que o título de vergonha alheia seja compartilhado por todos os vereadores. Apenas alguns o merecem.
Havia um acordo de líderes para que a matéria fosse apreciada na sessão desta quarta-feira (29), com um entendimento para que emendas fossem aceitas. No entanto, a bancada evangélica apresentou uma nova emenda, de última hora, para que o Estatuto da Igualdade Racial se transformasse no estatuto da “igualdade religiosa”. Foi uma jogada, no mínimo, pouco cristã, pois ampliava o conceito de preconceito racial para outras religiões além das matrizes africanas. Não precisa ser a pessoa mais empática do mundo para admitir que as religiões de matrizes africanas são alvos mais frequentes de preconceito no Brasil do que outras fés, a exemplo dos constantes ataques a terreiros de candomblé e umbanda.
A tentativa da “bancada da Bíblia” acabou frustrada. Graças a Deus? Sim, é necessário criar limites a esse messianismo que pretende impor questões ideológicas – e, nesse caso, religiosas – a uma questão de reparação histórica, como é o texto em questão. Há algum tempo acompanhamos a discussão da matéria na Câmara, arrastada por anos a fio sem uma justificativa plausível. Agora, na iminência da aprovação, o estatuto passaria a tratar de igualdade religiosa, totalmente fora da ideia original da proposta. Como bem disse o vereador Moisés Rocha (PT), seria uma “desfiguração” do projeto.
Muitos vereadores tiveram falas ponderadas, a exemplo de Edvaldo Brito (PSD). O edil discutiu juridicamente a questão, mas também fez a diferenciação entre a intenção oculta de transformar o Estatuto da Igualdade Racial em “igualdade religiosa”. Quer fazer um estatuto para isso? À vontade. Não era esse o caso. Coube ao presidente do Legislativo, Geraldo Jr. (SD), ser sensato: depois de tantas idas e vindas, a não apreciação da matéria causaria a obstrução das votações na Casa. Isso obrigaria os vereadores a saírem do muro e assumirem se são favoráveis ou não ao projeto. É mais ou menos a lógica de ser ou não ser racista, porém não de maneira explícita.
Após muita discussão inútil, finalmente o município de Salvador, considerado a cidade mais negra fora da África, ganhou um Estatuto da Igualdade Racial. Diferente do que pregam aqueles que queriam colocar jabutis para tratar religiões cristãs da mesma forma com que aparecem religiões de matrizes africanas no estatuto, o texto final foi o “possível”. Mas ele é essencial para que busquemos reduzir o racismo inscrustrado na nossa sociedade. Ainda é pouco. Mas no contexto atual, foi uma vitória significativa do povo negro. Parabéns à Câmara e aos vereadores. Parabéns ao povo negro!
PS: Enquanto o circo pegava fogo, na TV CAM, o vereador Marcos Mendes (PSOL) achou que o Estatuto da Igualdade Racial merecia ficar em segundo plano. Passou alguns minutos falando do Dia do Geólogo, comemorado nesta quinta, para só então falar sobre a matéria em votação. Imagino o constrangimento da repórter em perguntar sobre o assunto do dia e ouvir aquela resposta aleatória.
Este texto integra o comentário desta quinta-feira (30) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para as rádios Excelsior, Irecê Líder FM, Clube FM e RB FM.
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