Carlos Chagas
Deputados e senadores que não viajaram ontem para seus estados mostravam-se arredios diante do anúncio feito na véspera pelo ministro Guido Mantega, de corte de 50 bilhões no orçamento aprovado para este ano. Mesmo sem confirmação oficial, a informação era de que 90% das emendas parlamentares não seriam honradas pelo governo. Será preciso confirmar a infausta previsão, mas, se for verdade, o Congresso dará o troco. Senão na votação do projeto de lei fixando em 545 reais o reajuste do salário mínimo, ao menos na seqüência de medidas provisórias e outras propostas de interesse do governo passado e do atual, em tramitação.
O clima não é de guerra, nem de guerrilha, mas faz supor uma “pax armada” entre o Legislativo e o Executivo. As ponderações feitas pela maioria dos parlamentares não poupavam a estratégia do ministro da Fazenda. Por que, por exemplo, proibir contratações, nomeações e concursos para o preenchimento de cargos na esfera do governo federal? Afinal, o país necessita de médicos, não para solucionar, mas para minorar as péssimas condições em que se encontra a saúde pública. Como paralisar obras de construção de postos de saúde, creches e pronto-socorros?
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Vale o mesmo para o ensino público.Faltam professores e o governo adia por pelo menos um ano a contratação até daqueles já aprovados em concurso? Isso sem falar em outra decisão conexa, de que em 2011 não haverá reajustes para o funcionalismo. Coisa igual anuncia-se para a segurança pública: nenhum acréscimo de policiais federais e correlatos civis e militares na esfera federal. O c rime organizado e desorganizado agradece.
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Acresce que nenhuma iniciativa foi ou será iniciada para limitar as nomeações, a maioria já feita, dos 40 mil funcionários DAS, quer dizer, nomeados sem concurso por critérios partidários para todos os ministérios, empresas públicas e sucedâneos.
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Cortes na publicidade oficial? Parece difícil. Aumento de impostos para os ganhos de capital? Nem pensar. Taxação maior nas especulações financeiras estrangeiras? De jeito nenhum. Só nesses ítens, já seriam economizados mais de 50 bilhões.�
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OPORTUNISTAS EM BRASÍLIA
Terça-feira estarão na capital federal, acampando no Congresso, os presidentes e dirigentes maiores das centrais sindicais. Tentarão convencer deputados e senadores da importância de ser aprovada quantia superior aos 545 reais de reajuste de salário mínimo, propostos pelo governo Dilma. Haverá como rotulá-los de oportunistas? Nem que vaca tussa. Depois de longo silêncio, voltam a defender os interesses do trabalhador, mas como batem de frente com o governo, viraram “oportunistas” pela palavra de seu maior líder, o ex-presidente Lula.
Dificilmente conseguirão romper a barreira erigida pelos dirigentes do PMDB, do PT e de penduricalhos, ainda esperançosos de que se agradarem o palácio do Planalto, terão maiores chances de preencher os cargos ainda vagos no segundo escalão. Como em política surpresas sempre acontecem, quem sabe conseguirão sensibilizar parte das bancadas?
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BICUDOS QUE SE BEIJAM
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Quarta-feira, no plenário do Congresso, atenções, câmeras de televisão e flashes variados focalizavam o ex-presidente e senador Fernando Collor, logo depois de seu discurso em homenagem à memória do falecido senador Eliseu Resende. Porque a praxe, depois de cada pronunciamento, é o orador dirigir-se da tribuna até a mesa diretora dos trabalhos, cumprimentando seus integrantes. Só que quem presidia a sessão era o senador Itamar Franco, que desde a posse não havia cruzado com o colega de quem fora vice-presidente da República. Estavam rompidos desde a defenestração de Collor, não tendo sido poupadas centenas de acusações, diatribes e péssimas referências entre eles. Seria a primeira vez que se aproximariam.
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Fernando Collor cumpriu o ritual, apertou a mão de um por um dos membros da mesa e aproximou-se da figura principal. Itamar, sentado rigidamente não percebeu, ou fez que não percebeu a chegada do antigo desafeto. Collor não hesitou. De pé, curvou-se até o senador mineiro, passando uns bons trinta segundos cochichando em seu ouvido. Seguiram-se amplos sorrisos, um demorado aperto de mão e estava celebrado o armistício entre eles. Melhor assim…
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COISAS DA PROPORCIONALIDADE
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Os lugares nas mesas da Câmara e do Senado são preenchidos conforme o critério da proporcionalidade partidária. O partido que detém a maior bancada indica o presidente e em seguida vão sendo escolhidos os demais integrantes, estendendo-se essa mecânica até as comissões técnicas. Nesse caso, costumam ser indicados parlamentares mais afetos aos temas de cada comissão. Nos últimos quatro anos ocupou a presidência da Comissão de Constituição e Justiça do Senado o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, jurista e ex-promotor público, tendo desempenhado excepcional performance, responsável até pela sua reeleição para mais um mandato na Câmara Alta.
Pois agora, como a renovação das indicações, o presidente da CCJ é o recém-eleito senador Eunício Oliveira, do PMDB do Ceará. Advogado, encontra-se há muito afastado da profissão, empresário de sucesso que se tornou nos anos em que foi deputado federal. Convenhamos, o critério da proporcionalidade deverá retirar os holofotes da Comissão de Constituição e Justiça, mas como se repete em política, surpresas sempre podem acontecer.