Renato Casagrande
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de asseverar a competência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para normatizar a fidelidade partidária confirma que é possível ao Poder Judiciário, em visão própria, controlar o processo político, além do que dispõe a legislação. No entendimento da Suprema Corte são constitucionais as resoluções da Justiça Eleitoral que prevêem perda de mandato eletivo por infidelidade partidária, em caso de troca injustificada de legenda.
Alegado pelo ministro Ayres Britto, o Supremo entendeu assim para resolver o caso do deputado Walter Brito, pronunciamento que era esperado pela Mesa da Câmara dos Deputados. Isso implica dizer que, se o Congresso Nacional não legislar sobre questões político-partidárias, o Judiciário, se for provocado, o fará. As conseqüências dessa decisão para a vida política do país parecem ao mesmo tempo importantes e potencialmente desastrosas.
No primeiro aspecto, é perceptível que a decisão do Supremo enseja a mobilização do Legislativo para decidir sobre um problema de fundamental importância para a realidade institucional contemporânea do Brasil. Isso é bom, tendo em vista que necessitamos de um arranjo político-partidário que responda ao dilema colocado para o Legislativo de ser uma casa de leis, mas de, ao mesmo tempo, não legislar.
Num segundo momento, é importante reconhecer que a decisão do Supremo resulta da inação do Congresso Nacional, ou seja, reflete o fato de que a Casa vem adiando há tempos a discussão sobre quem detém o mandato, se o partido político ou o candidato.
O fato de não se manifestar sobre essas e outras questões indica que algo precisa ser modificado no Legislativo, já que ele é o fazedor de leis por dever constitucional. Quando o poder não cumpre aquilo para o qual foi originalmente criado, corre o risco de perder legitimidade como instituição. Deriva daí o argumento de que a decisão do STF tem um viés desastroso para a democracia.
O sistema de checks and balances funciona na base do controle do poder pelo próprio poder. Isso pressupõe que os poderes devam estar fortalecidos suficientemente para esse exercício.
Se o Legislativo não exercita suas funções de forma adequada, perderá a capacidade de se apresentar à sociedade como um poder apto a exercer a fiscalização dos demais poderes, outra de suas funções precípuas. O problema colocado acima é um chamamento às lideranças políticas para que assumam posições sobre temas socialmente relevantes, mesmo que, em algum momento, haja descontentamentos setoriais ou, no limite, interna corporis.
O tema da fidelidade partidária é um aspecto da reforma política em que aparece importante questão a ser resolvida. A fidelidade é uma forma de dar à prática política um mínimo de racionalidade e previsibilidade. É impossível que, ainda hoje, haja espaço na política praticada no Brasil para o clientelismo e o fisiologismo na relação entre parlamentares e destes com o governo.
A fidelidade partidária é, assim, garantia de que as negociações políticas ocorrerão com um mínimo de racionalidade, previsibilidade e aderência programática a um determinado programa de governo.
A falta de uma agenda para o Legislativo, indubitavelmente, está no contexto desse tubo legal por onde surfa, ainda que equilibrados nos seus preceitos constitucionais, os poderes Judiciário e Executivo. É hora, portanto, de discutirmos os limites dessas ações. Em boa hora vem a proposta do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, de criar uma comissão, conjunta com o Legislativo, para analisar as omissões legais necessárias à complementação da Carta Magna.
Se estivéssemos adiantados nesse debate, talvez pudéssemos evitar a confusão legislativa provocada pelo ato do presidente do Congresso Nacional, Garibaldi Alves (PMDB-RN), de devolver ao Executivo a Medida Provisória 446.
No início do ano que vem haverá eleição para as presidências de Câmara e Senado. Ambas terão a tarefa de consolidar a Casa como um locus de seriedade, transparência, previsibilidade e coerência política. Entre outros aspectos, é isso que se espera de um Legislativo forte e cônscio de seus deveres funcionais e institucionais. Caso contrário, ficará em segundo plano, como espaço de discussões dos grandes temas e das questões políticas e sociais do Brasil.
Líder do PSB no Senado
Fonte: Correio Braziliense (DF)
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