por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - De vez em quando é salutar deixar a primeira fila da sala de projeção e ocupar a última, lá atrás. Deixamos de perceber o detalhe da tela, tão necessário para quem se aventura a comentar o dia-a-dia político, em troca da tentativa de uma visão de conjunto, mais importante para quantos pretendem imaginar o fim do filme.
Algemas, fios elétricos, crise com o Paraguai, criação de uma nova Petrobrás para explorar petróleo no litoral, Quarta Frota da Marinha americana, disputas pelas presidências da Câmara e do Senado e tanta coisa a mais - tudo pode ficar momentaneamente de lado para prospectarmos o futuro. Para onde vamos, dentro dessas duas paralelas que, em vez de se encontrarem apenas no infinito, já estão se encostando e dando choque?
De um lado, o presidente Lula e sua inegável popularidade junto às massas e às elites, alguém que os beneficiados pelo bolsa-família e pelos banqueiros gostariam de ver perpetuado no poder.
De outro, porém, um país que se desmancha na corrupção, com as instituições em frangalhos, umas desrespeitando as outras e a sociedade aderindo cada vez mais à necessidade de satisfazer os interesses de cada grupo e de cada corporação. Falta ao país o amálgama imprescindível à nossa preservação como nação. Cada vez mais, tanto na geografia quanto na administração, sem esquecer a política, somos ilhas de egoísmo explícito. Senão de egoísmo, pelo menos de luta pela sobrevivência.
Pergunte alguém aos políticos, no Congresso, quais suas maiores preocupações. Com raras exceções, funcionam todas em função de interesses pessoais. Como reeleger-se, galgar novas posições de poder, influenciar os companheiros e até, em alguns casos, enriquecer.
Mas se a mesma questão for enviada aos detentores de cargos executivos, como ministros e altos funcionários estará ocupando a pole-position a necessidade de cada um destacar-se pela exposição pessoal, muito mais do que pela execução de programas e projetos.
No Judiciário não parece muito diferente. Cada tribunal superior pretende afirmar sua soberania, sem que as sentenças se relacionem com o bem-comum e a opinião pública, valores apenas teóricos.
No plano dos poderes da União, a mesma coisa. Cada governador fecha-se em seu pequeno mundo, dando de ombros para os problemas dos vizinhos e, muito menos, para o progresso comum. Dias atrás se reuniram em Teresina os governadores do Nordeste, mas saiu o quê, em termos de defesa da região? Nada. Absolutamente nada, todos pretendendo satisfazer necessidades locais e credenciar-se junto ao governo federal para obter seus favores sem cuidar das agruras ao lado. Vale o mesmo para os governadores do Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Falam línguas diferentes e ininteligíveis entre elas. Dos prefeitos nem haverá que falar, e não será por conta, apenas, das eleições municipais de outubro. Tem-se a impressão de estar na Grécia Antiga ou na Itália da Renascença, onde as cidades-estado até se guerreavam, e com o agravante da inexistência do inimigo comum. Para os prefeitos não há o Império Persa nem o Sacro Império.
Onde vamos parar deveria constituir-se em questão fundamental, porque o Brasil de hoje bate de frente com o Portugal dos tempos da Colônia. Naqueles idos nossos avozinhos pelo menos conseguiram construir e manter a unidade nacional. Hoje, desfaz-se como sorvete no sol o ideal comum.
E o tecido social, como anda? Pior ainda. Os empresários lutam entre eles, com a prevalência dos banqueiros e especuladores, que pouca ou nenhuma atenção concedem aos industriais e comerciantes que pelo menos criam empregos e produzem resultados. Mas quando se reúne o empresariado diante da força de trabalho, mais grave se torna a desagregação.
Uns querem tirar o máximo dos outros. Entre os trabalhadores, a mesma coisa. Os metalúrgicos do ABC, por exemplo, unidos corporativamente, nem querem saber da fraqueza e das agruras dos metalúrgicos do Nordeste. Eles que se organizem, ou melhor, que se danem.
Numa palavra, fica nebulosa a visão do conjunto, da última fila da sala de cinema. Não se enxerga a tela, sequer o auditório à nossa volta. Será que todo esse quadro tétrico conseguirá equilibrar-se apenas sobre a popularidade do Lula? Para cada vez mais gente, a solução será perpetuar o torneiro-mecânico no poder, fiados todos na possibilidade dele ir empurrado a crise final com a barriga.
Ledo engano, porque mesmo se ele vier a aceitar o terceiro mandato, não conseguirá o quarto, o quinto e o sexto. Nessa hora, não haverá tucano que dê jeito. Outra penosa entrará em campo como símbolo de uma nação que se desfaz: o avestruz, aquele quem enfia a cabeça na areia em meio à tempestade...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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