Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Qual a maior estrela do espetáculo de abertura das Olimpíadas em Pequim, sexta-feira? Antes que algum desavisado responda ter sido o inefável Galvão Bueno, vamos antecipar: foi à China. Não adiantaram as tentativas de sabotagem dos jogos, como forma de minimizar a assustadora presença daquele país nos corações e mentes de quatro bilhões de telespectadores que assistiram ao vivo a cerimônia inicial.
Porque se a China é uma ditadura a merecer críticas, nem haverá que duvidar. Regime de partido único, sem oposição, de imprensa censurada, com leis que mandam dissidentes para a cadeia, restrições aos direitos individuais e dezenas de nacionalidades sufocadas na composição de um mosaico geográfico disforme - tudo é negativo.
O problema é que a sabotagem e a tentativa de desacreditar a China não se faz por nada disso. Ninguém protestou quando, através de peculiar abertura para o capitalismo, os chineses deram de ganhar, ainda dão, e mais darão a quantas multinacionais especuladoras e governos do Ocidente se disponham a investir em seu território, aproveitando-se da mão-de-obra baratíssima, da ausência de legislação trabalhista e do bilhão e trezentos milhões de possíveis consumidores.
Desde os anos oitenta, quando tudo começou, a China não teve seu regime contestado. Deng Tsiau Ping decidiu que os chineses gostavam de ganhar dinheiro e todos concordaram. Só agora, às vésperas das Olimpíadas, perceberam os potentados do lado de cá do mundo estar o parceiro crescendo mais do que deveria.
Importava, assim, contestar o crescimento chinês em sua hora mais expressiva, as Olimpíadas. Daí surgirem estímulos a rebeliões no Tibet e em várias regiões onde se faz sentir o punho de chumbo de Pequim. Mobilizaram a mídia internacional e boa parte do espaço nos jornais e nas telinhas, utilizadas agora na exposição das contradições amarelas.
O que assusta os donos do poder ocidental é que o planeta possa unir as duas parcelas da equação: a China corre para ocupar a liderança mundial e é, apesar de todas as concessões, um país comunista. Estaria a doutrina de Marx ressuscitando, mesmo adaptada aos tempos modernos? Vão ter que decifrar esse enigma situado dentro de um mistério e envolto por vasta charada...
Não adianta ignorar
Ainda que realizada com cautela e dentro de verdadeira ordem unida, a reunião conjunta dos clubes Militar, da Aeronáutica e da Marinha, sexta-feira, no Rio, fez acender a luz amarela no semáforo localizado defronte ao Palácio do Planalto. Lá estavam ex-ministros, generais e coronéis da reserva, e até alguns do serviço ativo, todos demonstrando inconformismo diante da iniciativa do governo de rever a Lei de Anistia.
Do governo? Claro, porque Tarso Genro, responsável pela proposta, é ministro da Justiça do Brasil, não de Bangladesh ou do Burundi. São bobagem e sinal de fraqueza imaginar que tenha agido por conta própria, "como cidadão, jamais como integrante do governo". Se foi precipitado, reacendendo velhas brasas sem respaldo do presidente Lula, deve ser demitido. Lançou-se o polêmico desafio autorizado pelo chefe, pior ainda, porque sua atitude marca o início de um confronto que se presumia ultrapassado.
Houve tortura, durante o regime militar? Houve, por mais lastimável que seja a constatação. Do outro lado registrou-se atos de terrorismo, vandalismo, seqüestros e assaltos reunidos no denominador comum da luta armada. Claro que tortura promovida por agentes do poder público significa a inversão completa dos valores da Humanidade. Mas não ficam atrás as tentativas de mudança do regime por métodos violentos, em especial em se tratando do propósito de trocar uma ditadura por outra.
A fórmula encontrada pelos líderes da época, da transição negociada, equivaleu à democracia de Winston Churchill, ou seja, o pior dos regimes, "depois de todos os outros". Se verificada através do confronto, a volta do País à democracia teria gerado seqüelas de horror até hoje, provavelmente sem democracia.
Foi através da negociação que Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e outros puderam assentar as bases que nos transformaram numa democracia. Quer o que o ministro da Justiça? Revanchismo? Promover-se, credenciando-se para a próxima sucessão? Os militares deram o troco. Tomara que não haja réplica, porque a tréplica poderá ser bem diferente.
No País dos excessos
O Brasil parece mesmo o País dos excessos. Durante anos, com a Polícia Federal à frente, os órgãos de segurança exageraram no uso das algemas. Constrangeram gente que, embora acusada de cometer crimes, não oferecia o menor perigo à segurança de seus captores.
Pois agora vem o reverso da medalha, igualmente desproporcional: decidiu o Supremo Tribunal Federal pela nulidade das condenações feitas quando os réus eram julgados com algemas. Quer dizer, o maior monstro poderá beneficiar-se da alegação de que o júri foi influenciado pela imobilização do criminoso.
Aqui para nós, nem tanto nem tão pouco.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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