Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Errar, todo mundo erra. Choca, no entanto, assistir a um padre sem saber rezar o Padre Nosso. Ou a um médico diagnosticando doenças inexistentes. Até mesmo um jogador de futebol perdendo um pênalti.
Vamos aplicar o raciocínio a nós mesmos. Um jornalista não deveria errar na interpretação da Lei de Imprensa. Mas os jornalões andam cheios de erros ao divulgar a decisão do ministro Ayres de Brito, do Supremo Tribunal Federal, sustentando que S. Exa. "congelou", "suspendeu" a vigência de vinte artigos da lei celerada imposta pelo regime militar ao Congresso, em fevereiro de l967.
Porque suspensos e congelados já estavam esses artigos, desde a promulgação da Constituição de 1988. Esqueceram-se, muitos de nossos companheiros, do princípio fundamental de que a lei maior prevalece sobre a lei menor. A Constituição de 1988 resgatou a liberdade de opinião, proibindo qualquer espécie de censura e leis capazes de contrariar a plenitude da expressão jornalística.
A partir da Constituição hoje tão injustamente vilipendiada, estavam caducos os dispositivos de exceção, como os que puniam crimes de calúnia, difamação e injúria com pena de detenção, que permitiam ao ministro da Justiça fechar jornais e retirar do ar emissoras de rádio e televisão, sem responder pelos seus atos, que puniam o profissional de imprensa por indispor o povo contra as autoridades através de críticas, que impediam a prova da verdade contra os presidentes da República, da Câmara, do Senado e todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, em acusações de calúnia - e outros.
Em algumas oportunidades esses artigos foram aplicados, quase sempre por juízes de primeira instância, em municípios longínquos, do interior. Tratou-se de abuso de direito, quase sempre corrigido, mas aqui e ali aplicado criminosamente.
Mas a Lei de Imprensa já estava revogada em tudo o que se chocava com a Constituição. O que o ministro Ayres de Brito fez foi mandar rezar com vinte anos de atraso a missa de sétimo dia da parte defunta da Lei de Imprensa. Colocou no papel aquilo que pairava no ar, ou seja, a impossibilidade de aplicação dos referidos artigos ditatoriais.
É fascinante a discussão sobre se devemos ou não dispor de uma Lei de Imprensa. Argumentos existem de um lado e de outro, porque se um médico erra, esquecendo a tesoura na barriga do doente, ele será julgado e punido pelo Código Penal. Se um padeiro bota formicida em vez de farinha de trigo no pão, a mesma coisa. Não existem leis especiais para médicos e padeiros. Por que existirá para jornalistas?
No reverso da medalha, sustenta-se que se um jornalista, no botequim, chama um determinado ministro de ladrão, e se o ministro não for ladrão, quem terá tido conhecimento da calúnia? Os colegas de cerveja, apenas. Mas se um jornalista, pela televisão, rádio ou jornal, calunia um ministro, o mal praticado através dos meios de comunicação terá sido imensamente maior, merecendo uma lei especial para julgar e punir o caluniador.
Não haverá solução para esse choque de concepções, pelo menos nos próximos trezentos anos. Existem democracias que têm lei de imprensa, assim como ditaduras que não têm. Nossa tradição latina conduz pela existência desses dispositivos especiais. Aliás, a História revela dramática alternância entre leis de censura e leis de liberdade.
A primeira foi assinada pelo príncipe regente D. João, depois D. João VI, em 1808, proibindo o ingresso no Brasil dos "malévolos escritos sobre liberdade, igualdade e fraternidade" estampados pelo "Correio Braziliense".
Seguiram-se numerosos dispositivos, de um lado e de outro, até que os generais-presidentes entenderam, em 1967, serem os jornalistas os grandes culpados pela impopularidade do regime. Também, eram todos comunistas...
Em suma, essa lei cujo congelamento parcial agora se comemora já estava condenada há vinte anos. Um pouquinho mais de atenção não faria mal a ninguém.
Lições do Vietnã
O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, encontra-se no Vietnã, chefiando uma delegação de vinte empresários brasileiros empenhados em aumentar o volume de negócios com aquele país. Está, da mesma forma, preparando a viagem do presidente Lula a Hanói. Ótimo, será um passo a mais na política externa que vem dando certo, abrindo o Brasil a todas as nações do planeta.
Só que desta vez a diplomacia chegou atrasada. Faz quase um ano visitou o Vietnã uma comissão de coronéis do Estado-Maior do Exército, demorando-se em contatos com os militares de lá, em especial os que participaram da luta contra os americanos.
Fomos atrás de experiências, não referentes a guerras clássicas e ortodoxas, mas precisamente o contrário: como se desenvolveu a guerrilha, responsável pela mais surpreendente vitória de um pequeno povo contra o Leviatã do século? Que lições poderíamos aprender, só para o caso de repetir-se, aqui, o horror verificado lá?
Pelo jeito, nossos coronéis voltaram aptos a incrementar a doutrina de que guerreiros, em certas ocasiões, devem transformar-se em guerrilheiros. Afinal, quantos Vietnãs cabem na Amazônia?
Um passo em falso
Mil elogios merece o BNDES, por sua ação continuada em defesa da economia nacional, se bem que de vez em quando tenha escorregado, financiando multinacionais e grandes empresas estrangeiras interessadas em adquirir patrimônio público brasileiro. Mesmo assim, o saldo aparece extremamente positivo, desde os tempos em que o presidente Getúlio Vargas criou a instituição.
Por tudo isso não dá para entender como um diretor do BNDES vem defendendo a privatização da Infraero. Quer vender, certamente financiando com dinheiro público, todos os aeroportos do País. Entregá-los à iniciativa privada, supostamente melhor administradora do que o estado.
Eis a perspectiva de mais um crime de lesa-pátria. Porque o transporte aéreo, mesmo exercido pelo capital privado, constitui questão de segurança nacional. Colocar o lucro como fator principal do funcionamento dos aeroportos equivale a transformá-los em feira livre, mais até do que já são.
Os passageiros já sofrem o diabo no sistema atual, mas ficarão em pior situação caso deixados em mãos particulares. Tomara que o PT acorde e pressione o governo para jogar no lixo as propostas de mudança de donos dos aeroportos, cujas instalações correm o risco de virar barras de cereal...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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