Por Laila Abou Mahmoud 09/03/2008 às 18:04
Pororoca social Estudo da Unicamp revela que a mobilidade social no Brasil é para poucos Por Laila Abou Mahmoud
Um levantamento feito pelo professor Waldir José de Quadros, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, revela que está difícil mudar de classe social no Brasil. ?É o que os números mostram?, diz Quadros. Para chegar ao resultado, o pesquisador comparou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) desde 1980. Em entrevista, ele explica como reverter essa situação. ÉPOCA - Está mais fácil subir de classe social? Waldir José de Quadros - Não e a tendência é piorar. Desde 1981, a classe média vem sofrendo um encolhimento enquanto a população de pobres e miseráveis não pára de aumentar. Isso acontece porque o crescimento econômico não é permanente. Estima-se que o PIB chegará a 5% nesse ano, mas é um índice baixo. A China e a Coréia crescem a um ritmo de 12% ao ano. Aqui se fala em crescer metade disso, mas ninguém ouve falar de aumento da produção ou de geração de emprego. Para isso, a taxa de crescimento deveria ser de pelo menos 8% durante dez anos. É disso que depende a mobilidade social. ÉPOCA - Além da dificuldade de ascensão social, existem outras conseqüências? Quadros - Muitas das patologias sociais de hoje, como a criminalidade e a precarização do trabalho, podem ser explicadas pelo engessamento das estruturas de classe. Hoje para um jovem se manter no caminho do bem está cada vez mais difícil. Que estímulo ele tem? As famílias então rebaixam seus valores éticos, o que é uma enfermidade social muito grave. ÉPOCA - Existe uma dificuldade maior em determinadas regiões que em outras? Quadros - A situação é mais grave nas metrópoles, especialmente do centro-sul, onde há desemprego elevado e concorrência mais acirrada. Com a crise da indústria pesada, São Paulo tornou-se o pior lugar. ÉPOCA - E os ricos, ficaram mais pobres? Quadros - Nada disso. Nas pesquisas ao IBGE, que anualmente divulga a PNAD, os ricos não falam a verdade. Um entrevistador dificilmente tem acesso à casa de um milionário e a PNAD não é como o censo, em que o indivíduo é obrigado a receber o pesquisador. E mesmo que ele o receba, não vai declarar, por questões de segurança, entre outros, seu patrimônio. Nós costumamos brincar que o cadastro da Daslu é o melhor banco de dados dos ricos. ÉPOCA - Quais características garantem a mobilidade social? Quadros - Pensando na classe média, a qualificação e a retaguarda social. Mas isso leva a um profundo elitismo. E não é caminho do sucesso, porque há um monte de gente qualificada e desempregada. A questão é que um desqualificado não tem chance alguma. Meus alunos, se não conseguem um bom emprego, vão fazer mais um curso, um pós-doutorado, um MBA, vão viajar. Suas chances vão aumentando, e nesse sentido é elitista. Agora, esperar sem fazer nada também não adianta. ÉPOCA - Registro em carteira ajuda na mobilidade? Quadros - Nem sempre. Mas quem tem carteira assinada geralmente está melhor. ÉPOCA - Ser empreendedor interfere? Quadros - Depende. As chances de um empreendedor dar certo são as mesmas de se conseguir um bom emprego. ÉPOCA - E não há nenhum outro fator que possa influenciar nessa mobilidade social? Quadros - Negros e mulatos perdem na competição social. Há regiões mais dinâmicas que a metrópole, como Ribeirão Preto, onde a mobilidade é melhor. ÉPOCA - Quem poderia ser exemplo para o Brasil? Quadros - China e Coréia, que em 1980 estavam abaixo do Brasil e hoje estão na frente. Ainda que a China seja um país de miseráveis, com uma ditadura, ela está crescendo há muito tempo. É muito discutível dizer que o trabalhador chinês é pior que o brasileiro. Estamos marcando passo. ÉPOCA - Programas sociais não contribuem para a mobilidade? Quadros - Um grande programa de construção civil tiraria muito mais gente da miséria que qualquer programa social. ÉPOCA - O que é a ?pororoca social? de que o senhor fala? Quadros - É a movimentação de gente que quer subir de classe com gente que está caindo e outros que simplesmente só lutam para ficar onde estão. Quando se fala que a proporção das classes está declinando, é um fenômeno muito lento. Se de um ano para outro 5% da classe média passar para 4%, tem-se a impressão de que caiu apenas 1%. Mas têm gente entrando e gente saindo. Mesmo que fique o mesmo tamanho, você tem um fluxo. E a competição é terrível. Porque o jovem recém-formado, com pós-doutorado e especialização no exterior, topa trabalhar por R$ 3 mil e tira o emprego de um senhor experiente que ganha R$ 12 mil. E esse senhor que sai não arruma mais nenhum emprego. A pororoca é isso e não há indicador para isso.
URL:: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG77480-5856-471,00.html
Fonte: CMI Brasil
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