Publicado em 24 de janeiro de 2025 por Tribuna da Internet
Jamil Chade
do UOL
Carlos não sabe mais se algum dia entrará nos EUA. Ele saiu da Guatemala, há oito meses, e sabia que precisava desembarcar na fronteira entre o México e os EUA antes da posse do governo de Donald Trump se quisesse ter alguma chance de cruzar o Rio Grande. “Não deu tempo”, lamentou.
Carlos conseguiu chegar à cidade fronteiriça de Piedras Negras, no México, na semana passada. Mas não reuniu o dinheiro necessário para pagar os grupos controlados pelo crime organizado que, de forma clandestina, buscam caminhos perigosos entre os dois países para conduzir esses imigrantes.
MAIS MILITARES – Agora, ele assiste em silêncio à movimentação de militares ao outro lado do rio, na cidade americana de Eagle Pass. Instantes antes, Trump havia anunciado que uma das fronteiras mais militarizadas do mundo ganhará novas tropas. Além dos 2.500 homens já espalhados pelo local, outros 1.500 chegarão nos próximos dias. As ordens também determinaram que a fronteira sul seja “fechada”.
Trump, de fato, havia prometido em sua campanha eleitoral que esse era seu plano. Não houve, portanto, estelionato eleitoral.
MOSTRA DE FORÇA – Assim, antes mesmo de terminar sua primeira semana no poder, a fronteira foi instrumentalizada para que Trump pudesse mostrar força.
A partir de agora, refugiados terão mais dificuldades para fazer sua solicitação de asilo nos EUA, num gesto que preocupa até mesmo grupos civis americanos diante do que pode ser uma violação dos compromissos internacionais dos EUA. Na quarta-feira, centenas de refugiados que estavam prestes a embarcar em voos autorizados pelo governo americano foram informados que suas viagens estavam canceladas.
Os poucos metros entre o México e os EUA, para aqueles que estão tão perto, parecem ter ficado mais distantes. Carlos, numa bicicleta emprestada, mostrou o albergue onde foi acolhido, numa igreja do lado mexicano. Ali, o sentimento era de desânimo. “Não estão deixando ninguém mais passar. Não entra mais ninguém”, contou um salvadorenho, que pediu para não ter seu nome divulgado.
SEM AGENDAMENTOS – Um golpe duro para muitos estrangeiros foi o anúncio da anulação de seus agendamentos previstos com agentes americanos de imigração, já na própria segunda-feira.
Por meio de um aplicativo criado pelo governo de Joe Biden, esses imigrantes podiam pedir uma audiência para expor suas respectivas situações e, eventualmente, conseguir um visto ou um status de refugiado. Agora, eles não têm sequer com quem falar e o aplicativo saiu do ar.
Num esforço para mostrar lealdade a Trump, o governador do Texas, Greg Abbott, também já iniciou as obras para reforçar a fronteiras e colocar boias no meio do rio, na esperança de dificultar ainda mais a passagem dos estrangeiros. Ele conseguiu a aprovação de um orçamento de US$ 1,5 bilhão para ampliar ainda mais as barreiras.
VIOLAÇÃO DAS REGRAS – Oni K. Blair, diretor executivo da entidade de direitos cívicos ACLU do Texas, acusou o governador e seus aliados de agirem em violação às regras do próprio estado.
Segundo ele, a lei federal de imigração alimenta o assédio e dá às autoridades estaduais a capacidade inconstitucional de deportar pessoas sem o devido processo legal, independentemente de serem elegíveis para buscar asilo ou outras proteções humanitárias.
Um agente da aduana mexicana confirmou ao UOL que o fechamento já é a realidade desde o começo desta semana, e que o rigor passou a ser ainda maior por parte dos policiais americanos.