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sábado, novembro 26, 2022

Recriar um partido democrático de direita é o maior desafio, diz Renato Janine Ribeiro


Ruy Fausto valorizava muito a democracia', diz Janine Ribeiro - ISTOÉ  Independente

Janine Ribeiro lança um livro modernizando Maquiavel

Naief Haddad
Folha

Vença Lula (PT) ou Jair Bolsonaro (PL), um grande desafio se impõe à política brasileira nos próximos anos. É preciso “recriar um partido democrático de direita”, diz Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Esse espaço já foi ocupado pelo PSDB, mas a sigla se enfraqueceu com as derrotas para o PT à Presidência e ampliou sua crise ao se unir a Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, no processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT). Ao agir assim, fortaleceu a onda que levou Bolsonaro ao poder.

Janine lança “Maquiavel, a Democracia e o Brasil”, livro em que analisa como os presidentes do pós-ditadura chegaram ao poder e o que fizeram para mantê-lo à luz de conceitos do clássico “O Príncipe”.

O sr. encerra o primeiro capítulo do seu novo livro com “Maquiavel é uma boa inspiração para quem quer mudar o mundo”. Por quê?
Porque quando você quer mudar o mundo, tem que tomar o poder, exercê-lo de alguma forma. Alguém que reflete sobre as condições para chegar ao poder é uma inspiração importante, tanto que, séculos depois, o Gramsci [filósofo italiano] comparou “O Príncipe” ao partido revolucionário. Se quer mudar o mundo, é preciso ter projetos de melhorá-lo —supondo que queira mudar para melhorar, tem quem queira mudá-lo para pior. Maquiavel trata bem dos instrumentos para chegar ao poder e mantê-lo.

Mais adiante, ao abordar a realidade brasileira, o sr. escreve que Bolsonaro nunca teria sido eleito sob condições normais. A quais condições está se referindo?
Vamos começar em 2013, ano em que as pessoas despertaram para a política. A ideia de que, para qualquer situação errada, era bom ir à luta, fazer política. As pessoas que foram às ruas esperavam soluções quase mágicas: vai resolver tudo, de saúde à educação. Chegou-se a uma situação em que o nosso problema eram os políticos, e isso influenciou as eleições de 2016 e de 2018. João Doria ganhou a disputa para prefeito [2016] e depois para governador [2018] prometendo não ser um político, mas um gestor. Bolsonaro ganhou para presidente porque, além de derrubar o PT, o PSDB havia cometido um suicídio. O espaço propriamente político ficou esvaziado. Bolsonaro era o personagem adequado para aquele momento porque não estava vinculado a nenhum grupo político de maneira evidente. E as promessas de atitude violenta têm um certo apelo no Brasil. Uma frase usada sobre o Bolsonaro é que ele tem coragem de dizer alto o que todos nós pensamos baixo. Ou seja, assume todos os preconceitos tradicionais e há quem ache que isso é um ato de coragem.

Em trecho sobre o eleitorado no Brasil, o sr. diz que “os cidadãos se autoinfantilizam. Não têm pejo [vergonha] de admitir que são crianças fáceis de enganar (…) Clamam por quem os tutele. Elegem um tutor e, quando dá errado, pedem socorro a outro, geralmente pior”. Qual é a saída?
É preciso educação política, algo que não se aprende apenas na escola. Aprende-se em mobilizações, em ações. A imprensa pode contribuir para a educação política ou prejudicá-la. Em 2018, por exemplo, a pauta para os candidatos nas entrevistas era quase sempre os escândalos. Dá-se no Brasil uma importância desmesurada à corrupção. Para muita gente, é como se fosse o único problema. Vamos pegar o sujeito que devolveu R$ 100 milhões para a Petrobras. Esse valor dá talvez um dia de merenda escolar no Brasil, talvez nem isso. Não é esse dinheiro que vai resolver os problemas do país.

A imprensa erra ao dar muito destaque aos escândalos de corrupção, é isso?
Erra porque coloca todos no mesmo saco, e a tendência é que se passe a dizer que todo político é ruim. Converse com quem acha que todo político é ruim e pergunte em quem ele vota para deputado, senador… Vai ser no pior nome possível, eles têm um faro fantástico. Quem repudia a política tem muito talento para votar pessimamente.

No livro, o sr. aproxima Bolsonaro de Jânio Quadros e Collor, dizendo que os três fazem “farto uso dos páthos”.
Páthos é de onde vem a palavra paixão, que tem dois significados: um tipo de sentimento amoroso muito intenso ou aquilo que caracteriza passividade. Como sentimento afetivo, intenso, paixão se opõe à razão. Jânio foi eleito como um salvador, sem compromisso com ninguém. Dizia que o grande problema do Brasil era a corrupção. Collor, que ficou conhecido como “caçador de marajás”, retomou fortemente o tema da corrupção. E Bolsonaro também, além da degradação dos costumes.

O sr. diz que o país se dividiu em três blocos políticos principais depois de 2018: a extrema direita, com Bolsonaro à frente; a direita, simbolizada pelo PSDB ou pelo que restou dele; e a centro-esquerda. Considerando os resultados do 1º turno, como esses blocos tendem a se organizar?
Além de restabelecer a democracia — não defender, e sim restabelecer a democracia, porque 2018 foi uma eleição de fraudes e muita mentira —, um grande desafio para o futuro é recriar um partido democrático de direita, que seja comprometido com os direitos humanos e com a disputa eleitoral. Talvez a Simone Tebet (MDB) seja uma possibilidade nessa direção. A campanha dela foi bem feita, ela se saiu bem.

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