Em uma sociedade dividida em dois polos, como o Brasil de hoje, cresce o perigo de episódios violentos marcarem a reta final da campanha
Por Fernando Exman (foto)
Inimigo das platitudes, o segundo turno faz bem à democracia. Pelo menos em tese: é quando os candidatos são levados a debater com mais profundidade seus programas e a fazer acenos a segmentos menos radicais do eleitorado.
O segundo turno traz riscos consigo, é verdade. Numa sociedade dividida em dois polos, como o Brasil de hoje, com ele cresce o perigo de episódios violentos marcarem a reta final da campanha. Por isso, é preciso que o Judiciário mantenha-se firme e vigilante. Ladeado por outras instituições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) demonstrou capacidade para reduzir a margem de atuação dos grupos mais violentos.
Ainda assim, há um aspecto positivo do ponto de vista do eleitor que deixou a sala de votação insatisfeito com a baixa qualidade do debate. Até agora, a campanha foi marcada por ataques mútuos e pouca discussão programática por parte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Lula, por exemplo, deve explicar o que quer realmente dizer quando defende a revogação do teto de gastos e a revisão do atual regime fiscal brasileiro. Não basta anunciar que pretende “recolocar os pobres e os trabalhadores no Orçamento”, conforme fez no documento que protocolou no TSE, mas deveria detalhar como isso deve ser executado na prática. Também precisa ir além da promessa de construção de um novo arcabouço fiscal que “disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade”, ainda que “possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica”.
Em relação à reforma tributária, o programa da chapa encabeçada pelo PT advoga que ela resulte num sistema solidário, justo e sustentável - “que simplifique tributos e em que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais”, e com redução da tributação do consumo. É pouco.
De acordo com o programa de Lula, tarefa prioritária seria coordenar a política econômica para combater a inflação. Sua experiência pretérita à frente do Palácio do Planalto não lhe dá um cheque em branco neste e em outros assuntos. Também não está claro o que Lula e seus aliados pretendem fazer em relação à legislação trabalhista, o que preocupa empresários e investidores.
A situação também não é melhor quando se olha o programa de Bolsonaro. O documento protocolado na Justiça Eleitoral pelo candidato à reeleição promete que o presidente se concentrará, em caso de vitória no dia 30, em políticas de redução da taxa de informalidade. Até agora, porém, não conseguiu implementá-las para valer diante de resistências do Congresso.
Além disso, um dos compromissos prioritários de Bolsonaro e seus aliados é a manutenção do valor de R$ 600 para o Auxílio Brasil a partir de janeiro de 2023, algo que não está ainda no Orçamento do ano que vem e depende de mudanças na legislação.
Em outra frente, enquanto integrantes da própria equipe econômica ajudaram a flexibilizar o teto de gastos e criticam a estrutura que foi concebida para o instrumento em 2016, o programa de Bolsonaro promete continuar com os esforços de garantir a estabilidade econômica e a sustentabilidade da trajetória da dívida pública através da consolidação do ajuste fiscal no médio e longo prazos.
Pouco se avança também em relação à reforma tributária, até porque o Congresso tentou aprovar uma proposta nos últimos anos e ela não vingou em razão da resistência de segmentos do Executivo. Segundo o governo, tem-se como meta “simplificar a arrecadação, aumentar a progressividade e torná-lo concorrencialmente neutro”. Mais do mesmo.
Agora o eleitor pode exigir que o debate seja aprofundado, deixando-se de lado as platitudes que até agora prevaleceram no debate econômico. Caso contrário, corre-se o risco de ver os dois candidatos transformarem o segundo turno em uma nova arena para ataques mútuos. Neste caso, a campanha irá se limitar a um concurso de quem foi, é ou será mais corrupto.
Valor Econômico