Suspeita de corrupção na Codevasf é mais uma prova de que STF tem o dever de eliminar emendas do relator
O afastamento, por ordem da Justiça, de um gerente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), suspeito de receber propina para desviar recursos públicos, expõe os tentáculos da corrupção na estatal, controlada pelo Centrão e considerada uma espécie de paraíso do orçamento secreto. Era previsível que a transferência de verbas das emendas do relator para a Codevasf acabasse em roubalheira. Não deu outra.
A decisão da Justiça ocorre na esteira da Operação Odoacro, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em julho. Na época, a PF prendeu o empresário Eduardo José Costa, conhecido como Imperador e apontado como sócio oculto da empreiteira Construservice, uma das maiores beneficiadas pelas licitações da Codevasf. O servidor afastado é acusado de receber R$ 250 mil de empresas investigadas por fraudes em concorrências.
Além de desmentirem o discurso do presidente Jair Bolsonaro de que não há corrupção no atual governo, as fraudes na Codevasf são um exemplo eloquente dos descaminhos do orçamento secreto, a destinação de recursos orçamentários sem transparência nem critérios técnicos por meio das emendas do relator, identificadas pela sigla RP9. Em 2022, havia previsão de R$ 610 milhões em emendas para a Codevasf, mas elas chegaram a R$ 2,7 bilhões. Na lei orçamentária de 2023, as emendas do relator somam R$ 19,4 bilhões, R$ 3 bilhões a mais que em 2022.
Faria bem o Supremo Tribunal Federal (STF) se pusesse logo em pauta o julgamento das ações dos partidos PSB, Cidadania e PSOL que contestam a constitucionalidade dessas emendas. Elas passam ao largo da sociedade, que não obtém informações claras sobre seu destino. Recém-empossada como presidente do STF, a ministra Rosa Weber fez questão de manter a relatoria das ações, quando poderia passá-las para algum outro ministro.
No ano passado, ela já determinara em liminar que o Congresso desse transparência à tramitação das emendas RP9, com a divulgação do volume de recursos movimentado pelo parlamentar e do beneficiário das verbas. Em seguida, condicionou a liberação do dinheiro à inclusão dos valores movimentados numa plataforma própria, criada no Legislativo com essa finalidade. À época, O GLOBO revelou que apenas 30% dos recursos das emendas passaram a ser informados.
A explicação para tanto sigilo em torno das emendas do relator tem relação evidente com o destino dos recursos, ditado por interesses paroquiais, e não por políticas públicas comprovadas e decididas com transparência. O mecanismo cria oportunidade para superfaturamentos e beneficiamento de empresas em concorrências. É a porteira aberta à corrupção.
O preço pago por Bolsonaro para ser blindado no Congresso foi entregar essa fatia bilionária do Orçamento ao Centrão, sob o comando dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Distribui-se dinheiro com base em interesse político, não na necessidade da população. Pelo vulto a que chegaram e pela forma como são administradas, as emendas RP9 são uma afronta ao equilíbrio harmônico entre os Poderes da República. Já que nem o Legislativo nem o Executivo fazem algo a respeito, o STF tem o dever de acabar com elas.
O Globo