Na euforia, mercados não levaram em consideração a perda de controle orçamentário e a baixa propensão à austeridade do Congresso eleito
Os partidos de direita aliados ao presidente Jair Bolsonaro avançaram no Congresso e tornarão mais difícil a um governo com tendência de esquerda, como seria o de Lula se ganhar as eleições, obter apoio a seus projetos. Uma vitória no segundo turno de Bolsonaro, porém, abriria um caminho com menos obstáculos para sua tarefa de depredação das instituições democráticas. Os mercados comemoraram o resultado do primeiro turno, baseados mais na primeira hipótese - a de que o Congresso será contrapeso a eventuais medidas radicais que um governo Lula possa tomar. A segunda hipótese, aparentemente, não foi levada em conta.
Lula precisava de um pouco mais de 1,8 milhão de votos para vencer no primeiro turno. Deverá ir buscá-los agora nos mesmos endereços que, se for bem-sucedido, poderão ajudá-lo a governar e conduzir a uma correlação de forças mais favorável no Congresso - no MDB, no PDT e PSD, de Gilberto Kassab, ex-ministro de Dilma Rousseff. Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) obtiveram 8,5 milhões de votos no primeiro turno, e Lula precisará de menos de um quarto desses votos para ganhar a eleição.
Consolidada, a coalizão entre PT e partidos de esquerda (Psol, PSB, Rede) e o centro (MDB e PSD) lhe daria uma força parlamentar de 227 deputados. Uma aproximação bem-sucedida aos tucanos, pouco provável, elevaria seu cacife para 245 parlamentares, ainda menos da metade dos 513 deputados.
A situação de Bolsonaro, se eleito, seria mais confortável. O núcleo dos partidos de direita que o apoiam (PL, PP e Republicanos) soma 205 deputados. O PP busca fusão com o União Brasil, que, se ocorrer, traria mais 59 parlamentares a uma base governista de 264 deputados, mais da metade da Câmara. Um acerto com o PSD, que dá aval a boa parte dos projetos de Bolsonaro, e com o Podemos construiria uma frente de 318 deputados, número perto dos dois terços necessários para aprovar um pedido de impeachment.
O PL, de Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão, ao qual Bolsonaro se filiou, foi o partido que mais cresceu, tornando-se a maior legenda da Câmara, com 99 deputados. O bloco que apoia Bolsonaro adquiriu força suficiente para, mesmo com a derrota do presidente no segundo turno, manter na presidência da Câmara o deputado Arthur Lira (PP). Esse é um dos grandes problemas que Lula terá de enfrentar para restabelecer o poder de influência do Executivo sobre o Legislativo, drasticamente reduzido por Bolsonaro, que terceirizou o comando político para o Centrão.
Isto significa, em primeiro lugar, que Lira manterá o terreno orçamentário já conquistado e, em segundo lugar, as emendas do relator (orçamento secreto), a que o parlamentar atribuiu ontem virtudes que não têm: transparência e licitude. Lira foi direto ao ponto, um dia depois do primeiro turno. “É o orçamento feito pelos parlamentares ou voltar para a época do mensalão. São as duas maneiras de se cooptar apoio no Congresso Nacional”. São dois esquemas que conduzem à corrupção e malversação de recursos, mas Lira tem predileção pelo primeiro, porque tem controle sobre ele, entre outras coisas.
É essa mistura de perda de controle orçamentário e de baixa propensão à austeridade do Congresso eleito que não parece ter sido considerada na euforia dos mercados ontem, quando a Bolsa subiu 5,5% e o dólar recuou mais de 4%. O mesmo anteparo que impediria medidas radicais de Lula pode ser o que também abortaria tentativas sérias de austeridade fiscal e de equilíbrio orçamentário - uma amostra é o orçamento de 2023.
Ainda que revigorado, Bolsonaro tem dura batalha pela frente: 6 milhões de votos de dianteira de Lula, a melhor votação do PT em primeiro turno. Bolsonaro quer contar com o apoio de Romeu Zema, reeleito como governador de Minas Gerais, e Cláudio Castro, governador do Rio, que nada teriam a perder com apoio explícito ao presidente no segundo turno. Isto poderia reverter a vantagem de Lula em Minas, segundo maior colégio eleitoral (de 48,2% a 43,6%) e ampliar a dianteira de Bolsonaro no terceiro maior colégio (onde venceu por 51% a 40,6%).
A surpresa do primeiro turno no quinto maior colégio eleitoral, Rio Grande do Sul, lhe dará palanque no Estado em que seu ex-ministro Onyx Lorenzoni é agora o favorito. A batalha principal será travada em São Paulo, onde Tarcísio de Freitas ultrapassou Fernando Haddad, garantindo um apoio vital no Estado com o maior número de eleitores no país.
Valor Econômico