Estratégia de Bolsonaro não vingará se a sociedade defender as instituições democráticas
Por Maria Hermínia Tavares* (foto)
Ele não disse nada, nem precisava. Ao participar, no Primeiro de Maio, de dois atos promovidos para atacar a Suprema Corte e ameaçar as instituições democráticas, Bolsonaro disparou um aviso pontiagudo do que intenta neste ano eleitoral. Que seu discurso vazio tenha sido recebido com certo alívio é um indício desalentador do quanto a política nacional foi sequestrada pelas provocações do ex-capitão.
Isso porque ele se prepara para tumultuar o processo de sua sucessão e contestá-lo pela violência se o resultado lhe for desfavorável. Abdicando de governar, dia sim, o outro também, a pé ou de moto, ele se dedica a açular a militância raivosa. Quando necessário, mostra que defende a sua turma —como fez com o Daniel Silveira— e vai dosando o xingatório contra ministros do STF, a Justiça Eleitoral e a urna eletrônica.
Nos porões dessa radicalização, ataques mais virulentos circulam nas redes bolsonaristas. Segundo o professor Marcelo Alves, do Departamento de Comunicação da PUC do Rio de Janeiro, de setembro do ano passado a março último, pipocaram no YouTube 1.701 vídeos contra o sistema eleitoral, vistos 69 milhões de vezes. Por fim, é explícita a corte do presidente às Forças Armadas, bem como o uso que delas faz para desfilar autoridade. Que outro sentido teria sua participação, fora da agenda, na reunião do Alto Comando do Exército, na terça-feira passada (3/5)?
São mínimas as chances de serem pacíficas as eleições para o Planalto. Mesmo assim, o desfecho dessa anunciada tragédia política ainda não está dado. Para o pensador americano Robert Dahl, no seu clássico "Poliarquia", editado no Brasil (Edusp), a democracia se estabelece quando as elites políticas consideram que os custos da repressão superam os de aceitar os resultados de eleições livres e limpas.
Uma solução violenta, que abra caminho para o autoritarismo sem disfarces, teria custos elevados não só para os brasileiros comuns, mas também para uma parcela importante das referidas elites. Como observou o historiador Luiz Felipe Alencastro, não basta dar o golpe em Brasília. Numa federação como a nossa, se as eleições forem contestadas, serão numerosos os interesses golpeados: dos candidatos a governos e câmaras legislativas, todos com campanhas nas ruas e vultosos recursos empenhados.
A estratégia de Bolsonaro está traçada, com objetivo e métodos definidos. Mas pode acabar dando errado se o grande arco de forças presentes no sistema político e na sociedade colocar a defesa das instituições democráticas à frente de disputas que, aliás, só podem ser travadas em regime de liberdade.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Folha de São Paulo