por Vinicius Sassine | Folhapress
O general da reserva Cláudio Barroso Magno Filho, que atuou fazendo lobby para a mineradora Potássio do Brasil, esteve pelo menos 18 vezes no Palácio do Planalto durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Isso significa uma visita a cada dois meses e cinco dias, em média.
Os dados integram uma tabela de registros de visitas ao Planalto fornecida à reportagem pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência a partir de um pedido com base na LAI (Lei de Acesso à Informação). O levantamento também foi feito em agendas públicas de ministérios palacianos.
A Potássio do Brasil é acusada pelo MPF (Ministério Público Federal) de cooptação de indígenas do povo mura para exploração mineral na Amazônia —mais especificamente na região de Autazes (AM), entre os rios Madeira e Amazonas.
A empresa chegou a operar dentro do território tradicional, conforme a ação do MPF. Um acordo, validado pela Justiça Federal, especificou que os indígenas precisam ser formalmente consultados, seguindo parâmetros da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Enquanto isso não ocorrer, a licença ambiental não pode ser concedida.
Em meio aos entraves para a exploração de potássio na Amazônia, o general da reserva passou a atuar no Palácio do Planalto —especialmente junto a militares que despacham em diferentes ministérios.
Magno Filho é da mesma turma de Bolsonaro na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), a de 1977, e tem relação de proximidade com o vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos).
"O levantamento é correto. Tenho um vínculo em apoio à Potássio do Brasil, não sou contratado e estive nos órgãos governamentais. Houve uma aproximação da Potássio com agências do governo, um esforço de convencimento", disse o general à Folha.
A exploração de potássio na Amazônia foi usada como pretexto por Bolsonaro para tentar fazer avançar o projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas. O presidente tentou aproveitar episódios de escassez de fertilizantes, em razão da guerra entre Rússia e Ucrânia, para defender o texto.
A Câmara dos Deputados chegou a aprovar em março a urgência do projeto, em iniciativa capitaneada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e pelo centrão. O projeto ainda não foi votado.
O general nega, porém, qualquer tipo de tráfico de influência, aproveitamento da relação mantida com o presidente ou "encurtamento de caminhos". "Não cheguei aqui fazendo lobby, e jamais me envolvi em algo escuso. Eu acredito no projeto da Potássio do Brasil", afirmou.
Além do périplo pelo Planalto, o general Magno Filho esteve na Câmara dos Deputados (ao menos uma vez, em 2019) e em órgãos da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Um dos braços da fundação visitados pelo general é a Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental, procurada quando a liberação da empresa estava travada. Quando há impacto de um empreendimento em terras indígenas, a Funai precisa ser consultada.
Os dados fornecidos mostram que Adriano Espeschit, presidente da Potássio do Brasil, também esteve na Coordenação de Licenciamento Ambiental.
No Planalto, o militar se dirigiu à Vice-Presidência, ao GSI, à Casa Civil e à Secretaria-Geral. Não há, nas agendas tornadas públicas, registros de encontros com Magno Filho nesses dias.
Em 15 de junho de 2021, por exemplo, o general esteve na Casa Civil, quando era comandada pelo general Luiz Ramos (o destino foi a "assessoria especial"). Magno Filho ficou quase quatro horas no Planalto.
No dia seguinte, ele esteve na Assessoria de Temas Institucionais da Vice-Presidência, chefiada pelo coronel Carlos Sucha. A visita se repetiu cinco vezes, em julho, outubro, novembro e janeiro.
Em nota, a Vice-Presidência afirmou que Magno Filho, "sempre que vinha a Brasília, realizava uma 'visita de oportunidade' ao coronel Sucha, em função dos laços de amizade e companheirismo construídos ao longo da vida". "Nas datas mencionadas, ele foi recebido em encontro não oficial, como amigo e companheiro, não cabendo inclusão em agenda oficial", diz o texto.
Ainda segundo a Vice-Presidência, não há "materialidade" de qualquer impacto desses encontros informais sobre processos da atividade pública. "Ele sempre foi orientado a oficializar solicitações de audiência para tratar de temas de interesse público", afirma a nota.
Outro militar autorizou o acesso do general ao Planalto: coronel José Placídio Matias, responsável pela assessoria de assuntos estratégicos da secretaria-executiva do GSI. Esta visita ocorreu em 21 de junho de 2021 e durou quase a tarde toda.
A tabela ainda registra visitas à assessoria de comunicação social da Vice-Presidência; à secretaria-executiva da Casa Civil; e ao gabinete da Secretaria-Geral, esta em 2 de setembro de 2021 —quando o general Ramos já havia sido deslocado para este ministério.
As agendas públicas registram três encontros entre Magno Filho e Mourão em 2019, dos quais em dois ele estava acompanhado de Stan Bharti, "presidente do grupo Forbes & Manhattan", como consta em uma das agendas.
O general é descrito ora como "assessor do grupo Forbes & Manhattan", ora como "vice-presidente brasileiro do projeto da Brasil Potássio". A Potássio do Brasil é um empreendimento do banco canadense Forbes & Manhattan.
Uma reportagem publicada em fevereiro pela Agência Pública revelou que o militar fazia lobby para a Potássio do Brasil.
Em 28 de março de 2022, Bharti esteve em reunião com o presidente Bolsonaro. Também estavam presentes a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit. A agenda não registra a presença de Magno Filho.
A Presidência, a Casa Civil, o GSI, a Secretaria-Geral e a Funai não responderam aos questionamentos da reportagem.
As agendas públicas registram ainda encontros do general com Filipe Martins, assessor especial do presidente, em outubro de 2019; com o então subchefe para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, hoje ministro do TCU, também em 2019; e com o secretário-executivo do GSI, general Carlos José Russo Penteado, no último dia 27.
Procurada, a Forbes & Manhattan não se manifestou.
Já a Potássio do Brasil afirmou que o general não é contratado da empresa e que em 2019 acompanhou o "chairman da Brazil Potash Corp" em reunião com Mourão.
A visita do presidente da empresa à Funai buscou discutir questões do ECI (estudo de componente indígena), junto com equipe do PPI (Programa de Parceria e Investimentos) e sem a presença do general, conforme a Potássio do Brasil, que nega ter tratado de licença ambiental.
"Esse tipo de conduta, de cooptação de indígenas, não condiz com a conduta da Potássio do Brasil. A empresa sempre trabalhou dentro da lei e consultando órgãos oficiais sobre assuntos pertinentes", afirmou.
Segundo a Potássio do Brasil, a consulta ao povo mura teve início em 2019, em razão do acordo na Justiça Federal, e a empresa aguarda licença de instalação.
Magno Filho afirmou que seu vínculo real é com a Forbes & Manhattan e teve início por já ter trabalhado numa empresa canadense. "Por ser brasileiro, pediram que eu ajudasse no relacionamento governamental. E trabalhei focado no que a gente está vendo na guerra [entre Rússia e Ucrânia]. O projeto lá na Amazônia é uma possibilidade."
O militar disse que também atuou no projeto de exploração de ouro da Belo Sun, no Pará, outro empreendimento da Forbes & Manhattan, e que hoje está afastado desse projeto.
"Sou empreendedor na área privada há 15 anos, e eles procuravam um perfil como o meu, de consultoria estratégica. Era contratado da Forbes & Manhattan, e hoje estou sem contrato, negociando com eles. Não faço isso de graça", afirmou o general. "É legítimo estar no Planalto, tenho muitos amigos lá. Várias entradas foram para conversar com amigos."
Bahia Notícias