Um oportuno artigo do embaixador aposentado Rubens Barbosa no jornal O Estado de S. Paulo de 26 de abril coloca em pauta a questão crucial do posicionamento do Brasil no novo cenário geopolítico e geoeconômico global catalisado pela ação militar da Rússia na Ucrânia. Apesar de enfocado no abandono do Mercosul pelo atual governo, em especial, o ministro da Economia Paulo Guedes, que nunca escondeu o seu desprezo pelo bloco regional, o texto sinaliza a necessidade de as lideranças nacionais atentarem para a rapidez com que está emergindo um sistema financeiro internacional paralelo ao dominado pelos EUA e pelo dólar como moeda de referência – colocado em xeque pela extensão das insólitas sanções impostas à Rússia pelas potências ocidentais, inclusive, com o virtual confisco das reservas monetárias do país no exterior.
Diz o diplomata:
A guerra da Rússia na Ucrânia inaugura uma nova era na geopolítica e na geoeconomia global. A tendência é o mundo ficar dividido entre o Ocidente e a Eurásia (China e Rússia). O governo dos EUA já está definindo políticas comerciais restritivas para a China e para “países pouco amigos”, que mantiverem comércio e relações com o outro lado. O fortalecimento do regionalismo deverá ser uma das consequências da guerra. Com a redução do ritmo da globalização e o novo ímpeto de medidas restritivas e protecionistas, em decorrência de medidas nacionalistas e de segurança, o Brasil deveria formular uma política comercial ativa, inclusive com o estabelecimento de cadeias produtivas regionais e respeito ao meio ambiente. A América do Sul já forma uma área de livre-comércio com pouco aproveitamento de parte das empresas nacionais. A crescente presença da China na América do Sul, em concorrência com produtos brasileiros, e o pouco interesse de empresas norte-americanas em desenvolver negócios e investir na região são outros fatores que uma política externa do novo governo deverá levar em conta.
A advertência de Barbosa, que atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE), vai de encontro à proclamação feita pela secretária do Tesouro estadunidense Janet Yellen, da determinação dos EUA de preservar o bloco do dólar a todo custo, principalmente, no que tange à seleção dos países entre “amigos” e “pouco amigos” (ver nota anterior).
O diplomata faz uma dura crítica ao Ministério da Economia, que está fazendo unilateralmente reduções da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, contrariamente ao estabelecido nas normas fundadoras do bloco. Segundo ele, as autoridades econômicas estão desconsiderando os “aspectos estratégicos do Mercosul para o Brasil”. O bloco, diz, “não é apenas um acordo econômico e comercial, mas tem uma visão de médio e longo prazos importante para os interesses do setor privado, em especial do industrial”.
E acrescenta:
(…) O descaso com o Mercosul não ocorre por acaso. Ele se insere no quase total abandono das relações do Brasil na América do Sul. Considerações ideológicas e falta de uma visão pragmática a respeito dos acontecimentos nos últimos anos no tocante ao lugar do Brasil no mundo, na prática, isolaram o País do seu entorno geográfico, uma de suas prioridades estratégicas, segundo a Política Nacional de Defesa. Algumas decisões podem ser vistas, mesmo, como contrárias ao interesse brasileiro, como o fim da Unasul.
Os desdobramentos do conflito na Ucrânia colocam o Brasil diante do desafio de consolidar a sua histórica posição de independência diplomática. Para isto, são imprescindíveis o fortalecimento do Mercosul e a retomada da iniciativa de integração físico-econômica da América do Sul, que, pelo seu peso específico, cabe naturalmente ao Brasil. Assim, as posições ideológicas de Guedes contra o bloco e as parcerias com os vizinhos sul-americanos são claramente contrárias aos interesses maiores do País, que não podem ficar subordinados às idiossincrasias do titular da Economia.
MSIa