Frequentemente as sanções são ineficazes. As impostas desta vez não serão
Por Martin Wolf* (foto)
Ninguém sabe como isso vai terminar. Mas sabemos como tudo começou. Vladimir Putin montou um ataque não provocado a um país inocente. Ele cometeu o pior ato de agressão em solo europeu desde 1945 e justificou esse ato vil com mentiras ultrajantes. Ele também, no momento, uniu o Ocidente contra ele. Putin não é o primeiro tirano a confundir desejo de paz com covardia. Em vez disso, ele despertou a ira dos povos ocidentais. O resultado é uma série de sanções contra a Rússia tão impressionantes quanto justificadas.
Putin pode ser o homem mais perigoso que já viveu. Ele se dedica a restabelecer o império perdido da Rússia, indiferente ao destino de seu próprio povo e, acima de tudo, domina uma vasta força nuclear. Ainda assim a resistência, por mais arriscada que seja, é imperativa.
Este não é um conflito com o povo russo. Não podemos viver em paz e segurança com um vizinho desses. Esta invasão não pode continuar, uma vez que seu sucesso ameaçaria a todos nós. Estamos em um novo mundo. Precisamos entender isso e agir de acordo
Alguns insistirão que as ações de Putin são culpa do Ocidente e, acima de tudo, resultado de sua decisão de ampliar a Otan. Mas é o contrário. Putin nos lembrou por que países que conhecem melhor o domínio russo estavam desesperados pela expansão da Otan. Ele também demonstrou porque isso era necessário.
A Europa precisava de uma fronteira defendida entre a Rússia e suas antigas possessões. A tragédia da Ucrânia é ela estar do lado errado dessa linha. Ela não representa uma ameaça para a Rússia, a não ser a de querer ser livre; a Rússia representava uma ameaça a isso.
Frequentemente as sanções são ineficazes. As impostas desta vez não serão. Os Estados Unidos impuseram sanções ao mercado secundário de dívida soberana em 22 de fevereiro. A Alemanha suspendeu a homologação do controvertido gasoduto Nord Stream 2 no mesmo dia.
Em 24 de fevereiro, EUA, União Europeia (UE) e outros membros do G-7 limitaram a capacidade da Rússia de transacionar em moedas estrangeiras. E dois dias depois, vários bancos russos foram removidos do sistema de pagamentos Swift, um congelamento foi imposto aos ativos do Banco da Rússia e transações com o banco central foram proibidas.
Uma análise minuciosa pelo Institute for International Finance (IIF) resume tudo isso: “Esperamos que as sanções impostas nos últimos dias tenham um efeito dramático sobre o sistema financeiro da Rússia e o país como um todo”.
Uma grande parcela das reservas líquidas de US$ 630 bilhões do país será inutilizada. O banco central já precisou dobrar as taxas de juros. Há uma corrida aos bancos. Com exceção da energia, a economia ficará substancialmente isolada.
O sofrimento não recairá todo sobre a Rússia. Os custos do petróleo e do gás ficarão altos por mais tempo, agravando a pressão inflacionária global. Os preços dos alimentos também aumentarão. Se a Rússia cortar suas exportações de energia (a um grande custo para si mesma), a ruptura será ainda pior. O gás natural russo gera 9% da energia bruta disponível na zona do euro e na UE como um todo. Mas o inverno, a estação de maior necessidade, pelo menos está passando.
Além desses efeitos relativamente específicos, a combinação de guerra, ameaças nucleares e sanções econômicas aumenta muito as incertezas. Os bancos centrais terão ainda mais dificuldades para decidir como apertar a política monetária. O mesmo valerá para os governos que tentam amortecer o golpe dos choques energéticos.
No longo prazo, os efeitos econômicos seguirão a geopolítica. Se o resultado for uma divisão profunda e prolongada entre o Ocidente e um bloco centrado na China e na Rússia, divisões econômicas se seguirão. Todos tentariam reduzir sua dependência de parceiros contenciosos e não confiáveis. Num mundo desses, a política prevalece sobre a economia. No âmbito global, a economia seria reconfigurada. Mas em tempos de guerra, a política sempre prevalece sobre a economia. Ainda não sabemos como.
A Europa certamente é a que vai mudar mais. Um passo enorme foi dado pela Alemanha, com seu reconhecimento de que sua posição pós-Guerra Fria é agora insustentável. Ela precisa se tornar o coração de uma poderosa estrutura de segurança europeia capaz de se proteger contra uma Rússia revanchista. Isso terá de incluir um grande esforço para reduzir a dependência energética.
Tragicamente, a Europa precisa reconhecer que os EUA não serão um aliado confiável enquanto Donald Trump, que vê Putin como um “gênio”, comandar o Partido Republicano. O Reino Unido, por sua vez, precisa reconhecer que sempre será uma potência europeia. Ele precisa se comprometer mais com a defesa do continente e acima de tudo de seus aliados europeus do leste. Tudo isso exigirá resolução e dinheiro.
Nesse novo mundo, a posição da China será uma preocupação central. Sua liderança precisa entender que apoiar a Rússia é agora incompatível com as relações amigáveis com os países ocidentais. Muito pelo contrário, a China terá de fazer da segurança estratégica um imperativo primordial de sua política econômica.
Se a China decidir contar com um novo eixo de autoritários irredentistas contra o Ocidente, a divisão econômica mundial deverá prosseguir. As empresas precisam tomar nota disso. Uma guerra de escolha sobre os filhos de uma democracia pacífica não é uma ação que nós, no Ocidente, podemos nos permitir esquecer.
Também não podemos perdoar aqueles que a começaram ou que a apoiaram. As memórias de nosso próprio passado devem proibir isso. Estamos em um novo conflito ideológico, não entre comunistas e capitalistas, mas em um entre a tirania irredentista e a democracia liberal.
De muitas maneiras, esta será mais perigosa que a Guerra Fria. Putin detém um poder arbitrário e descontrolado. Enquanto ele estiver no Kremlin, o mundo será perigoso. Não está claro se o mesmo vale para Xi Jinping da China. Mas ainda poderemos descobrir que sim.
Este não é um conflito com o povo russo. Devemos ainda esperar para eles um regime político digno de sua contribuição para a nossa civilização. É um conflito com seu regime. A Rússia emergiu como um pária governado por um gangster.
Não podemos viver em paz e segurança com um vizinho desses. Esta invasão não pode continuar, uma vez que seu sucesso ameaçaria a todos nós. Estamos em um novo mundo. Precisamos entender isso e agir de acordo. (Tradução de Mário Zamarian)
*Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times
Valor Econômico