Por Pablo Ortellado (foto)
Nesta semana, a invasão do Congresso americano completou um ano. Em 6 de janeiro de 2021, uma multidão que participava de comício convocado por Donald Trump se dirigiu ao Capitólio para tumultuar a sessão que sacramentaria o resultado das eleições vencidas por Joe Biden.
O que aconteceu naquele dia? Foi um protesto pacífico com episódios isolados de violência? Ou um tumulto orquestrado para atrapalhar a sessão? Foi uma tentativa fracassada de golpe de Estado? Qual a responsabilidade do ex-presidente Donald Trump e da cúpula do Partido Republicano? O que aconteceu em 2021 foi apenas um ensaio para 2024? Há bons motivos para acompanharmos o debate que tenta responder a essas questões, já que Estados Unidos e Brasil têm muitas semelhanças.
Quando acompanhamos a ascensão e consolidação de Donald Trump no Partido Republicano, chama a atenção como o então empresário e apresentador de TV passou de um candidato marginal e excêntrico — ironizado e duramente combatido pelas forças dominantes do republicanismo nas primárias de 2016 — a líder incontestável da legenda. Hoje praticamente não há espaço no Partido Republicano para quem diverge do ex-presidente. A transformação levou metade da classe política do país a aderir a teses conspiratórias sobre as eleições, além de a outras posições extremas em temas como pandemia e imigração.
Por aqui, a inabilidade de Jair Bolsonaro, combinada com seu discurso antipartidos, retardou a captura da classe política por seu projeto populista e autoritário. Mas a adesão entusiasmada de políticos do Centrão, sua entrada no PL e a perspectiva de formação de uma poderosa federação partidária com PL, PP e Republicanos mostram o risco de uma bolsonarização mais acentuada da classe política. As perspectivas ficam ainda mais sombrias se imaginarmos que, a esse grupo de partidos, poderia se juntar o União Brasil, fruto da aliança entre PSL e DEM — cenário hoje improvável, mas que poderia se dar para a formação de uma base parlamentar, na eventualidade de Bolsonaro assegurar um segundo mandato.
Bolsonaro não esconde que se inspira na estratégia de Trump para desacreditar por aqui o processo eleitoral. Nos Estados Unidos, a estratégia de alegar fraude falhou, e a invasão do Congresso, tenha sido planejada ou espontânea, não conseguiu reverter o triunfo eleitoral de Biden. Mas governadores republicanos estão agora adotando uma série de medidas para ter maior controle sobre o processo eleitoral, que nos Estados Unidos é descentralizado. Com isso, esperam poder controlar quais urnas contar e quais descartar, para conseguir determinar como o resultado será certificado nos estados. Funcionários que não aderiram ao discurso da fraude eleitoral foram demitidos e vêm sendo substituídos por outros, alinhados com a linha oficial do partido.
No Brasil, Bolsonaro parece ter suspendido, por ora, o discurso que desacreditava a urna eletrônica, aparentemente por receio de, como reação, o Supremo endurecer a investigação sobre seus filhos no inquérito sobre as ameaças à democracia. Apesar disso, a desconfiança relativa à urna eletrônica, fruto da campanha realizada em 2021, deverá seguir elevada. Cerca de 34% dos brasileiros tinham confiança baixa ou nenhuma confiança nela, e 31% confiança apenas moderada, de acordo com pesquisa da CNT/ MDA em julho do ano passado.
Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, exercícios militares previstos para o último trimestre de 2022 foram adiantados, e toda a tropa do Exército estará de prontidão no período pós-eleitoral para poder ser acionada em caso de conflitos semelhantes aos que aconteceram nos Estados Unidos. Segundo os militares, o risco de conflitos generalizados é remoto, mas é possível que tenhamos conflitos localizados.
A experiência americana nos ensina que, uma vez que a dinâmica de desconfiança no processo eleitoral é disparada, é difícil depois detê-la, sobretudo se abraçada por uma força política relevante. TSE e STF fizeram bem ao se engajar no debate sobre o voto impresso, seja defendendo a lisura de eleições passadas, seja contendo os arroubos de Bolsonaro. A designação do general Fernando Azevedo para dirigir o TSE é bastante heterodoxa, mas é uma ação estratégica inteligente para ampliar a confiança no processo eleitoral e diminuir as contestações que virão de setores do bolsonarismo. Azevedo foi ministro da Defesa no governo Bolsonaro, demitido por ser contra o emprego político das Forças Armadas. Ele tem o respeito da tropa e demonstrou compromisso com a democracia. Esperamos que dê certo.
O Globo