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domingo, janeiro 09, 2022

Economia é o grande temor dos brasileiros em 2022, mostra pesquisa




Uma dose considerável de otimismo  em relação à pandemia, em contraste com um forte  ceticismo no que diz respeito à economia. Visto em grandes traços, esse é o resumo das expectativas dos brasileiros para 2022.

Posto em números, o quadro geral é o seguinte: uma parte substancial da população, o equivalente a 77%, não acredita em um novo avanço da covid-19 neste ano. Em contrapartida, 81% temem que os entraves econômicos percebidos em 2021, que resultaram em desemprego e inflação, sejam agravados nos próximos 12 meses.

Tal perspectiva reduz enormemente a intenção de consumo e amplia as preocupações com trabalho e renda. Guardar dinheiro, nesse cenário, passou a ser não só um desejo, mas um desafio para o futuro imediato das pessoas.

Essa troca de guarda nos anseios dos brasileiros, em que a doença cede espaço à crise econômica, foi identificada por uma pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Travessia, de São Paulo, com exclusividade para o Valor. A enquete foi feita entre os dias 4 e 6 de dezembro, a partir de entrevistas por telefone com uma amostra de 1,2 mil pessoas em todo o país. No que diz respeito à covid-19, os 77% dos que não creem numa piora do cenário atual dividem-se em três subgrupos. Há os esperançosos, os comedidos e os confiantes desvairados.

A turma dos esperançosos é formada por 31% dos entrevistados. Para eles, a situação da pandemia vai melhorar em 2022. Os moderados representam 37% do total. Estes consideram que a situação permanecerá igual à registrada no fim de 2021.

“Como o levantamento foi feito na primeira semana de dezembro, num momento em que a variante ômicron estava sob aparente controle, esse ‘permanecer igual’ deve ser entendido como ‘continuar bom’, ou ainda, ‘continuar razoável’”, diz Renato Dorgan Filho, analista e sócio do Instituto Travessia. Já um grupo de 9% foi mais longe: cravou que a pandemia de covid-19 vai simplesmente terminar neste ano. No outro extremo das expectativas, porém, 15% acreditam que a situação vai se agravar.

Ainda que a visão panorâmica seja positiva, muita gente mostrou-se disposta a manter os cuidados básicos contra o novo coronavírus. A grande maioria (89%), por exemplo, disse que pretende continuar usando máscaras.

Nessa mesma linha, 76% aceitam observar alguma forma de distanciamento social, sendo que 55% não querem frequentar lugares com a presença de muitas pessoas. Se possível, 34% gostariam de trabalhar em home office. Em contrapartida, uma parcela bem menor da população, o equivalente a 11%, afirmou que não vai adotar nenhum tipo de precaução contra a doença neste ano.

Carlos Melo, cientista político e professor da escola de negócios Insper, em São Paulo, considera que essa adesão maciça a ações preventivas tem uma leitura política inescapável. “Ela mostra o imenso isolamento da postura adotada pelo governo federal em relação à pandemia, se comparada ao sentimento da população”, diz.

“Tal fato fica evidente quando quase nove em cada dez brasileiros [os 89% acima mencionados] ainda aceitam usar máscaras, passados quase dois anos desde o início da crise na saúde. Depois de tanto tempo, seria razoável imaginar que esse tipo de medida sofreria algum tipo de desgaste, mas a pesquisa indica o contrário.”

Nessa mesma linha, Dorgan Filho, do Travessia, acrescenta: “Esta sondagem confirma levantamentos anteriores nos quais o comportamento ‘negacionista’ diante da covid não vai além de 15% dos brasileiros. Neste caso, pode-se dizer que ele ficou restrito aos 11% que não pretendem se prevenir de nenhuma maneira”, ressalta.

“A aceitação do uso de máscaras, o objetivo de manter o distanciamento e o medo de lugares lotados revelam, sem deixar dúvidas, que ainda existe um grande temor em relação à pandemia, ainda que a expectativa geral sobre um eventual recrudescimento da doença não seja ruim.”

Se é assim no front pandêmico, no econômico qualquer demonstração de confiança se desfaz. Questionados sobre quais as maiores dificuldades que o Brasil enfrentará em 2022, os entrevistados escolheram três itens ligados à economia em uma lista com seis opções.

Em primeiro lugar, apareceu o tema genérico “crise econômica”, mencionado por 25% das pessoas. A seguir, vieram a “inflação”, com 23%, e o “desemprego”, com 20%, sendo que ambos tinham percentuais próximos do líder. Na quarta posição, ocupando um segundo patamar numérico, ficou a “crise política” com 15%. Já as opções ligadas à covid-19, como o “coronavírus” e a “falta de vacinas”, apareceram numa faixa inferior do espectro das inquietações, com 8% e 3% das escolhas, respectivamente.

Além do mais, para 45% das pessoas ouvidas, o desempenho da economia não vai melhorar em 2022, se comparado a 2021. E o problema, frisam os analistas, é que a situação já não estava nada boa no ano passado. As mais recentes - e benevolentes - estimativas de crescimento do PIB para os últimos 12 meses giram em torno de 0,5% e, mesmo assim, estão em queda constante.

“Isso quer dizer que para quase metade dos brasileiros a situação do país vai continuar ruim”, afirma Bruno Soller, responsável técnico pela pesquisa e sócio do Travessia. Outros 36% mostraram-se ainda mais descrentes. Eles acreditam que a conjuntura vai piorar. Somados, esses dois grupos alcançam 81% da população. Por outro lado, 17% confiam em mudanças positivas nessa seara.

Note-se que o prognóstico de estragos na área econômica adensou de forma constante ao longo da pandemia, segundo uma série de pesquisas realizadas pelo Travessia e publicadas com exclusividade pelo Valor nos dois últimos anos. Em março de 2020, por exemplo, quando a doença começou a varrer o mundo, 54% das pessoas classificavam como “devastadoras” as possíveis consequências econômicas do coronavírus.

Em fevereiro do ano passado, essa interpretação já dominava 74% dos brasileiros. “Agora, com aperto monetário, juros altos e pressão inflacionária, as expectativas só tendem a piorar”, diz Dorgan Filho. “Não por acaso, a necessidade de apertar os cintos virou uma espécie de mantra para 2022.”

É isso o que a pesquisa revela, por exemplo, ao examinar a intenção de consumo dos entrevistados. Na enquete, quase oito em cada dez pessoas (79% do total) afirmaram que não pretendem ampliar gastos de nenhuma espécie neste ano. “Estes, que formam uma imensa maioria, vão prender o cinto no último botão”, diz Dorgan Filho.

No mais, quando falam em algum tipo de elevação de dispêndios, 9% citam a alimentação, um item básico. Só 4% mencionam o objetivo de adquirir bens duráveis (como carros, geladeiras e máquinas de lavar) e outros 4% em ampliar despesas com o lazer.

Quando trataram das maiores esperanças para este ano, 49% das pessoas escolheram o tópico “conseguir um emprego melhor” em uma lista com quatro alternativas. Acrescente-se que, em outra resposta, 33% dos entrevistados apontaram como prioridade profissional para 2022 obter um “aumento de salário”. Outros 15%, nessa mesma questão, assinalaram que gostariam de “mudar de emprego”.

Em outra enquete feita pelo Travessia no fim de 2020, sobre estimativas para 2021, esse mesmo objetivo (“mudar de emprego”) teve baixíssima adesão. À época, reuniu 7% das respostas, ficando em último lugar entre um total de seis itens. “Hoje, o fato é que vemos saltar aos olhos em diversos pontos da pesquisa uma imensa preocupação com o trabalho e a renda”, destaca Melo, do Insper. “Em muitas respostas esses assuntos ficam em destaque. E isso é muito coerente com o momento que vivemos.”

Ainda sobre as esperanças para 2022, em segundo lugar ficou a opção “guardar dinheiro”, reunindo 32% das escolhas. Dorgan Filho, do Travessia, frisa que esse é um objetivo constantemente mencionado em sondagens qualitativas, realizadas com grupos menores, e nas quais os temas são debatidos em detalhes. “Em todas as discussões, percebemos uma grande preocupação com a poupança em todas as faixas de renda”, diz o analista. “Essa talvez seja uma lição importante da pandemia, porque todos temem o que pode acontecer mesmo no curto prazo e gostariam de contar com algum tipo de reserva. Hoje, o pé-de-meia parece estar se tornando muito mais importante para os brasileiros.”

O problema é que, apesar das expectativas, não será simples a realização dos desejos relacionados ao trabalho neste ano. Na prática, eles “não são compatíveis com a realidade”, como observa Fernando Veloso, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio. “O cenário do emprego já não vinha bem desde a crise de 2014 a 2016, que deixou marcas profundas no mercado de trabalho do país”, diz.

“A pandemia tornou tudo muito mais dramático, pois afetou profundamente os menos escolarizados. Para este ano, existe uma perspectiva de recuperação, mas a criação de postos de trabalho deve se concentrar nos informais, os mais vulneráveis, com menor proteção social e salários mais baixos.” Ou seja, uma tendência que vai de encontro a tudo o que os brasileiros afirmam almejar para 2022.

Sobre o que gostariam de fazer com o tempo livre, tanto em 2022 como no ano passado, a principal resposta foi “ficar mais perto da família”. Mudou, no entanto, a ordem das opções seguintes em relação a 2021. Agora, “ter mais opções de lazer” e “praticar esportes” surgem acima de alternativas como “ampliar amizades” e “encontrar um(a) novo(a) parceiro(a)”.

Qual o motivo da mudança? Dorgan Filho anota: “A enquete não traz uma explicação clara sobre essa mudança, mas é possível que as pessoas já não se sintam mais tão sozinhas como nos momentos de forte isolamento social, e isso pode ter alterado a ordem das respostas”.

No campo político, a animação, para dizer o mínimo, não é a mais abundante. Ao contrário. A maior parte dos entrevistados considerou baixas as chances de a eleição presidencial deste ano melhorar a situação do país. Para quase metade da população (47%), ela não vai mudar nada. Nesse tema, o time dos otimistas é formado por 26% dos brasileiros. Esse é o tamanho do grupo que atribui ao pleito um possível impacto positivo. Em contrapartida, 24% apostam que o efeito da corrida presidencial será negativo.

Na prática, tanto os animados, com 26%, quanto os céticos, com 24%, se equivalem, pois a margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais para cima e para baixo. “E essa divisão é natural. Este é o ano da disputa, da briga, não de mudanças. Não por acaso, em outra questão, 15% falaram que temem uma crise política no país em 2022”, diz o cientista político Melo. “Se a eleição provocar qualquer alteração significativa, ela só deve ocorrer em 2023, com a posse do novo presidente. Mas tudo isso ainda é uma grande incógnita neste momento.”

Quanto às prioridades do próximo presidente, os temas saúde, emprego e educação, nesta ordem, ganharam maior destaque em relação a assuntos como segurança e meio ambiente. Em pesquisas de opinião pública, mesmo antes da pandemia, a questão da saúde sempre ocupou o topo da lista de preocupações dos brasileiros. Para os analistas, contudo, a temática veio para ficar com a covid-19, cujos desdobramentos ainda estão distantes de cessar. Eles observam que os outros assuntos em evidência na enquete (caso do emprego e da educação) também estão relacionados ao avanço da doença não só no país, mas no mundo.

Os participantes da pesquisa escolheram ainda uma frase, entre quatro alternativas, com a qual mais se identificaram. Todos os enunciados, em tese, estavam relacionados a discursos de possíveis candidatos à eleição presidencial deste ano. Ao final, 35% destacaram a importância do “combate à corrupção”; 27%; a relevância de “valores morais e religiosos”; 26%, o “combate à pobreza e à desigualdade”; e 12% a pertinência de princípios como a “livre iniciativa e o livre mercado”.

“Essas respostas mostram o possível respaldo que cada uma dessas manifestações pode ter entre eleitores”, afirma Dorgan Filho. “Chama atenção que quase um terço das pessoas [27% do total] tenha optado pelo item que trata de valores morais e religiosos. Em princípio, isso revela uma postura conservadora até surpreendente do eleitorado.”

Ainda que as respostas estabeleçam uma hierarquia de bandeiras de uso político recorrente, Melo, do Insper, pondera que a adesão a determinada frase não pode ser interpretada como apoio direto a qualquer candidato que a utilize - ainda que com frequência. “Mesmo porque qualquer pessoa pode falar em valores morais e religiosos”, diz ele. “Isso não significa que ela tenha um ponto de vista radical em relação ao assunto, nem que vai votar com base nesse critério. Na verdade, na maior parte das vezes, as pessoas votam com o bolso, ou mesmo, com o estômago. E considerando tanto a situação econômica do país como os dados da pesquisa, é justamente isso que pode acontecer neste ano.”

Outro ponto da sondagem que chamou atenção dos analistas diz respeito às expectativas pessoais para este ano. Nesse caso, a indagação foi a seguinte: “Em relação a 2021, você acha que sua vida em 2022 será...”. E 45% responderam “igual” a 2021; outros 29%, “melhor”; e 16%, “pior”.

“Como a situação geral não está boa, muitos dos que responderam ‘igual’ não devem estar satisfeitos. Se somados aos 16% que acreditam que a vida vai piorar, teremos 61% de pessimistas”, destaca Melo. “Isso é muita gente. Em geral, as pessoas veem a sua condição pessoal com mais otimismo, ainda que a conjuntura do país não seja boa. Esse é um dado muito importante da pesquisa. Ele indica que pode existir um grande desencanto.”

Bruno Soller, do Travessia, destaca que, para 2022, os homens estão levemente mais animados do que as mulheres. Entre eles, 31% acreditam em dias melhores neste ano. Entre elas, são 28%, ainda que os dois resultados estejam dentro da margem de erro da pesquisa (os três pontos percentuais para cima ou para baixo).

Quanto mais jovem, maior a confiança no futuro, pois 33% dos que têm entre 16 e 24 anos acham que as coisas vão melhorar no Brasil em 2022, ante 27% dos que somam 60 anos ou mais. O otimismo que existe se concentra nas camadas com maior renda, reunindo 36% dos que ganham acima de cinco salários mínimos por mês. Ele alcança 28% dos que recebem até dois salários e estão nas faixas mais pobres.

Ainda que no conjunto a visão geral não seja muito animadora, Soller observa que ela já foi pior. E isso faz pouco tempo. A mesma pergunta sobre as expectativas pessoais foi feita para os brasileiros em 2020 a respeito de 2021. Na ocasião, o total de pessoas que acreditava numa melhora de suas vidas no ano seguinte era de 22% dos entrevistados. Ou seja, ficava sete pontos percentuais abaixo dos atuais 29%. Os que esperavam pelo pior para 2021 representavam 24%. Estavam, portanto, oito pontos percentuais acima dos 16% do mais recente levantamento. Ou seja, mesmo que os números recentes não tenham apresentado uma guinada radical, um entusiasmo exultante, eles melhoraram em relação ao ano passado. E esse pode ser o grande sinal - ou mesmo, o sinal possível - da esperança dos brasileiros.

Valor Econômico

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