Por Cristovam Buarque* (foto)
A última frase do livro No labirinto do cérebro diz: “Em algumas décadas, nossos livros médicos estarão em museus como documentos de uma época em que se abria a cabeça, o tórax e o abdômen dos pacientes”. Ela reflete a percepção do autor sobre a evolução da medicina, mas não se aplica ao próprio livro, que tem as qualidades da boa literatura: deslumbrar o leitor, aumentar o conhecimento sobre a realidade e seus mistérios, e provocar novas ideias e conceitos.
O Labirinto do Cérebro, de Paulo Niemeyer Filho, deslumbra ao contar as aventuras do avanço da ciência e as batalhas médicas para dar qualidade de vida às pessoas. O autor conseguiu entrelaçar as aventuras do pensar e do agir; do entender o funcionamento do cérebro e de corrigir seus defeitos de funcionamento. Emociona acompanhar os desafios de cientista para desbravar o conhecimento sobre o cérebro e os desafios do cirurgião ao usar as mãos para salvar vidas e recuperar competências perdidas. Dupla aventura do saber e do fazer, com texto fluido, belas imagens e analogias poéticas.
O autor descreve suas vitórias e conquistas de cientista e cirurgião, transmitindo ao leitor um misto de surpresa, encantamento, esperança. Fica a certeza de que ele é ótimo escritor e grande cientista. Terminamos de ler cada capítulo com admiração, respeito e confiança no trabalho que o autor descreve, e com alívio pelo final feliz de cada história bem contada. Como se Fernão de Magalhães tivesse sobrevivido e contado sua aventura, ao mesmo tempo em que descrevesse a beleza da geografia, a ciência da navegação e a engenharia náutica.
Paulo Niemeyer Filho provoca, com rara competência, tensão narrativa ao criar estimulantes frases de abertura para seus capítulos: “em que momento o homem primitivo começou a falar”, “quando olhamos o cérebro, observamos que, como uma fruta, ele tem duas cores”, “em 1835, dois pesquisadores da Universidade de Yale apresentaram no Congresso Mundial de Neurologia, em Londres, a experiência da secção dos lobos frontais em dois chimpanzés”, “no final da tarde, fui chamado às pressas para atender o filho de um casal amigo, que sofrera traumatismo craniano ao cair de skate”, “numa tarde de fim de semana, fui convidado para receber um paciente que vinha do interior do estado, de ambulância, com dormência nas pernas após uma queda de cavalos”, “certo dia, uma amiga me ligou queixando-se de uma dor de cabeça diferente”. Cada uma das aberturas desperta a curiosidade do leitor, como fazem grandes escritores quando acham a frase certa antes de uma boa história. E ele faz isso para descrever a aventura do diagnóstico, da busca por alternativas para enfrentar o problema, o que foi feito antes e quais os resultados.
No capítulo que começa com a frase “Numa manhã de março, um casal é atendido no ambulatório do hospital local”, Paulo Niemeyer conta a fascinante história do primeiro caso identificado, em 1901, pelo doutor Alois Alzheimer, da doença que depois veio a receber seu nome, graças à descoberta que fez contrariando a ciência de sua época. Uma aula simples de história da medicina, com a qualidade de nos auxiliar a identificar sintomas dessa doença e saber como enfrentá-la.
O Labirinto do cérebro é um livro para ser lido pelo prazer de ler, pelo acúmulo do conhecimento que transmite e pelos alertas que faz. Além disso, um livro que passa esperança e ensina a salvar vidas ao indicar sintomas de doenças que podem ser evitadas ou curadas, se tratadas em tempo. Deve ser indicado para jovens adquirirem gosto pela leitura e atração pela aventura da ciência e da medicina.
No meio do prazer e do aprendizado que passa, o livro nos provoca imaginar que os conjuntos sociais podem ser comparados com organismos humanos, como se o Brasil tivesse um cérebro que sofre de Alzheimer ao esquecer sua história, sofre de tumores, derrames e isquemias que nos impedem de usar o potencial que temos. Sobretudo, ao provocarmos uma terrível isquemia social, por falta de escola com qualidade para todas nossas crianças. O que nos faz pensar que o cérebro humano, pelo menos dos políticos, carrega um defeito de fabricação, ao dispor de imenso poder lógico para entender e manipular a realidade, mas sem ética que regule este poder.
O Labirinto do Cérebro tem outra qualidade dos grandes livros: ao terminar a leitura, desejamos recomeçar e refletir mais sobre cada frase que sublinhamos, além de desejar que muitos vivenciem as aventuras que ele descreve e descubram a beleza estimulante de suas páginas.
*Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
Correio Braziliense