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quinta-feira, janeiro 06, 2022

Cinco eleições de 2022 para ficar muito atento




Pleitos de Hungria, EUA, França, Colômbia e China merecem ser acompanhados com especial atenção

Por Daniel Rittner 

Não é apenas por aqui, onde quase 150 milhões de brasileiros vão às urnas daqui a nove meses, que o futuro será jogado em 2022. Portugal, Filipinas, Coreia do Sul, Austrália, Suécia e Costa Rica terão eleições neste ano. Em cinco países, contudo, as próximas votações merecem ser acompanhadas com especial atenção. Seja pelas implicações para a democracia, seja pela densidade da relação política e econômica-comercial com o Brasil. Vamos a elas.

1) Hungria: abril ou maio. Enquanto antibolsonaristas não conseguem entrar em acordo nem mesmo sobre o dia certo de ir às ruas, a oposição húngara se uniu em uma candidatura única contra o extremista Viktor Orbán.

No poder desde 2010, o primeiro-ministro defende um “Estado iliberal” e já gabaritou a prova da direita radical: discurso anti-imigração, ataques à comunidade LGBT, controle da mídia, ampliação do tribunal constitucional e nomeação de novos juízes fiéis ao Executivo, transferência de universidades estatais para fundações ligadas a aliados de Orbán, mudança dos distritos eleitorais para favorecer o Fidesz (seu partido). Em vez de prender adversários e dissidentes, como outros autocratas, captura as instituições - característica dos golpes “cupim”, que corroem a democracia por dentro, não com tanques ou explosões.

Em 2019, quando a oposição se juntou nas eleições regionais, o Fidesz perdeu 10 das 23 maiores cidades do país, incluindo a capital Budapeste. Os resultados estimularam a costura de uma nova coalizão. Esse pacto uniu seis partidos, dos socialistas ao Jobbik, legenda de direita com raízes extremistas, que foi se moderando ao longo do tempo. Cada sigla tinha, sozinha, 14% das intenções de votos. Agora, a Oposição Unida marca empate nas pesquisas contra o Fidesz.

Péter Márki-Zay, o escolhido para enfrentar Orbán, é um católico que entrou para a política há menos de quatro anos. Seu perfil mais conservador foi considerado ideal para angariar eleitores descontentes com os rumos do atual governo. Ele teve o apoio até de notórios progressistas.

O que torna a votação na Hungria tão relevante para o mundo é justamente o advento de sua frente ampla. Uma derrota poderá espalhar a mensagem de que nem mesmo a improvável aliança entre quem pensa muito diferente, tendo a preservação de valores democráticos como denominador comum, é capaz de frear escaladas autoritárias.

2) EUA: 8 de novembro. As eleições legislativas no meio do mandato presidencial refletem habitualmente a popularidade do inquilino da Casa Branca. Desta vez, as “midterms” devem significar a perda de maioria do Partido Democrata na Câmara (provável) e no Senado (possível). Isso pode imobilizar o restante do governo Joe Biden, mas é o de menos. As consequências podem aparecer em 2024, com Donald Trump novamente candidato - pesquisa da Ipsos/Reuters o aponta como nome preferido de 54% dos eleitores republicanos.

E se Trump concorrer mesmo e perder em Estados-chave, por margem relativamente estreita, mais ou menos como ocorreu em 2020? E se ele repetir que as eleições foram roubadas, mas com a Câmara e o com Senado sob controle republicano? Ian Bremmer, fundador da Eurasia, já alertou que hoje o partido de Trump estaria mais vulnerável a seus apelos. É por isso que as “midterms”, normalmente um pleito bocejante para quem está fora dos EUA, importam tanto.

3) França: 10 e 24 de abril. É a segunda eleição seguida sem chances de vitória da esquerda, após o governo impopular do socialista François Hollande (2012-2017). Marine Le Pen, a candidata da extrema direita, foi atenuando o discurso ao longo do tempo. Seu partido adotou um verniz de normalidade e até mudou de nome, amenizou o antissemitismo e a xenofobia, engavetou a ideia de deixar o euro e a União Europeia. O plano era, depois de consolidar uma base radical, atrair os moderados.

Le Pen já havia obtido 34% dos votos no segundo turno em 2017. Diante do crescente tédio dos jovens com a política e o fortalecimento de movimentos antissistema, como os coletes amarelos, tornou-se ainda mais competitiva e vinha buscando aos poucos elevar seu teto para um novo duelo final contra Emmanuel Macron neste ano.

Surgiu então Éric Zemmour, com falas mais extremistas até do que a antiga versão sincerona de Le Pen. Eis o aprendizado para a ultradireita: é preciso manter o radicalismo, sem moderação, sob pena de abandono pelo eleitorado mais ideológico e da abertura de um flanco à direita.

Em clima de fratricídio, Le Pen e Zemmour agora dividem esse eleitorado e pontuam em torno de 15% cada um, afastando-se mutuamente do segundo turno. Bom para Valérie Pécresse, a candidata dos Republicanos (direita tradicional), que hoje desponta como favorita para chegar ao segundo turno, em que Macron tem presença garantida e ainda um discreto favoritismo. Pécresse é, ao mesmo tempo, um alívio para os moderados em geral e uma ameaça à reeleição do presidente, que preferiria enfrentar Le Pen ou Zemmour.

4) Colômbia: 29 de maio e 19 de junho. Com sua política contemporânea influenciada pelo combate às Farc e à ELN, a Colômbia ficou ao largo da “onda vermelha” que se espalhou pela América do Sul na década de 2000. Pela primeira vez, poderá ter um presidente de esquerda.

Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá e ex-guerrilheiro, lidera todas as pesquisas. Ainda é visto com receio por empresários e investidores. Há menos de dois meses, falou em taxar grandes fortunas, propriedades rurais e o “patrimônio improdutivo”. Quer proibir novas explorações de petróleo. Seu desafio, no segundo turno, será acalmar assustados com o fantasma do “comunismo”.

5) China: quarto trimestre. Xi Jinping pavimentou o caminho para um terceiro mandato, algo inusual para líderes chineses, no 20º Congresso Quinquenal do Partido Comunista. Não importa o resultado, previsível em ditaduras, mas os sinais. Foi no 19º Congresso, em 2017, que o “pensamento” de Xi foi igualado oficialmente ao de Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping. Na ocasião, ele delineou o plano para tornar a China uma líder global em 2050.

Agora a economia chinesa está em desaceleração, o regime aperta a repressão, indispõe-se com os bilionários e tenta levar adiante sua política de “prosperidade comum”. Ler nas entrelinhas será essencial. O PC também vigia mais do que nunca a história do país, buscando apagar capítulos sombrios da memória pública. Vale a máxima de George Orwell: “Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado”.

Valor Econômico

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