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sábado, janeiro 08, 2022

A combinação de fatores que deixa Brasil e América do Sul mais protegidos contra a ômicron




Alta adesão à vacinação é fator crucial para a relativamente mais alta proteção do Brasil contra a ômicron 

Enfermarias e pronto-socorros lotados de pessoas com problemas respiratórios retratam um momento preocupante da pandemia de covid-19 no Brasil, simultaneamente a uma epidemia de influenza.

Mas, em meio ao avanço global da variante ômicron, que demonstra ser muito mais transmissível, faz o mundo bater recorde de novos casos de covid-19 e já causou mortes por aqui, os dados e os especialistas sinalizam que o Brasil – junto a boa parte da América do Sul – tem atualmente barreiras de proteção mais robustas para evitar que a explosão de infecções resulte em altos números de casos pacientes graves e óbitos.

Em parte, isso se dá tanto por motivos positivos – como a alta adesão da população brasileira às vacinas – quanto por razões trágicas e ao menos parcialmente evitáveis, como a devastação causada no país por ondas e variantes prévias do coronavírus.

“Fomos a região do mundo que mais sofreu: temos o maior excesso de óbitos (em relação às mortes registradas em anos normais, pré-pandemia). Mas também somos a região que mais vacinou até agora. Esses dois eventos geram algum tipo de proteção”, diz à BBC News Brasil o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

A revista britânica The Economist combinou dados de duas universidades britânicas que estão monitorando a pandemia pelo mundo: o Imperial College London e a Universidade de Oxford, que produz a plataforma Our World in Data.

E, a partir de dados de vacinação e estimativas de porcentagem de populações já infectadas pela covid-19, colocou Chile, Brasil e Uruguai junto a Israel e Reino Unido (dois países com alta taxa de vacinação e rastreio de casos) como os que parecem estar mais protegidos contra a ômicron.

Isso nem de longe quer dizer dizer que é o momento de relaxar nas medidas preventivas. Nesta sexta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu que a ômicron não deve ser tratada como uma variante branda, porque já está provocando mortes e saturação em sistemas de saúde pelo mundo – embora estudos indiquem que ela tem menos probabilidade de causar casos graves do que as variantes anteriores do coronavírus.

A OMS disse que o número de casos globais aumentou em 71% na última semana – e, nas Américas, subiu 100%. A entidade afirma que, entre os casos graves em todo o mundo, 90% são em pessoas que não foram vacinadas.

Mas o argumento de Croda e outros especialistas é de que temos, no Brasil, mais ferramentas para nos protegermos desta vez – desde que consigamos ampliar a vacinação para os públicos que ainda não a receberam (como as crianças) e avançar com a aplicação das doses de reforço.

A alta vacinação

Os três países sul-americanos citados pela The Economist têm altas taxas de vacinação: no Chile, 86% da população está plenamente vacinada – um dos maiores índices do mundo, segundo o Our World in Data. E o governo chileno anunciou que começará a aplicar uma quarta dose da vacina no mês que vem, para grupos considerados prioritários ou vulneráveis.

O Uruguai tem 76% da população com o esquema vacinal completo.

O Brasil, por sua vez, vive o rescaldo de um apagão de dados oficiais, o que tem deixado no escuro pesquisadores e profissionais da saúde que tentam monitorar o rumo que a pandemia tem tomado por aqui.

Mas, de modo geral, o país tem registrado uma alta adesão à vacinação. A estimativa mais recente, provavelmente desatualizada, é de que em torno de 67% da população esteja com o esquema vacinal completo e que 15,4 milhões de doses de reforço já tenham sido aplicadas.

Embora o Brasil esteja, em relação a outros países, mais protegido contra a ômicron, precisa levar em conta a desigualdade regional na aplicação de vacinas, explica à BBC News Brasil o microbiologista Átila Iamarino.

“Nem todo lugar tem acesso à vacinação dessa forma: temos regiões do interior dos Estados do Norte onde a vacinação não chega a 40% da população de alguns municípios, e são regiões que estão enfrentando falta de leitos agora, por causa de ondas de casos causados ainda pela (variante) delta, antes mesmo da ômicron. Pela falta de vacinação, elas estão suscetíveis a qualquer uma das variantes”, diz o especialista.

“Pelo menos não temos aqui a concentração de grupos antivacina, como nos Estados Unidos e Europa, que montam focos onde a doença consegue circular muito bem”, agrega.

No cenário mais amplo, a América do Sul terminou 2021 como o continente com os mais altos índices do mundo de vacinação contra o coronavírus, com 63,4% de sua população imunizada com duas doses ou vacina de dose única, segundo dados divulgados no final de dezembro pela Organização Mundial da Saúde.

Se levarmos em conta quem tomou ao menos uma dose da vacina, esse índice sobe para 74,3% dos 434 milhões de habitantes sul-americanos.

Esse é o lado positivo dessa história.

O lado negativo é que a região chega a esse patamar depois de ter sido o epicentro mundial da covid-19 e acumulado os maiores índices de mortes pela pandemia em todo o planeta, a um enorme custo social, econômico e de saúde que deixou cicatrizes irreversíveis em milhões de famílias.

Imunidade por contágio

Não sabemos ao certo o quanto da população brasileira foi em algum momento infectada pelo coronavírus, já que o país nunca conseguiu estabelecer um programa amplo de testagem e rastreamento de casos.

Mas tudo indica que os números de infecções são bem maiores que os 22,3 milhões de casos confirmados oficialmente.

Julio Croda estima que entre 30 milhões e 60 milhões de brasileiros tenham pego covid-19 em algum momento, mesmo que assintomáticos. Iamarino acha que esse índice pode passar de 50% dos brasileiros – ou seja, mais de 100 milhões de pessoas.

É importante destacar que, apesar de infecções prévias oferecerem algum tipo de proteção contra a ômicron, essa proteção diminui com o tempo. Além disso, a nova variante tem se mostrado muito mais capaz de driblar a imunidade prévia.

Em dezembro, o Imperial College London estimou que o risco de reinfecção com a ômicron é mais de cinco vezes maior do que com a delta.

A nova variante também é mais eficiente em driblar a vacina – o que explica o recente aumento de testes positivos de covid-19 mesmo entre vacinados.

Mas isso não significa que a vacina não funciona, pelo contrário: a imunização faz com que a maior parte dessas infecções limitem-se a sintomas leves.

Apesar da superlotação no atendimento emergencial em hospitais e UPAs de várias cidades, ainda mais pressionada pela epidemia de influenza, “aqui no Brasil, a explosão da ômicron tem sido sem um impacto importante em hospitalizações e mortes – o que é efeito dessa combinação de fatores (de alta infecção prévia e alta taxa de vacinação)”, agrega Croda.

A ausência de dados oficiais atualizados torna mais difícil avaliar o atual cenário, mas a média móvel de óbitos por covid-19 tem se mantido estável no país, apesar do aumento de casos.

Doses de reforço e vacinação de infectados

O que, então, podemos aprender para tirar proveito dos pontos fortes do Brasil neste momento?

“A lição é que a vacina é essencial, e talvez com uma dose de reforço – é natural que a gente precise (de doses extras da vacina) para manter a resposta imune elevada”, explica Julio Croda.

“Quanto mais pessoas tiverem exposição (ao vírus) protegidas com a vacina, mais provavelmente teremos formas mais leves da doença e menos casos severos, mesmo com novas variantes”, diz ele.

Por sinal, uma pesquisa feita por Croda (e em processo de revisão por pares) aponta que, para pessoas que já haviam contraído o coronavírus, as quatro vacinas aplicadas no Brasil (CoronaVac, Janssen, Pfizer e AstraZeneca) propiciam um alto grau de proteção adicional contra sintomas de covid-19 ou contra formas graves da doença.

Para essas pessoas previamente infectadas, tomar duas doses de uma dessas vacinas (ou dose única, no caso da Janssen) traz uma proteção semelhante à de quem já recebeu a dose de reforço.

E, para quem não foi previamente exposto ao coronavírus, tudo indica que as doses de reforço serão cada vez mais importantes, já que elas recuperam a proteção perdida com o passar do tempo e com a evolução natural do vírus, em variantes que podem se tornar mais perigosas.

Os pontos fracos do Brasil: grupos vulneráveis

Ao mesmo tempo, o que deixa especialistas em alerta é a vulnerabilidade de alguns grupos diante de variantes mais infecciosas, em particular as crianças.

“É um grupo que nos preocupa, porque as crianças não têm acesso à vacina e não tiveram muita exposição à doença, já as escolas ficaram fechadas. Então é um grupo altamente exposto agora”, explica Croda.

Em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos, o que tem enfrentado resistência do governo de Jair Bolsonaro, crítico da vacinação infantil.

Na quinta-feira (6/1), o presidente criticou a aprovação da Anvisa e disse desconhecer casos de mortes por covid-19 nessa faixa etária – apesar de os números do próprio governo confirmarem que 301 crianças de 5 a 11 anos já morreram da doença no país.

Foi só no dia 5 que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que está prevista a chegada de 20 milhões de doses da vacina infantil da Pfizer ao Brasil neste primeiro trimestre, e mais 20 milhões no segundo trimestre.

Além da vulnerabilidade desse público, Átila Iamarino lista também outros obstáculos enfrentados pelo Brasil no momento: em meio à nova explosão de casos de covid-19, será mais difícil – e impopular – implementar medidas de isolamento social, em um momento em que a crise e o desemprego seguem altos no país.

“Vai ser mais difícil ter o distanciamento, apesar de haver a demanda. A pressão econômica e social é muito maior para as pessoas continuarem na rua, e com isso o vírus vai circular muito mais e atingir os mais suscetíveis, que são principalmente as crianças”, afirma.

Outra dúvida, diz ele, é qual será o desempenho da principal vacina que deu início ao programa de imunização contra covid-19 no Brasil: a CoronaVac.

Isso porque os países por onde a ômicron passou com mais força até agora, como África do Sul, Reino Unido e EUA, usam outro regime vacinal, explica Iamarino. E é desses países que saíram as principais lições e os principais estudos científicos sobre a ômicron até agora.

“Nosso alto índice de vacinação é com a CoronaVac, o que é ótimo – ela garantidamente salvou dezenas de milhares de vidas por aqui, quando a vacinação começou. Mas a gente ainda não tem um panorama tão claro de como ela se sai em relação à ômicron na população. É muito provável que ela previna a maioria das hospitalizações como as outras vacinas, mas a gente não sabe”, prossegue.

“É um ponto que eu não diria que é inseguro, mas é incerto. E a gente tem algumas populações de idosos que receberam só a CoronaVac, com duas ou três doses. Quem estudou resposta imune recomenda que essas pessoas recebam doses de reforço de vacina de RNA (no caso, a vacina da Pfizer). Esse é um ponto preocupante que pode fazer diferença aqui no Brasil”, conclui Iamarino.

Croda também ressalta que, no caso de doses de reforço, a resposta imune tem se mostrado maior quando se aplica uma vacina diferente daquela que foi aplicada nas doses iniciais.

POR PAULA ADAMO IDOETA

BBC Brasil / Daynews

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