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terça-feira, julho 07, 2020

Falsa demissão lança médica ao estrelato e alimenta heroísmo oportunista da cloroquina

por Fernando Duarte

Falsa demissão lança médica ao estrelato e alimenta heroísmo oportunista da cloroquina
Foto: Getty Images
A falsa demissão da médica Raíssa Soares a catapultou para o posto de uma das heroínas da cloroquina/ hidroxicloroquina no Brasil. Atuando no Hospital Regional Luís Eduardo Magalhães, em Porto Seguro, a médica ganhou notoriedade após receber uma ligação do presidente Jair Bolsonaro, em que o chefe do Executivo garante o envio do remédio para a cidade do extremo sul baiano. Nada nessa história faria sentido, se vivêssemos em tempos normais. Porém, definitivamente, não vivemos em tempos normais.

Tudo começa com o fato de uma profissional formada no âmbito da ciência tratar a cloroquina como a salvação da lavoura contra o coronavírus. A substância não teve eficácia comprovada e, recentemente, teve as recomendações para tratamento retiradas pela Organização Mundial da Saúde e outras autoridades sanitárias ao redor do mundo. No Brasil, no entanto, a ciência deu lugar à política e o Ministério da Saúde ainda mantém o remédio como opção para o enfrentamento à Covid-19.

Ainda assim, o Conselho Federal de Medicina não proíbe o uso da cloroquina. E sociedades médicas em geral adotam a prerrogativa de que o profissional pode prescrever o medicamento, caso acredite que esse é melhor tratamento. Acredito ser o caso de Raíssa. Porém, ao levantar a bandeira nas redes sociais, a heroína fez aquilo que Bolsonaro precisava: se tornou uma médica a defender que a cloroquina é a grande chance contra o coronavírus.

Dentro da lógica do discurso empregado pelo presidente, tudo isso faz sentido. Para completar a narrativa tresloucada, faltava a cereja do bolo: a médica bolsonarista foi vítima da “perseguição da esquerda”, que é contra a cloroquina. Pois bem. O roteiro não deixou buracos. A informação de que Raíssa foi demitida pelo governador Rui Costa correu o mundo e, nos submundos da internet, virou verdade. Ainda que a própria médica tenha informado que não renovou o contrato com o hospital por incompatibilidade de plantões com outras unidades de saúde em que trabalha. No universo das redes sociais, a verdade pouco importa. Então a informação falsa ganhou ares perfeitos de teoria da conspiração.

O resultado de toda essa balbúrdia (aprenda, Abraham Weintraub): a médica foi alçada ao estrelato, Bolsonaro capitalizou politicamente o episódio e Porto Seguro ganhou 40 mil doses de hidroxicloroquina, cuja eficácia está a anos-luz de ser confirmada. Após tantos recursos gastos para que o Exército produzisse o medicamento em larga escala, agora é torcer para que os comprimidos ao menos não tenham um destino típico das trapalhadas estatais: a lata do lixo.

Este texto integra o comentário desta terça-feira (7) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para as rádios A Tarde FM, Irecê Líder FM, Clube FM, RB FM, Alternativa FM Nazaré, Valença FM e Candeias FM. O comentário pode ser acompanhado também nas principais plataformas de streaming: SpotifyDeezerApple PodcastsGoogle Podcasts e TuneIn.

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