Helio Fernandes
Quando eu tinha 12 anos (desculpem, já órfão de pai e mãe desde os 7 anos, quando entrei na maravilhosa escola pública daquela época), de dia trabalhava num escritório, à noite fazia o ginasial no Pedro II, tendo como professores Antenor Nascentes, Euclides Roxo, Raja Gabaglia, os melhores nas suas especialidades.
O escritório ficava na Rua Senador Dantas, atrás da Cinelândia. Na hora do almoço, atravessava a Avenida Rio Branco, entrava no número 241 (o número é o mesmo até hoje, nesses 78 anos não houve renovação ou renumeração), onde funcionava o Supremo Tribunal Federal. De fora, um prédio comum, lá dentro duplamente imperdível. E eu não perdia mesmo.
Conheci então ministros de alta competência, me apaixonei pela História do Supremo. Já fui julgado três vezes por esses ministros, sempre ganhando, mas perdendo em outras “instâncias”. Vi e revi um prédio que poucos visitaram, as paredes e os tetos cobertos por obras de arte, que a maioria desconhece.
Depois da trágica, inexplicável e catastrófica mudança da capital, Carlos Veloso, presidente do Supremo, transformou aquele prédio num Centro Cultural admirável.
No discurso de inauguração, em determinado momento o ministro deixou de ler, ressaltou: “Tenho que ter muito cuidado ao falar sobre o Supremo, estou vendo ali o jornalista Helio Fernandes, uma das pessoas que mais conhece a História do Supremo”. Agradeci na hora, reitero agora.
(Outro registro indispensável: quando presidiu o TSE, Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Marco Aurélio Mello criou no Rio o Centro Cultural Eleitoral. Aproveitou a sede do Tribunal, um dos prédios mais inacreditáveis da cidade, enorme, todo de vidro, projetado por arquitetos italianos. Fica na Rua 1º de Março, onde toda a República se instalou. Também é indispensável uma visita, que seja por 20 ou 30 minutos).
Até 1960 (a “mudança”) frequentei habitualmente o Supremo. E escrevi sobre ele, sem restrições. Jamais imaginei que nos últimos 40 anos tivesse que discordar tanto e tão assiduamente de algumas das decisões, que os próprios ministros não entendiam, se desencontravam, se desentendiam, sempre se refugiando no indispensável mas iconoclasta “data venia”.
Hoje, o personagem principal (?) é o ministro Luiz Fux, não sei como conseguiu ser um dos 11 “notáveis” da ordem jurídica, participando contraditoriamente de julgamento irreversível. O ministro entra aqui pelo voto estapafúrdio, que palavra, e pelas explicações que se acha na obrigação de dar à comunidade.
O voto do ministro foi sofrível, menos do que razoável, não passaria no tão contestado mas indispensável exame e referendo da OAB. O surpreendente: Luiz Fux estava tão entusiasmado como se estivesse lendo a Encíclica “Rerum Novarum”, de sua autoria. Já se sabia como ele votaria, mas não sobrou dúvida, quando na primeira linha, chamou a “ficha limpa” de lei “BENFAZEJA”. Só ele usaria essa palavra.
Já gastei tempo exagerado com um voto nada exemplar. Vejamos as suas caminhadas pelo terreno ainda mais pedregoso do que a tribuna do Supremo. Primeira afirmação dada por Fux a repórteres: “Dizem que desempatei o julgamento, um absurdo. Apenas acompanhei a vontade MAJORITÁRIA dos ministros”.
Impressionante a declaração do novo Ministro. O primeiro julgamento terminou em 5 a 5, o segundo em 7 a 3 a favor da “ficha limpa”, por causa da grandeza do Ministro Celso de Mello, seguido do exibicionismo sem constrangimento do ministro presidente, Cezar Peluso.
Onde é que o ministro Fux encontrou a “vontade majoritária” num empate e numa derrota? Como gosta tanto de aparecer, está obrigado, agora pela necessidade, a esclarecer os números. O ministro não conhece nem aritmética, a parte menor e mais insignificante da matemática.
Continuando, Fux garantiu que nos “meus votos, procuro equilibrar RAZÃO e SENSIBILIDADE”. Acho que o ministro está vendo muita televisão por assinatura. Há anos, foi exibido nos cinemas um filme com o título de “Razão e Sensibilidade”. Agora, esse filme é mostrado na televisão, de três a quatro vezes por semana, na TV paga.
E finalmente, paremos por aqui. Fux não fez por menos: “Debaixo da toga do juiz também bate um coração”. Pode até ser, mas a oportunidade não seria para justificar o voto obrigatório condenando um simples deputado estadual? Já condenado por enriquecimento ilícito, irregularidade no exercício de cargos públicos, compra de votos.
Um elenco tão assustadoramente negativo, que não podia merecer um voto a favor. Acredito mais, que o agora ministro do Supremo queira se livrar de qualquer comparação com magistrados que costumam dizer: “Para mim só existe o que está nos autos. O que não está nos autos não examino nem me interessa”. É bom se livrar de parecer com muitos que não percebem que, por trás dos processos, está a coletividade.
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PS – Quem acertou em cheio, e duas vezes, foi o ministro Lewandowsky. Uma no TSE e outra no STF. No TSE a “ficha limpa” venceu por 6 a 1, acabou referendada pelo Supremo.
PS2 – No Supremo, afirmou: “Cada caso é um caso, as decisões podem ser diferentes”. Perfeito. O julgamento sobre um mísero deputado estadual não pode firmar jurisprudência.
PS3 – “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode alcançar a nossa vão filosofia”. Alguns ministros sabem disso.