Dora Kramer
Da corrupção filmada com deputado enfiando dinheiro nas meias até a entrega da investigação a investigados, suspeitos e amigos dos acusados, passando pela concessão do perdão do governador flagrado na partilha aos seus “agressores”, tudo é exagerado – ao molde das más comédias – no caso do esquema de distribuição de propinas descoberto pela Polícia Federal no governo de Brasília.
Descontada a exacerbação do descaramento, nada diferencia a condução do caso na Câmara Distrital da capital da República da prática no Congresso Nacional de manipular toda e qualquer investigação que ameace o Poder do lado interno ou externo da Casa.
Em Brasília, passado o susto com o impacto provocado pelas imagens entregues à polícia pelo delator e operador do esquema, o cinismo voltou a imperar, resultando na montagem de uma empulhação destinada a permitir que, do governador aos deputados, todos cumpram em paz seus mandados até o último dia.
Foram criadas três instâncias de proteção. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as “irregularidades” do governo em que presidente e relator são ex-secretários do governo, o vice-presidente é um aliado e apenas um dos integrantes não faz parte da base de sustentação de José Roberto Arruda.
Na Comissão de Constituição e Justiça, encarregada de admitir ou não a tramitação dos pedidos de impeachment contra o governador, foi eleito um novo presidente: Geraldo Naves, amigo assumido do governador Arruda e do vice, Paulo Octávio, aos quais teve oportunidade de visitar várias vezes desde o início do escândalo, a fim de emprestar solidariedade.
Na comissão especial que examinará os pedidos de impeachment caso eles passem pelo crivo da CCJ, a maioria também é governista.
Segundo a deputada Eliana Pedrosa, ex-secretária do governo, nada disso impõe às investigações qualquer “viés” pró-Arruda. De acordo com ela, é incorreto falar em “governistas” já que o governador está sem partido.
De fato, depois de sair do DEM – partido de Eliana, por sinal –, o governador ficou sem legenda partidária, mas continuou de posse do governo. E, com ele, da maioria dos 17 entre os 24 deputados distritais que, se tudo o mais der errado, vão votar o destino do governador no plenário.
Todo esse arcabouço de desfaçatez presidido por quem? Pelo deputado que enfiou dinheiro nas meias, Leonardo Prudente, presidente da Câmara Distrital, de volta ao cargo depois de breve licença.
E para quem ainda sente dificuldade em ligar o nome desse jogo à pessoa do Congresso Nacional, o presidente da CPI do Arruda, Alírio Neto, esclarece comparando a “sua”comissão à CPI da Petrobrás: “No Congresso, a presidência da CPI ficou com o governo, não vejo dificuldade nenhuma.”
De fato, só se vislumbram facilidades. Para o governador e os dez deputados distritais envolvidos no escândalo. Entre eles, Eurides Brito, filmada literalmente embolsando dinheiro, mas com seu assento mantido intacto na Comissão de Constituição e Justiça.
Isolada, a líder do PT, Érica Kokay, analisa o quadro: “Tudo indica que há uma articulação do governador para que o processo de crime de responsabilidade seja arquivado.”
Noves fora a ingenuidade simulada, a deputada sabe muito bem do que fala, pois o exemplo lhe é partidariamente familiar.
Coreografias
Se é verdade mesmo que o presidente Lula seis dias antes da assinatura do decreto orientou o secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, a retirar do texto sobre a Comissão da Verdade a referência à punição aos torturadores, alguém enganou alguém.
Lula teria sido alertado do equívoco pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, no dia 15 de dezembro. Quando o decreto saiu no Diário Oficial com o texto inalterado, Jobim e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, apresentaram seus pedidos de demissão, mas recuaram em seguida.
Como o secretário não foi admoestado pelo ato de quebra de confiança, o mais provável é que Lula não tenha pedido modificação alguma. Até porque, se pediu, o normal teria sido verificar se havia sido atendido.
Obviamente o raciocínio não escapa ao tirocínio da cúpula da Defesa, o que faz do ato da demissão coletiva um balé.
Quem cala
Quando parlamentares e dirigentes do PSDB se manifestam em clima de campanha e de candidatura presidencial definida, não contrariam – como rezam algumas interpretações – o governador de São Paulo, José Serra.
Apenas cumprem o com ele combinado: enquanto o partido fala, o candidato cala.
Prolixo
O Programa Nacional de Direitos Humanos contempla 521 medidas. Mais que o dobro da Constituição com seus 250 artigos, já considerados excessivos.
Fonte: Gazeta do Povo
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