Dora Kramer
Se a realização de uma reunião entre o presidente da República e seu ministério em uma das residências oficiais da Presidência, a Granja do Torto, em que dos 14 pontos abordados 12 são de caráter político-eleitoral, não é uso da máquina pública, difícil definir o que seja abuso de poder.
Decisões de governo propriamente ditas foram anunciadas duas: a alteração da previsão de crescimento do PIB de 5% para 5,2% e o anúncio do lançamento do PAC 2 para fim de março. Nada que precisasse da moldura de uma reunião ministerial para ser dito.
* Saiba mais
* Comparação incomparável
* Desmonte exemplar
* Parceria de adversários
Mas o cenário imponente foi usado ao molde da necessidade do presidente Luiz Inácio da Silva em exibir todo o seu peso como cabo eleitoral da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Deu o recado: é o governo em ação.
E explicitou tarefas, uma a uma, à vontade como se estivesse no comitê central da campanha à própria sucessão.
No centro da mesa, rodeado de ministros, Lula avisou que quer mesmo uma eleição plebiscitária. Ponto um.
Ponto dois: afirmou que o lema será “quem sou eu contra quem és tu”. Por “eu e tu” entenda-se Lula e Fernando Henrique Cardoso. Uma maneira de o presidente não apenas se aproveitar da situação desfavorável a FHC nas pesquisas, mas principalmente de conferir ao governador José Serra o status de pupilo, procurando igualá-lo a Dilma.
Ponto três: insultou o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, porque ele teve a ousadia de dizer que se seu partido ganhar a eleição vai acabar com essa história de chamar cronograma de obras de governo de PAC.
Ponto quatro: pediu a Dilma que faça uma campanha de alto nível.
Ponto cinco: orientou os ministros para que fiquem longe do tiroteio eleitoral.
Ponto seis: determinou a todos que tenham na ponta da língua dados para rebater os ataques da oposição.
Ponto sete: informou que Dilma fica no governo até 3 de abril e determinou aos demais ministros candidatos que façam o mesmo.
Ponto oito: informou que em breve vai conversar com Ciro Gomes sobre a candidatura dele a presidente.
Ponto nove: lembrou que o governo perdeu a eleição no Chile porque se dividiu.
Ponto 10: ordenou ao ministro da Fazenda e ao presidente do Banco Central que falem sobre dados que afetam a vida das pessoas e evitem a macroeconomia, tema de difícil entendimento para o eleitor médio.
Ponto 11: lançou o vice-presidente José Alencar candidato ao Senado por Minas.
Ponto 12: comunicou que Dilma continua estrela do PAC, mesmo no palanque.
Ponto final: se isso não é uso da máquina pública em prol de interesse particular, Deus nos livre do momento em que a coisa apertar e o abuso começar.
Voto obrigatório
Os males da burocracia e do sistema de voto obrigatório no Brasil se expressam com clareza no relato de um leitor que pede anonimato. Português, casado com brasileira, residente em uma capital nordestina e dependente de decisão judicial para assumir a vaga de professor de filosofia na rede estadual da Paraíba.
Ele passou no concurso público, foi chamado para assumir, mas perdeu a data da posse porque o Ministério da Justiça não emitiu a tempo – no prazo de três meses – a concessão de igualdade de direitos políticos, alegando problemas no sistema informatizado de emissão de portarias.
O cidadão deixou de votar em Portugal, e passou a ser eleitor no Brasil. Nem por isso conseguiu assumir a vaga conquistada. Sendo o voto obrigatório, o documento de condição eleitoral é determinante.
O professor recorreu à Justiça, ganhou, mas o estado recorreu e agora aguarda a decisão em segunda instância.
Atualidade
Em setembro de 2008, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), deu uma entrevista ao jornal Valor Econômico falando sobre a capacidade de transferência de votos que, na opinião dele, é relativa. Para qualquer político.
O governador partia do princípio de que as pesquisas não são lidas de maneira correta pela maioria. Segundo ele, quando elas dizem que para 60% das pessoas o apoio do presidente Lula é benéfico, isso quer dizer que o candidato dele tem sua vantagem aumentada naquele porcentual e não que seja potencialmente dono dos 60% das intenções de voto.
“Se o cara tem 1%, com o apoio de Lula terá 1,6%. Mas as pessoas querem ler assim: se o presidente Lula botar a mão eu saio de zero para 60%, o que não é verdade.”
Segundo Jaques Wagner, o apoio conta, mas não define. Se o eleitor não gostar do candidato ele dirá: “Vai me desculpar, Lula, mas nesse aí eu não voto.” Então, concluía o governador, “não funciona aquela ideia do ‘eu elejo um poste’, não existe isso”.
Não falava de Dilma nem de ninguém em particular. Era apenas a defesa de uma tese geral.
Fonte: Gazeta do Povo
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