Carlos Chagas
Senão abaixo da linha da cintura, ao menos no umbigo eles já começaram a bater. Não parece nada edificante essa nova etapa da sucessão presidencial que vem por aí.
O presidente Lula, cada vez mais encarnado na candidatura Dilma Rousseff, demonstrou que a disputa é com ele, não com ela, ao recomendar a José Serra que meta o pé no barro, mostre que trabalhou mais como governante e não durma até às 10 da manhã. Denunciou uma estranha relação do adversário com “um formador de opinião pública”, sem dizer quem era.
O já hoje ex-governador de São Paulo manifestou repúdio à espetacularização e à busca pela notícia fácil, acentuando nunca haver cedido à demagogia nem incentivado o silêncio da cumplicidade ou a conivência com o mal-feito. Arrematou sustentando que não se pode governar com roubalheira.
Interprete como quiser, quem quiser, mas a verdade é que os contendores já se agridem com virulência, apesar da ausência de citações nominais. Afinal, quem dorme até 10 da manhã, mesmo com a contrapartida de deitar-se às 4 da madrugada? No reverso da medalha, a roubalheira não se refere ao mensalão e penduricalhos? O que dizer do silêncio da cumplicidade?
Fluindo a corrente como vai, logo a sucessão se transformará num debate marcado pela baixaria e as agressões pessoais entre Lula e Serra, obrigando Dilma a adotar a mesma estratégia. Para evitar a lambança explícita, só mesmo Aécio Neves, cada vez mais próximo de ser levado pelo destino à candidatura à vice-presidência na chapa tucana. Na mesma hora em que o presidente e o governador paulista trocavam farpas do tamanho de postes, o mineiro aconselhava “superar a lógica do enfrentamento pela lógica do entendimento”. Conseguirá?
Absurdos
Assumiram oito vice-governadores no lugar dos titulares que, desincompatibilizando-se, concorrerão ao Senado. Já haviam sido reeleitos, não podiam pleitear um terceiro mandato.
O estranho nessa história é que muitos dos vice-governadores agora em exercício posicionam-se para disputar os governos, em outubro, e não precisarão deixar os cargos. Da mesma forma como os governadores de primeiro mandato, em busca do segundo.
Trata-se de um absurdo, tendo em vista que para pleitear cadeiras no Senado ou, mesmo, a presidência da República, os governadores têm que renunciar. Para reeleger-se uma vez, não é preciso. Nem eles, nem os prefeitos e nem os presidentes da República. É o que dispôs a emenda constitucional da reeleição, imposta ao Congresso por Fernando Henrique Cardoso, apenas para que pudesse concorrer a um segundo mandato, depois de haver sido eleito apenas para o primeiro. Sem largar o osso.
A hora de se rever essa anomalia está chegando. Poderá constituir a primeira grande reforma política promovida pelo novo Congresso, a instalar-se ano que vem.
Jobim é o favorito
Caso o Supremo Tribunal Federal aprove o pedido de intervenção federal em Brasília, provavelmente dia 23 deste mês, no governo o nome mais cotado para interventor é o do ministro Nelson Jobim, que precisaria deixar a Defesa. Caberá ao presidente Lula definir os limites e os personagens da intervenção, capaz de atingir também o Legislativo local. Como não há precedentes na vigência da Constituição de 1988, prevê-se uma negociação prévia entre o Planalto e o Supremo. Adiantaria muito pouco, assim, a Câmara Legislativa local eleger um governador-tampão.
Fantasmas do passado
No segundo semestre de 1937 a sucessão presidencial estava nas ruas. O governador de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, havia renunciado para concorrer pela oposição, representante que era das elites e da oligarquia cafeeira. Getúlio Vargas, então presidente, pensou em lançar outro paulista para dividir o estado, mas Macedo Soares refugou. Surgiu, assim, a candidatura dita situacionista do ministro da Viação, José Américo de Almeida, com pruridos socialistas.
Na verdade, Getúlio manobrava para permanecer no poder, contando com o apoio das Forças Armadas e alegando o perigo comunista, para ele impossível de ser vencido dentro das normas democráticas da Constituição de 1934. Era tudo uma farsa, aparecendo até mesmo uma denúncia falsa da tomada do poder pelos comunistas, o Plano Cohen.
A imprensa estava cooptada. Aa elites, também. Até uma nova Constituição foi elaborada em segredo, de cunho nitidamente fascista.
Os dois candidatos tiveram conhecimento do golpe em marcha. Reuniram-se e lançaram um manifesto, onde no final apelavam para os militares, “à espera do gesto que mata ou da palavra que salva”. Não adiantou, a 10 de novembro Getúlio criou o Estado Novo e instaurou a ditadura.
Ainda bem que o passado não se repete, senão como farsa. Depois da queda do muro de Berlim desapareceu o perigo comunista. E as Forças Armadas mantém-se completamente afastadas da política…
Fonte: Tribuna da Imprensa