Carlos Newton
Demorou, mas acabou acontecendo. Desta vez, o ministro Gilmar Mendes ultrapassou todos os limites, ao desprezar o minucioso parecer da Procuradoria-Geral da República e anular todas as condenações do ex-ministro José Dirceu, sob argumento de que ele teria de ser beneficiado, por extensão, pelo cancelamento das condenações de Lula da Silva, como se os processos fossem semelhantes, embora sejam absolutamente desiguais.
Para o ministro-relator, porém, haveria pelo menos uma semelhança, porque as condenações de Lula foram anuladas por imparcialidade do então juiz Sérgio Moro, o mesmo magistrado que condenara Dirceu, vejam a que ponto chegamos.
ERROS SUCESSIVOS – Aliás, em matéria de erros gravíssimos em processo da maior importância, envolvendo corrupção de presidente da República e outras autoridades, o Supremo brasileiro hoje é portentoso.
No caso da “descondenação” de Lula, por exemplo, o Supremo só poderia anular as condenações feitas pelo juiz Moro. Na prática, porém, foi anulada também a sentença da juíza Gabriela Hardt, no caso do sítio em Atibaia, que tinha sido confirmada por unanimidade em segunda e terceira instâncias (TRF-4 e STJ).
Ora, como não é possível confundir Gabriela Hardt com Sérgio Moro, desta vez o Supremo cometeu um erro essencial de pessoa, o mais primário e ridículo dos tropeços judiciais. Portanto, o acórdão do STF jamais poderia limpar a ficha imunda de Lula, para ele ser candidato em 2022. E Lula jamais poderia ser candidato, pois nunca foi anulada sua condenação pela juíza Hardt, tecnicamente está valendo até hoje
GILMAR SE SUJA – Agora, o prepotente Gilmar Mendes se suja e enlameia o Supremo, ao conceder a Dirceu o mesmo suposto direito de Lula. Na ânsia de servir ao petismo, ele esqueceu que os casos são totalmente diversos, jamais foi hackeada nenhuma conversa do juiz Moro sobre Dirceu.
Mendes esqueceu também que o próprio Supremo já firmou jurisprudência contra a extensão do benefício de Lula a outros meliantes.
Mas chegamos à hora da verdade. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, é amigo íntimo e ex-sócio de Gilmar, mas tem de cumprir seu dever de apresentar recurso contra a decisão monocrática do velho companheiro. Caso contrário, vai se misturar à imundice.
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P.S. – O erro de Gilmar é tão podre que o fedor chegou até o Superior Tribunal de Justiça, cujos ministros decidiram desprezar a anulação das condenações e até marcaram para 3 de dezembro o julgamento de um recurso apresentado por José Dirceu. E o cheiro da podridão está aumentando, enquanto la nave va, cada vez mais fellinianamente. (C.N.)