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sábado, outubro 01, 2022

Afinidades políticas de policiais e militares colocam em risco atuação na segurança das eleições?




Organizações da sociedade civil têm cobrado comprometimento dos comandos de controle com uma postura democrática de seus quadros

Por Mariana Alvim, em São Paulo

Organizações da sociedade civil têm manifestado preocupação acerca do possível comportamento de setores das forças de segurança nos dias de votação, já que agentes das polícias e das Forças Armadas estão escalados para garantir a ordem e a segurança das eleições a partir deste domingo (02/10), quando ocorre o primeiro turno.

São eles que deverão fazer, entre outras atividades, a guarda das urnas eletrônicas e agir em caso da recusa de eleitores a seguirem regras como não levar celulares até as cabines de votação.

Em uma reunião no fim de agosto, organizações brasileiras manifestaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) preocupação com a possibilidade de que as preferências políticas de agentes desviem sua conduta durante as eleições.

Embora seja difícil encontrar dados que quantifiquem essa associação, há uma percepção amplamente disseminada de que boa parte dos policiais e militares brasileiros apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição que em diversas ocasiões fez declarações violentas sobre opositores e atacou o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas.

"Não há garantias em relação ao comportamento das forças de segurança porque muitos de seus membros estão cooptados pelo bolsonarismo", disse Claudia Maria Dadico, da Associação dos Juízes pela Democracia (AJD), em reunião com a presidente do CIDH, Julissa Mantilla.

Também participando da reunião, a constitucionalista Estefânia Barboza, do grupo Demos - Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil, pediu proteção a mesários e a juízes eleitorais.

"Nós temos a preocupação de que mesários possam sofrer algum tipo de violência em zonas eleitorais, e nós não sabemos se as forças policiais e as Forças Armadas se colocarão ao lado da democracia ou ao lado do discurso de fraude, caso o presidente Bolsonaro perca a eleição", afirmou Barboza.

Nesta quinta-feira (29/9), o Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro (RJ) conduziu uma reunião com representantes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar e Guarda Municipal pedindo que orientem seus agentes sobre o papel das polícias no processo eleitoral.

Um documento do MPF no Estado diz que a iniciativa pretende "prevenir condutas de agentes estatais, especialmente in sito, que por desconhecimento, deficiência instrutória específica, e mesmo negligência causem, ainda que involuntariamente, danos ou ameaças ao regime democrático por práticas ou omissões que atentem contra a ordem e a paz eleitoral".

A defesa do regime democrático "não é uma opção para os agentes públicos encarregados da segurança pública e da persecução: é um dever e um compromisso de posse", continua o documento.

O MPF no RJ anunciou ainda que, neste fim de semana de votação, seu Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial estará de prontidão para reagir a eventuais ocorrências envolvendo agentes de segurança. As medidas foram anunciadas depois que as organizações Pacto pela Democracia, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Human Rights Watch, Rede Liberdade e Transparência Internacional Brasil pediram à Procuradoria Regional Eleitoral medidas para garantir que as forças de seguranças vão prevenir e coibir eventuais abusos por parte dos agentes.

'Rio de Janeiro será Estado com mais municípios recebendo reforço das Forças Armadas na eleição'

Em caso de condutas irregulares de agentes, os cidadãos podem procurar instituições que estarão de plantão no domingo, como os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) ou o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — cujo aplicativo "Pardal" permite o envio de denúncias. Os ministérios públicos e algumas representações estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também terão plantões.

Procurado pela reportagem, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) e secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Júlio Danilo, afirmou por meio de nota que tais preocupações não chegaram a ser discutidas pela entidade, que reúne secretários de segurança de todo o país.

Já o Ministério da Defesa não respondeu às perguntas da BBC News Brasil sobre como se posiciona em relação às inquietações de representantes da sociedade civil e como responderia a eventuais condutas inadequadas de militares trabalhando nas eleições.

A assessoria de imprensa da pasta enviou uma nota afirmando apenas que "durante as eleições, tradicionalmente, as Forças Armadas atuam no apoio logístico e no transporte de urnas eletrônicas, pessoas e materiais para locais de difícil acesso", além de garantirem que "os processos de votação e de apuração, realizados pela Justiça Eleitoral, ocorram dentro da normalidade".

Preocupação com armas

No último dia 21, em reunião com o presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, servidores da Justiça Eleitoral também disseram estar preocupados com a atuação dos agentes de segurança nos dias de votação.

Presente na reunião com Moraes, Fernanda Lauria, coordenadora da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), diz que individualmente todo agente de segurança tem direito a ter sua opinião política, mas teme a postura violenta que tem sido demonstrada por parte dos apoiadores de Bolsonaro.

Para Lauria, um dos cenários que mais preocupam é relativo à restrição de armas nos locais de votação. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o porte de armas no perímetro de 100 metros dos locais de votação nas 48 horas que antecedem e nas 24 horas que sucedem o pleito — com exceção, claro, dos agentes de segurança em serviço.

"Para que seja cumprida essa determinação (proibição a armas), obrigatoriamente a polícia vai ter que atuar, e aí a gente realmente depende dela. Como uma pessoa sem arma ficaria em falar com uma pessoa armada que ela não pode entrar naquele local?", diz Lauria, apontando para a vulnerabilidade dos presidentes de mesa e mesários que trabalharão nos locais de votação.

"A gente tem receio de que, numa hora dessas, um policial militar que seja bolsonarista não atue como deveria. Mas é uma sensação, o ministro garantiu que isso não aconteceria, porque muitas reuniões com as forças de segurança têm sido feitas", continua a servidora, referindo-se às polícias militares pois elas estarão trabalhando com "contingente máximo" neste fim de semana e são as principais responsáveis pelo policiamento ostensivo.

Em 24 de agosto, os ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, do TSE, se reuniram com comandantes-gerais das polícias militares de todo o Brasil. No encontro, o coronel Paulo Coutinho, à frente da Polícia Militar da Bahia e presidente do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais (CNCG), garantiu que as PMs estão preparadas para atuar "na garantia do exercício da cidadania e do estado democrático de direito".

No dia em que o TSE decidiu que eleitores não poderão levar celulares às cabines de votação, em agosto, o ministro Ricardo Lewandowski disse que os policiais devem garantir que a regra seja cumprida.

"Se alguém fraudar essa determinação legal, portando eventualmente um segundo celular ou insistindo em ingressar na cabine indevassável com o celular, ele estará cometendo ilícito eleitoral e deverá ser reprimido pelo mesário, pelo presidente que está, enfim, presidindo os trabalhos da sessão, e se necessário, com auxílio da força policial", afirmou o ministro.

Como mostrou a BBC News Brasil mês passado, os TREs contam fortemente com as polícias e as Forças Armadas no planejamento e na realização das eleições localmente. O TRE do Paraná, por exemplo, afirmou que fez diversas "visitas aos batalhões da Polícia Militar em todo o estado para demonstrar a segurança e a transparência do processo de votação". O TRE de Santa Catarina afirmou que haverá um policial ou uma viatura em todos os 3.400 locais de votação, e no RJ, o TRE prevê policiamento "em todos os quase 5 mil locais de votação no Estado".

O RJ será o Estado com mais municípios recebendo apoio das Forças Armadas: 167 cidades. Em todo o país, 11 Estados que pediram reforço receberão militares — um tipo de apoio que está previsto na legislação desde 1965.

Antecedentes que geram desconfiança

'Participação do general Pazuello de manifestação ao lado do presidente não configurou transgressão disciplinar, na avaliação do Exército'

Membro do grupo Demos - Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil, assim como Estefânia Barboza, o professor de direito constitucional Emílio Peluso avalia que, nas últimas semanas, o cenário de uma ruptura institucional e orquestrada na democracia brasileira tem se mostrado mais improvável.

Entretanto, Peluso teme que haja distúrbios antidemocráticos "pulverizados" pelo país e afirma que estes são mais prováveis em Estados onde os governadores não têm controle firme de suas polícias.

"Controla-se muito as polícias nos Estados por meio da forma com que o governador consegue temperar eventuais demandas sobre questões fundamentais para polícias de todos os Estados: as questões salariais", exemplifica, lembrando como caso preocupante um motim de policiais no Ceará em fevereiro de 2020.

"Em não havendo essa situação, a gente pode ver alguns cenários bem conturbados sobre o que pode acontecer eleitoralmente."

As Forças Armadas tampouco têm dado bons exemplos para seus quadros, diz o constitucionalista, dando como uma amostra disso a decisão do Exército de arquivar um processo acerca da participação do general Eduardo Pazuello em uma manifestação no Rio de Janeiro ao lado de Bolsonaro, de quem foi ministro da Saúde.

"Em geral, vamos ter situações de agressão a esses princípios de hierarquia e disciplina que depois são respondidas com anistias ou conciliações que, ao final, acabam por mostrar que não se confia tanto nesses valores."

"Ainda que se veja militares de baixa patente tentando agir em conformidade e sendo responsabilizados através de processos administrativos, você tem exemplos muitos ruins de alta patente agindo em plena desconformidade com o que determina a legislação e o que determinaria princípios básicos de hierarquia e disciplina. Ao longo do governo Bolsonaro, esses exemplos não faltaram", afirma Peluso.

"A gente ter uma estrutura na qual o presidente destina 6 mil militares para atuarem em funções que seriam destinadas principalmente à administração pública civil já demonstra que há um certo descolamento ao que se espera das forças."

Já Vidal Serrano Nunes Júnior, subprocurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que tem conduzido reuniões sobre as eleições com representantes de órgãos de segurança do Estado, diz não acreditar que haverá "algo sistêmico" no comportamento indevido de agentes — ao menos do que tem observado em São Paulo.

"Se houver algum tipo de conduta de um policial que quebre o seu dever de imparcialidade e de impessoalidade, isso evidentemente vai ser apurado e punido, mas não acredito em algo sistêmico", afirma Nunes Júnior. "As polícias fizeram uma programação grande em relação ao tema e medidas de precaução estão sendo tomadas pela própria secretaria de segurança." 

BBC Brasil

O processo de redemocratização do Brasil ganha uma nova chance.




Mas precisaremos de mudanças para aproveitá-la.

Por Fernando Gabeira (foto)

No momento em que a extrema direita está prestes a deixar o governo no Brasil, a italiana acaba de vencer as eleições. No caso deles, é a primeira vez desde a 2.ª Guerra Mundial.

Enquanto os italianos têm de discutir como lidar com essa forca política, aqui, no Brasil, o debate ainda incipiente é como evitar que retorne com sua política de armar a população, destruir os recursos naturais, esvaziar a produção científica e cultural e isolar o País no mundo.

Nos primeiros passos para abordar o fenômeno, tenho acentuado que o dínamo do crescimento da extrema direita europeia não está presente no Brasil: o medo diante dos movimentos migratórios.

Umberto Eco, no seu pequeno livro Migração e intolerância, fala das dificuldades dos animais e mesmo das crianças de conviverem com o diferente. Tive a oportunidade de assistir, nas praias italianas, à chegada maciça dos albaneses, quando ruiu o império soviético, no final do século 20. Eco menciona essa presença albanesa para registrar que alguns desses imigrantes se perderam para o crime e a prostituição. Mas esse fenômeno pontual acabou sendo visto por alguns como típico dos imigrantes. Ele mesmo exemplifica essa distorção com o exemplo de alguém que tem a mala roubada num outro país e acha que ali todos são ladrões.

Suas conclusões são bem realistas: educar para a tolerância adultos que atiram por motivos étnicos e religiosos é tempo perdido; a intolerância deve ser combatida por meio de educação constante, antes que se torne uma casca comportamental espessa e dura demais.

Naturalmente, em países como o Brasil e a Itália, onde aconteceram as famosas Operações Mãos Limpas e Lava Jato, a decadência do processo democrático se torna um grande impulso para a ascensão da extrema direita. As pessoas parecem se cansar do jogo político, perdendo o que resta de esperança nele.

São, portanto, dois movimentos a investigar: a vulnerabilidade democrática de um lado e os mecanismos de intolerância latentes na psicologia humana.

Mesmo sem fluxos migratórios, a extrema direita brasileira conseguiu produzir seus inimigos. Ela tem um grande apego às armas e à masculinidade, como nos tempos italianos de Mussolini. Orientações sexuais diferentes são estigmatizadas: menino é azul, menina é rosa, e pronto. As comunidades tradicionais, cujos território e identidade religiosa e cultural são garantidos pela Constituição, são vistas com desconfiança. Bolsonaro já disse muitas vezes que os índios precisam se integrar à sociedade. E a desconfiança se estende aos artistas, pesquisadores e cientistas.

Umberto Eco fala, também, do integrismo, que difere do fundamentalismo por tentar fazer com que uma visão religiosa se transforme também numa visão política.

Não se trata apenas de contestar fatos como a forma da Terra, mas de algo maior: tentar fazer com que a Bíblia e a própria Constituição sejam textos complementares, sem contradições.

Nas últimas semanas de campanha, Bolsonaro enfatizou o que a imprensa chama de luta de costumes, mas na realidade é uma tentativa de aproximar política e religião, uma transmutação de candidato em missionário, que diz como as pessoas devem se comportar na sua vida íntima.

Nas circunstâncias europeias e também num contexto parlamentarista, a extrema direita italiana deverá apresentar uma visão mais sofisticada que a brasileira.

Um dos primeiros discursos de Giorgia Meloni fala de sua identidade, como italiana e mulher, e acusa um sistema que faz das pessoas dóceis consumidoras. Aparentemente, é uma visão antissistêmica diferente da de Bolsonaro, que se restringe ao universo político, sem menções à economia.

O simples fato de a extrema direita italiana e a francesa serem lideradas por mulheres já estabelece uma diferença básica, uma vez que Bolsonaro e seus adeptos veem a ascensão das mulheres como mais uma das tramas do que chamam de marxismo cultural. Esse dado é até sociológico: nas pesquisas de intenção de voto, Lula tem o dobro de votos de Bolsonaro entre as mulheres.

Enfim, extrema direita entrando, extrema direita saindo, nas circunstâncias de crise econômica e degradação democrática, é razoável contar com esta presença no horizonte e, sobretudo, estudar melhor seu discurso. A pior das situações é tocar as coisas como se não tivesse acontecido nada, como se esse momento da história do Brasil, que é também um momento mundial, não contivesse nenhuma lição, e tentar recomeçar a vida exatamente como antes.

Há quem ache que a extrema direita brasileira seja idêntica ao bolsonarismo. De fato, Bolsonaro é um líder popular, sobretudo depois da facada em Juiz de Fora, e tem uma linguagem muito acessível aos seguidores. Mas nada impede, como aconteceu na França, que haja renovação e também aprendam algo com a derrota.

É toda uma nova época que começa, sob a capa ilusória de uma continuidade. A tendência é sempre achar que as grandes batalhas são uma repetição das anteriores. Assim naufragam os generais.

O processo de redemocratização do Brasil ganha uma nova chance. Mas precisaremos de mudanças para aproveitá-la.

O Estado de São Paulo

1 É preciso devolver o Estado aos brasileiros - Editorial




O aparelhamento político-ideológico da máquina pública é um completo desastre: prejudica a prestação de serviços públicos à população, estimula a divisão do País e promove conflitos

Uma das prioridades do País para o próximo governo é o desaparelhamento político-ideológico da máquina estatal, medida essa que pode não apenas promover uma administração pública mais eficiente, como contribuir de forma significativa para a pacificação social e a recuperação do tecido social. O governo de Jair Bolsonaro inundou a estrutura estatal de quadros não técnicos, alçando, por motivos ideológicos, pessoas absolutamente desqualificadas a cargos fundamentais do Estado. Além de privar a população dos serviços públicos necessários, o aparelhamento político-ideológico perverte o funcionamento da máquina estatal: em vez de promover desenvolvimento social e econômico e de reduzir desigualdades, ele causa atritos, persegue quem pensa diferente, gera privilégios, reproduz ineficiências e facilita a ocorrência de casos de corrupção. É um completo desastre: inconstitucional, antirrepublicano e, como se viu nas áreas da educação, da saúde e da cultura, rigorosamente irracional e desumano. 

O Ministério da Educação de Bolsonaro talvez seja o exemplo mais infame dessa loucura de achar que os serviços públicos não estão a serviço do público, mas dos devaneios de quem está no poder. A sucessão de ministros da Educação que nada entendiam de políticas públicas educacionais – lá estavam porque integravam o núcleo ideológico do bolsonarismo – produziu uma irresponsável desorganização da área, que será sentida por gerações. Além disso, a pasta mais ideológica foi berço de muita picaretagem e de graves escândalos de corrupção.

É preciso devolver o Estado aos brasileiros. A administração pública não existe para servir a causas ideológicas, seja qual for a sua orientação. O dinheiro do contribuinte não pode ser usado para a defesa de determinadas “bandeiras”, sejam elas progressistas, conservadoras ou reacionárias, pois isso foge aos fins do Estado. Os recursos estatais não estão à disposição das causas culturais, filosóficas ou religiosas de quem assumiu o poder. Num Estado Democrático de Direito, eles devem estar a serviço de políticas públicas baseadas em evidências, que atendam de forma eficiente toda a população, em especial as pessoas mais vulneráveis.

É notório que Jair Bolsonaro, contrariando a Constituição que jurou defender e os mais comezinhos princípios do liberalismo político, usou o cargo para promover bandeiras ideológicas de seus apoiadores (como se o poder público tivesse a função de moldar a sociedade à imagem e semelhança do governante de plantão) e para favorecer entidades religiosas que nem sequer cumprem suas obrigações perante a lei – por exemplo, não honram seus débitos previdenciários. O caráter laico do Estado exige isenção.

O desaparelhamento político-ideológico é uma tarefa urgente e trabalhosa, até porque essa manipulação antirrepublicana da máquina pública não nasceu com Jair Bolsonaro. Em seus 13 anos no Executivo federal, o PT inundou a administração pública com nomeações ideológicas, indicando, muitas vezes, “companheiros” sem qualquer aptidão ou experiência para o cargo. A legenda de Lula nunca compreendeu muito bem a diferença entre o partido (entidade privada que serve aos interesses de seus associados e simpatizantes) e o aparato estatal (entidade pública que deve servir a todos, mesmo que não sejam petistas). Não à toa, nos governos do PT foram gestados e implementados os escândalos do mensalão e do petrolão.

Mas o aparelhamento político-ideológico da máquina pública por parte do PT gerou não apenas denúncias de mau uso dos recursos públicos. A população notou, em diversas áreas, a tentativa petista de impor uma específica compreensão de mundo, como se o Estado tivesse alguma competência para moldar o pensamento das pessoas. A manobra produziu um inédito esgarçamento do tecido social – e um profundo antipetismo em muitas famílias.

O País precisa de paz. É urgente resgatar um Estado que, livre de concepções autoritárias, respeite a diversidade de opiniões e que se proponha a servir a todos, sem discriminações e sem imposições. A República pede igualdade.

O Estado de São Paulo

Preso em sua bolha, Bolsonaro luta para ir ao segundo turno




Eleito com voto antipetista, presidente pregou para convertidos e assustou moderados na campanha

Por Fabio Murakawa (foto)

Jair Bolsonaro (PL) conseguiu angariar votos muito além do seu eleitorado mais fiel para se eleger presidente da República em 2018. Neste ano, ironicamente, a incapacidade de romper essa bolha pode tirá-lo do Palácio do Planalto.

Há quatro anos, em meio à onda antipetista que varria o Brasil pós-Lava-Jato e à comoção com a facada que quase tirou-lhe a vida, Bolsonaro obteve 46,03% dos votos válidos em primeiro turno. Ao longo de toda a atual campanha, porém, não conseguiu se aproximar desse índice. Teria hoje apenas 36% dos votos válidos, segundo a pesquisa Datafolha de ontem.

O dilema entre falar só para a própria bolha ou abrir-se ao eleitorado médio dividiu o entorno de Bolsonaro nos últimos meses.

Ministros da ala política, como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações), aconselhavam o presidente a fazer uma campanha propositiva, mostrando realizações e surfando na onda do Auxílio Brasil de R$ 600 e da redução dos preços dos combustíveis.

Eles defendiam que o presidente precisava falar mais ao eleitor moderado, que havia votado em Bolsonaro em 2018 mesmo sem ser bolsonarista ou defender sua pesada pauta de costumes e pró-armas. Amparados por pesquisas qualitativas, os ministros tentavam mostrar a Bolsonaro que cada fala radical afastava esse eleitor.

Contratado pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o publicitário Duda Lima apostou nessa “linha light”, dos primeiros vídeos gravados no laboratório da pré-campanha às primeiras inserções no horário eleitoral.

Não tardou a sofrer ataques de parte dos ideológicos, sobretudo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. Em junho, Carlos ironizou no Twitter um filme de 30 segundos produzido por Lima para ser usado nas redes sociais.

“Vou continuar fazendo aqui o meu trabalho e dane-se esse papo de profissionais do marketing. Meu Deus!”, escreveu.

Próximo do clã, o publicitário Sérgio Lima era outro defensor da ideia de que quem deveria aparecer era o “Bolsonaro real”.

Para os ideológicos, o presidente ganhou em 2018 mostrando quem ele realmente é. Ao camuflar a própria personalidade, avaliavam, suas chances de reeleição diminuiriam.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) oscilava entre um grupo e outro. E, por vezes, fazia a ponte entre ambos. Na definição de uma fonte, ele é “o mais pragmático de uma família ideológica”. Coube sempre a ele e ao pai a última palavra sobre que rumo tomar.

Os dois grupos antagônicos travaram uma queda-de-braço na mansão alugada pelo PL em uma área nobre de Brasília para funcionar como o QG da campanha bolsonarista. Para alguns ali dentro, o conflito fez com que o presidente tivesse um comportamento errático, confundindo o eleitor.

O Bolsonaro “calmo e gentil” que aparecia no horário político era por vezes incompatível com o homem que, muitas vezes aos brados e usando palavrões, continuava a fazer insinuações infundadas sobre a inviolabilidade das urnas e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Antes do período eleitoral, radicais e moderados, no entanto, concordavam em uma coisa: como em 2018, o antipetismo viria forte. Mas, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva livre da prisão e a Operação Lava-Jato enterrada, o tempo mostrou que o que estava sob escrutínio eram o governo e a personalidade de Bolsonaro.

O presidente abriu o período eleitoral com rejeição de 47%, índice que se manteve estável e subiu a mais de 50% na semana da eleição.

A criticada atuação na pandemia, que matou mais de 685 mil pessoas no país, realçada por uma CPI da Covid que se estendeu de abril a novembro de 2021 no Senado, cobrou seu preço. Bolsonaro foi atacado por todos os principais candidatos. E, quando cobrado, reagiu mal.

Em 28 de agosto, no debate da Band, o presidente atacou a jornalista Vera Magalhães quando a colunista do jornal “O Globo” fez uma pergunta crítica à sua postura negacionista no combate à pandemia.

“Vera, não podia esperar outra coisa de você, você dorme pensando em mim. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro. Já está apelando”, disparou.

A fala reforçou a imagem de machista do presidente, que já enfrentava muitas dificuldades para cativar o eleitorado feminino.

Duas semanas depois, quando a campanha ainda se esforçava para conter os danos da fala presidencial, o deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia (Republicanos-SP) replicou o insulto de Bolsonaro ao assediar Vera Magalhães com um celular no debate da TV Cultura. O dano à imagem do presidente com os dois episódios foi tal que até o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) condenou a atitude de Garcia.

Pesquisas internas já indicavam, havia muito, a alta rejeição de Bolsonaro entre as mulheres.

A primeira-dama, Michelle, foi escalada já no lançamento da campanha, em um Maracanãzinho lotado, para socorrer o marido.

“Falam que ele não gosta de mulheres. E ele foi o presidente da história que mais sancionou leis para mulheres”, discursou.

Apesar da forte presença ao longo da campanha, Michelle não conseguiu tornar o presidente mais palatável para as eleitoras. Pelo contrário, a rejeição de Bolsonaro entre as mulheres cresceu de 46% em agosto para 51% na semana da eleição, segundo o Ipec.

Na avaliação de fontes da campanha, por outro lado, a atuação de Michelle foi mais útil para consolidar o voto dos evangélicos. Mas esse já era um eleitorado dominado pelo presidente. Bolsonaro deu forte atenção aos evangélicos durante todo o mandato, participando de cultos e pregando contra o aborto e a legalização das drogas. Em 2021, ele cumpriu a promessa de indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ministro da Justiça André Mendonça.

Hoje, Bolsonaro tem os votos de cerca de 50% nesse segmento religioso, contra cerca de 30% de Lula.

Uma bolha que Bolsonaro tentou romper sem sucesso foi a da baixa renda. Para isso, contou com a caneta presidencial e a ajuda de aliados no Congresso para aumentar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 a dois meses da eleição.

Os pagamentos das primeiras parcelas ocorreram na primeira semana de agosto e na penúltima semana de setembro. Mas não foi revertida a preferência dos mais pobres por Lula, segundo as sondagens.

Houve uma série de boas notícias na economia ao longo do ano, parte delas produzida pela ação eleitoreira do governo, que aumentou gastos sociais durante a campanha, postergou o pagamento de precatórios, flexibilizou o teto de gastos, interveio na Petrobras e desonerou a cobrança sobre combustível e energia. Com isso, a inflação recuou. O arrefecimento da pandemia fez com que indicadores como o crescimento do PIB e a taxa de desemprego melhorassem. Nada disso, contudo, mudou significativamente o quadro eleitoral.

Segundo o Ipec, o petista tem 53% das preferências entre quem ganha até dois salários mínimos, contra 29% do atual presidente. Para analistas, no entanto, a liberação de recursos viabilizada pela PEC das Bondades ajudou Bolsonaro a chegar até aqui com chances de ir ao segundo turno. Sem esses desembolsos, a eleição estaria perdida antes de começar - sensação confirmada por fontes dentro da campanha.

Bolsonaro tampouco conseguiu cativar o eleitor do Nordeste, onde está a maior fatia dos beneficiários do Auxílio Brasil. Ali, segundo o Datafolha, o ex-presidente tem uma vantagem expressiva sobre Bolsonaro - 63% a 22%.

Ao longo de todo o processo eleitoral, o presidente se viu cercado pelas figuras do Centrão, a quem entregou o coração do governo e o controle sobre o Orçamento da União para poder governar.

Ciro Nogueira, Fábio Faria e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, foram figuras influentes na campanha. Mas políticos moderados e de legendas como o PSDB, MDB, União Brasil e Novo lhe negaram apoio.

Isso o forçou a montar palanques fracos em Estados cruciais, como Minas Gerais e Bahia. Em São Paulo, é Bolsonaro quem puxa votos para seu ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), não o contrário.

O presidente apelou, além disso, a viagens ao exterior para passar a imagem de que era um estadista com prestígio internacional. Mas a ida a Londres para o funeral da rainha Elizabeth II rendeu a ele uma saraivada de críticas por fazer da residência do embaixador um palanque político, em meio ao luto que vivia o país. As imagens de intimidação de militantes a uma jornalista da BBC e da indignação de um britânico com o comportamento dos bolsonaristas agravaram a situação.

Vendo fracassar todas as tentativas para manter os votos que o elegeram em 2018, o presidente partiu para o ataque na reta final.

Sua campanha subiu o tom para reforçar a imagem de corrupto de Lula, chamado-o de “ladrão” e “ex-presidiário” em horário eleitoral. Mas a narrativa foi enfraquecida por escândalos recentes.

O pagamento de propina a pastores dentro do Ministério da Educação teve novos desdobramentos. E, quando a campanha esquentava, o site “UOL” publicou reportagem sobre parentes de Bolsonaro que compraram dezenas de imóveis em dinheiro vivo. Na avaliação de assessores, o presidente perdeu o controle sobre a narrativa da campanha com esses escândalos.

Com as pesquisas indicando a possibilidade de vitória do petista em 1º turno, Bolsonaro ainda deve participar de motociatas em Poços de Caldas (MG) hoje e em São Paulo e Joinville (SC), no sábado.

A campanha também ficou marcada por uma tensa relação com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alimentada pelas insinuações infundadas de que poderia haver fraude nas eleições.

Sempre atrás de Lula nas pesquisas, Bolsonaro atravessou a campanha dizendo que entregaria a faixa “desde que as eleições fossem limpas”. Agora, seus aliados e adversários chegam à eleição com as mesmas dúvidas: o presidente sobreviverá ao primeiro turno? Se perder no voto, aceitará o resultado?

Valor Econômico

Verificamos o último debate presidencial antes do primeiro turno das eleições 2022




Com os ânimos acirrados, os postulantes divulgaram durante suas falas diversos dados enganosos

Sete dos candidatos à Presidência da República participaram do último debate televisivo antes do primeiro turno das eleições de 2 de outubro no Brasil.

O evento, realizado em 29 de setembro, reuniu o presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-mandatário Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil), Luiz Felipe D'Ávila (Novo) e Padre Kelmon (PTB).

Com os ânimos acirrados, os postulantes divulgaram durante suas falas diversos dados enganosos. Veja a seguir a checagem de algumas das declarações feitas no debate.

No evento organizado pela TV Globo a poucos dias das eleições gerais de 2022, sete candidatos debateram sobre temas como economia, meio ambiente, corrupção, saúde e educação.

1. Jair Bolsonaro diz que 'Lula defendia que se roubassem celular pra tomar uma cervejinha': Falso

A frase à qual o presidente e candidato Jair Bolsonaro faz referência foi veiculada nas redes sociais em um vídeo editado para alterar o sentido de declarações distintas do petista.

As gravações usaram trechos retirados de uma entrevista concedida pelo ex-presidente a veículos de mídia independentes de Pernambuco em 25 de agosto de 2017, também transmitida em sua página oficial no Facebook.

Uma análise da íntegra do conteúdo feita pelo AFP Checamos permitiu constatar que as declarações, feitas em momentos distintos, foram editadas e colocadas em sequência sugerindo que o ex-presidente teria afirmado que ladrões roubam celulares 'para ganhar um dinheirinho' e depois irem para 'o bar tomar cerveja juntos'.

Em um primeiro momento, ao ser questionado sobre a violência em Pernambuco, Lula atribui o aumento dos indicadores criminais à situação econômica do país. 'Vira uma indústria de roubar celular. Para que roubar um celular? Para vender, para ganhar um dinheirinho. Ora, então eu penso que essa violência que está em Pernambuco é causada pela desesperança'.

Em sequência, ele comenta sobre o ódio no país utilizando dois times locais como metáfora: 'É preciso distensionar, para a sociedade perceber que a torcida do Santa Cruz e do Sport não são inimigas, são adversárias durante o jogo. Depois vão para o bar tomar uma cerveja junto. E ainda deixam o pessoal do Náutico batendo palma do lado'.

2. O presidente também repetiu que 'toda a bancada do PT' votou contra o Auxílio Brasil na Câmara dos Deputados: Enganoso

O Partido dos Trabalhadores (PT) votou contra a PEC dos Precatórios, uma proposta do Poder Executivo que permitiu o parcelamento de dívidas da União que já foram julgadas de forma definitiva, chamadas de precatórios.

Já o programa Auxílio Brasil foi criado a partir da Medida Provisória 1.061/2021. Portanto, a proposta do governo passou a ter efeito imediato e foi posteriormente ratificada pelo Congresso.

O governo federal argumentava que a aprovação da PEC era necessária para pagar o Auxílio Brasil às famílias mais vulneráveis, pois o parcelamento das dívidas da União disponibilizaria mais espaço fiscal para financiar o programa.

Mas o PT era contra a proposta por argumentar, dentre outras críticas, que seria um 'calote' das dívidas que a União possui. Ou seja, o PT se posicionou contra a PEC dos Precatórios nas votações de primeiro e segundo turno na Câmara dos Deputados.

A MP 1.061/2021, criadora do Auxílio Brasil, foi aprovada pela Câmara dos Deputados sem nenhum voto contrário em 25 de novembro de 2021. O PT, portanto, está entre os partidos que aprovaram o texto-base da medida na Câmara.

Uma outra Medida Provisória, a MP 1.076/2021, garantiu que o benefício pago pelo Auxílio Brasil teria um valor mínimo de R$ 400. O PT também votou de maneira favorável à proposta na Câmara dos Deputados.

A mudança do valor de R$ 600 para o Auxílio Brasil foi garantido após a aprovação da PEC 1/2022, anexada à PEC 15/2022. Na votação em primeiro turno da proposta na Câmara dos Deputados, o PT votou majoritariamente a favor e apenas um deputado do partido votou contra a PEC. O mesmo ocorreu na votação em segundo turno da proposta na Câmara.

3. Ao falar sobre a covid-19, o mandatário afirmou que 'nenhum país do país do mundo comprou vacina em 2020': Falso

Ao contrário do que afirmou o presidente, não só havia doses disponíveis à venda, como elas começaram a ser distribuídas no mundo. De acordo com dados do Our World in Data, até 31 de dezembro de 2020, mais de 5 milhões de doses foram aplicadas apenas nos Estados Unidos.

Países vizinhos como Argentina, Chile e México estavam à frente do Brasil no início da vacinação, tendo administrado, respectivamente, cerca de 32 mil, 9 mil e 25 mil doses até o fim de 2020.

4. Bolsonaro indicou que o Brasil tem dois terços de suas florestas preservadas 'da mesma maneira quando Pedro Álvares Cabral aqui chegou': Sem contexto

Segundo um levantamento feito pelo projeto MapBiomas e publicado em agosto de 2022, é verdadeiro que o Brasil tem cerca de 66% de seu território coberto por vegetação nativa. A taxa, portanto, é próxima daquela citada pelo atual presidente.

Entretanto, a fala do candidato à reeleição omite que parte dessa vegetação já foi desmatada ao menos uma vez. O mesmo projeto indica que 8,2% da vegetação nativa do Brasil é secundária, ou seja, já sofreu desmatamento.

5. O ex-presidente Lula voltou a dizer que foi 'absolvido em 26 processos' pelo STF e pela ONU: Enganoso

Embora atualmente o ex-presidente seja considerado juridicamente inocente, especialistas explicaram à AFP que não é correto falar em absolvição pela ONU e pelo STF.

Isso porque, em ambos os casos, essas entidades não julgaram o mérito das acusações contra Lula, e sim a condução dos processos contra o candidato do PT.

Foram dois principais julgamentos no STF envolvendo Lula e a Lava Jato. A primeira foi a decisão do ministro Edson Fachin sobre a 'incompetência' da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar os processos de Lula e, posteriormente, o julgamento sobre a suspeição do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro.

O STF explicou ao Checamos em 9 de março de 2021 que Fachin não analisou o mérito das acusações levantadas contra Lula, mas que reconheceu que houve um erro processual e que Lula não deveria ter sido julgado pela 13ª Vara de Curitiba.

As decisões a respeito de Moro tampouco significam que o STF 'absolveu' Lula, na visão doutora em Direito Penal e professora da Fundação Getúlio Vargas Raquel Scalcon. Segundo a especialista, na medida em que o STF concluiu que Lula não teve acesso a um julgamento justo por ter declarado Moro parcial, os processos apenas 'retornaram à estaca zero'.

Um levantamento feito pela AFP a respeito dos 26 processos contra Lula indica que em dez casos não houve julgamento do mérito, e as denúncias não seguiram adiante por questões processuais, como prescrição de alguns casos.

Além disso, o professor de Direito Internacional Público e coordenador do curso Clio Guilherme Bystronski explicou à AFP que a ONU não poderia absolver o ex-presidente. 'Ele não foi absolvido [pela ONU]. Não [...] teria nem como a Corte Interamericana de Direitos Humanos absolver. Absolvição em relação à matéria penal tem que ser no Brasil', disse.

6. Bolsonaro reafirmou que seu governo é 'limpo, sem corrupção, orgulho nacional': Enganoso

No entanto, diversas pastas do governo Bolsonaro foram alvo de denúncias por corrupção.

Em junho de 2021, Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, foi acusado de pedir propina para autorizar a compra de vacinas contra a covid-19 pelo governo.

A pasta da Saúde já havia sido alvo de suspeitas quando documentos do Itamaraty mostraram que o governo negociou a compra da vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% maior do que o anunciado seis meses antes pela fabricante.

O Ministério do Meio Ambiente também foi investigado, por meio de seu então ministro, Ricardo Salles. Em abril de 2021, uma operação da Polícia Federal teve Salles como alvo por suspeita de agir em favor do interesses de madeireiros investigados por extração ilegal.

Já o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi alvo de denúncias em março de 2022 por suposto tráfico de influência e corrupção para liberação de recursos públicos em favor de aliados políticos e pastores evangélicos.

De maneira similar, em outubro de 2019, Marcelo Álvaro Antônio, que então comandava o Ministério do Turismo, foi indiciado por supostos crimes envolvendo candidaturas do PSL, partido que elegeu o presidente Jair Bolsonaro em 2018.

Outra suspeita no governo Bolsonaro envolve o 'orçamento secreto', relacionado a suspeitas de fraudes na compra de ônibus escolares, caminhões de lixo e tratores. O mecanismo não é ilegal, mas dificulta a fiscalização do destino dos recursos.

AFP / Estado de Minas

Há duas hipóteses (e não quatro) para Lula e Bolsonaro no primeiro turno




Na simulação de segundo turno, Lula derrotaria Bolsonaro por 54% a 39% dos votos, sendo que o presidente da República cresceu um ponto e o ex-presidente parece que bateu no teto

Por Luiz Carlos Azedo (foto)

A pesquisa DataFolha divulgada ontem pôs fogo no debate entre presidenciáveis da TV Globo, como vocês verão nas páginas do Correio Braziliense e do Estado de Minas de hoje. Com 50% dos votos válidos, como no levantamento anterior, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está com a bola na marca do pênalti para voltar ao poder, porém, pode chutá-la na trave e ter que encarar um segundo turno. O presidente Jair Bolsonaro (PL), com 36% de intenções de votos, subiu um ponto nas pesquisas. Com 6%, Ciro Gomes (PDT) caiu um ponto por causa da campanha do voto útil, e Simone Tebet (MDB), com 5%, manteve-se na mesma posição que estava. Soraya Thronicke (União Brasil) também manteve-se no 1%.

Esses resultados expurgam votos nulos, brancos e abstenções, como determina a lei eleitoral na hora de proclamar o vencedor. A pesquisa estimulada aponta Lula com 48%, um ponto a mais do que na semana passada; Bolsonaro com 34%, um a mais também. Ciro Gomes com 6%, um a menos; Simone, com os 5% da pesquisa anterior; e Soraya Thronicke (União Brasil), com 1%. Felipe d’Avila (Novo), Sofia Manzano (PCB), Vera Lúcia (PSTU), Léo Péricles, Constituinte Eymael (DC) e Padre Kelmon (PTB) não pontuaram. Votos branco/nulo/nenhum somam 3%, um a menos em relação à pesquisa anterior. Não sabe manteve 2%. Na simulação de segundo turno, Lula derrotaria Bolsonaro por 54% a 39% dos votos, sendo que o presidente da República cresceu um ponto e o ex-presidente parece que bateu no teto. A aprovação do governo caiu 1%, estando em 31%; esse ponto se deslocou para os que consideram o governo regular, que são 24%. A reprovação do governo manteve-se em 44%.

As duas hipóteses (e não, quatro) lembram a famosa teoria do humorista Barão de Itararé. Apparício Torelly era um otimista inveterado, para quem tudo acabaria bem quando a situação parecia a pior possível. O escritor Graciliano Ramos relata essa teoria em Memórias do Cárcere (Record). A tese fundamental era a seguinte: todo fato gera duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. O relato do autor de Vidas Secas, que foi prefeito de Palmeira dos Índios, em Alagoas, serve como uma luva para os paranoicos que temem ser presos num golpe de Estado, caso Bolsonaro perca as eleições:

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findaria aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela”.

Segundo turno

Por que as duas hipóteses e não quatro? Porque as pesquisas estão mostrando que não há possibilidade de Bolsonaro passar Lula no primeiro turno, muito menos vencer as eleições já no domingo. Neném Prancha, Antonio Franco de Oliveira, falecido em 1976, que foi roupeiro, massagista, olheiro e técnico do Botafogo, era um filósofo do futebol, segundo o jornalista Armando Nogueira, um botafoguense doente. Dizia que o futebol era um jogo muito simples: “Quem tem a bola ataca; e quem não tem, defende”. Foi o que fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas duas últimas semanas, ao mobilizar apoios de intelectuais, economistas, artistas, empresários e juristas, com o objetivo de levar de roldão a eleição, já no primeiro turno. Com 50% dos votos válidos, essa seria a hipótese mais provável, não houvesse o imponderável nos três dias que antecedem o pleito. Não se pode descartar a hipótese do segundo turno.

Por quê? Primeiro, porque o debate na TV Globo de ontem à noite terá impacto no cenário eleitoral, dependendo do desempenho de cada candidato. Segundo, em razão das abstenções, que podem ter causas espontâneas, como os insatisfeitos e desesperançosos com o fracasso da chamada terceira via viajarem no fim de semana, sem a preocupação de voltar a tempo de votar, ou induzidas, por medidas com o objetivo de dificultar o acesso dos eleitores aos locais de votação, reduzindo a circulação ou coibindo o acesso gratuito aos transportes coletivos. Terceiro, a resiliência eleitoral de Ciro, Tebet e Soraya. Quarto, a defasagem da base de dados do IBGE utilizada na montagem do modelo das pesquisas. E se houver segundo turno? Nesse caso, é melhor deixar acontecer para analisar.

Correio Braziliense

Uma eleição com poucas ideias e ameaças à democracia - Editorial




A alta temperatura da disputa não se traduziu em um confronto de várias, boas e novas ideias

Mais de 156 milhões de brasileiros vão depositar seus votos nas urnas no domingo, nas eleições mais caras e mais polarizadas desde a redemocratização - segundo as pesquisas, escolherão sobretudo entre duas opções conhecidas: o atual presidente, Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pêndulo da história se deslocou de volta para o candidato do Partido dos Trabalhadores, legenda derrotada amplamente em 2018, com sua rejeição capitaneada por um longevo e medíocre deputado de extrema-direita e defensor da ditadura militar. As pesquisas indicam que Lula poderá ser eleito no primeiro turno.

A apuração dos votos, tranquila em outros pleitos, é agora motivo de grande preocupação. Desde que assumiu o cargo, Bolsonaro deu muitas mostras de aversão à democracia, disse que as urnas eletrônicas não são confiáveis e que não aceitaria pacificamente uma derrota. Em campanha para permanecer no poder, Bolsonaro convocou para sua cruzada contra as urnas o ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, que ensaia promover apuração paralela dos votos feita por militares.

Dirigido por Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão, o PL, ao qual Bolsonaro se filiou, contratou a auditoria do Instituto Voto Legal, sem expertise no assunto, para se pronunciar sobre a segurança das urnas. O veredito veio à luz em duas páginas apócrifas, apontando supostas falhas na atuação do TSE, “vulnerabilidades relevantes nas urnas” e brechas para manipulação dos resultados porque “somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE controla todo o código fonte dos programas da urna eletrônica e dos sistemas eleitorais”. O presidente cria um ambiente propício ao tumulto no dia das eleições.

O favoritismo de Lula, após os grandes escândalos de corrupção envolvendo o PT - nunca de fato assumidos pelo candidato - e de uma das mais longas e destrutivas recessões iniciada no governo de Dilma Rousseff, mostra que o sistema político não está sendo capaz de produzir novas lideranças. A tentativa de erguer uma terceira via ao final produziu a candidatura da novata Simone Tebet (MDB) e de Ciro Gomes (PDT), já em sua quarta disputa presidencial - ambos não chegam perto de dois dígitos nas pesquisas. A clara ameaça à democracia representada por Bolsonaro leva significativas parcelas do eleitorado não petista a escolher o candidato em melhores condições de derrotá-lo, e Lula reúne esta condição.

A polarização entre Lula e Bolsonaro destruiu pelo caminho o que já era frágil. Em crise, o PSDB, que dividiu com o PT o favoritismo eleitoral por 28 anos, sequer conseguiu escolher um candidato, pela primeira vez desde sua fundação, em 1988. Os principais partidos do Centrão se aglutinaram em torno da candidatura de Bolsonaro, que foi incompetente para construir um partido próprio. O partido que Bolsonaro tornou o mais votado para o Legislativo em 2018, o PSL, fundiu-se com um DEM em retrocesso, para criar o União Brasil, outra aglomeração sem princípios.

A inapetência para o jogo partidário e a ameaça de impeachment levaram Bolsonaro a terceirizar seu governo para o Centrão. Com isso, o Legislativo alcançou poder inédito sobre o orçamento e aprovou um fundo eleitoral recorde de R$ 4,9 bilhões, além do fundo partidário de R$ 1,1 bilhão. Vastos recursos foram concentrados nas cúpulas dos partidos, que apostaram mais no continuísmo de parlamentares em exercício do que em novatos. Dessa forma, a Câmara terá a menor taxa de renovação em muito tempo.

Os debates e a campanha eleitorais foram superficiais em conteúdo programático e indicação de rumos. Sabe-se quase nada sobre o que Lula pretende fazer se voltar ao Planalto além do que tem falado - e ele tem falado pouco. O PT mantém seu viés estatista e intervencionista intocado, mas Lula é pragmático. Na economia, conseguiu realizar seu primeiro mandato com austeridade fiscal plena e inesperada, um segundo com início de gastança que prosseguiu com Dilma até o desastre econômico, e não se sabe o que pretende em seu terceiro. Bolsonaro traz mais do mesmo: retórica que começou liberal, medidas populistas perto da eleição e um presidente corporativista apoiado no que há de mais atrasado no Congresso. Sua base de apoio também compôs as de Lula e Dilma.

A alta temperatura da disputa não se traduziu em um confronto de várias, boas e novas ideias para resolver os muitos e conhecidos problemas de um país que perdeu há tempos a capacidade de crescer.

Valor Econômico

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