Petrobras detinha experiência na produção de fertilizantes
Thais Carrança
BBC News Brasil
O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo (atrás de China, Índia e Estados Unidos) e o maior importador mundial desses insumos. Em 2021, dos mais de 40 milhões de toneladas de fertilizantes consumidos no país, 85% foram importados. A parcela das importações na demanda interna de adubos e fertilizantes tem crescido ano a ano: em 2017, os importados representavam 76% do total, segundo dados da Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos).
“O solo brasileiro precisa muito de fertilizantes porque ele é naturalmente pobre em nutrientes”, explica José Carlos Polidoro, pesquisador da Embrapa Solos. “É diferente do hemisfério Norte — dos EUA, da Europa — que são regiões de solos férteis. Nossos solos são de baixa fertilidade, principalmente no Cerrado, onde estão nossos melhores solos para agricultura — têm muita água, são solos profundos, planos, mas têm essa limitação natural de nutrientes, que é algo próprio da natureza tropical”, diz Polidoro.
DEPENDÊNCIA EXTERNA – A soja é a principal cultura consumidora de fertilizantes no país. Somada com o milho, a cana-de-açúcar e o algodão, essas quatro culturas absorvem mais de 90% do fertilizante produzido ou importado pelo Brasil, destaca o pesquisador da Embrapa.
Somente em 2020, a demanda brasileira por fertilizantes cresceu 12% em relação ao ano anterior e, em 2021, aumentou novamente em 14%, acompanhando uma tendência mundial de avanço do consumo de fertilizantes, além de sucessivas safras recordes de grãos no país.
Esse aumento de demanda se refletiu nas importações de fertilizantes vindos da Rússia, que praticamente dobraram no último ano, passando de US$ 1,8 bilhão em 2020, para US$ 3,5 bilhões (R$ 18 bilhões) em 2021.
IMPORTAÇÕES VITAIS – A Rússia responde sozinha por 23% das importações brasileiras de fertilizantes, que somaram US$ 15,2 bilhões (R$ 78,4 bilhões) no ano passado.
Para se ter uma ideia, o valor importado em fertilizantes da Rússia é quase 70% maior do que o segundo colocado nas importações, a China, de onde importamos US$ 2,1 bilhões em fertilizantes em 2021.
E tem ainda Belarus, sétimo maior exportador de fertilizantes ao Brasil, respondendo por 3% das nossas importações desses insumos e aliado da Rússia na invasão à Ucrânia. Assim, os dois países aliados respondem juntos por 26% da importação brasileira de fertilizantes, um grau de dependência relevante e que explica o olhar atento do país ao conflito no Leste Europeu.
MAIOR EXPORTADOR – “A Rússia atualmente é o maior exportador de NPK mundial”, observa Marcelo Mello, diretor de fertilizantes da consultoria StoneX. NPK é a sigla para nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), os três macronutrientes mais importantes para a nutrição das plantas.
O nitrogênio é obtido a partir do gás natural, combustível do qual a Rússia é o segundo maior produtor do mundo e o maior exportador. O fósforo e o potássio, por outro lado, são produtos minerais, dos quais o país de Vladimir Putin tem minas abundantes.
“A Rússia sempre foi um importante fornecedor de fertilizantes para o Brasil e o volume importado cresceu nos últimos anos porque estávamos com uma demanda imensa e eles tinham a capacidade de nos vender”, explica Mello.
OUTROS FORNECEDORES – Existem outras fontes de importação, caso o comércio com a Rússia seja interrompido? A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem repetido que o Brasil tem opções para importar fertilizantes, citando como exemplos Irã, Canadá e Marrocos. Mas especialistas do setor avaliam que a situação não é tão simples e que a gravidade do cenário varia de insumo a insumo.
Segundo Marcelo Mello, da StoneX, o quadro mais preocupante é o do potássio, que tem Canadá, Belarus e Rússia como maiores produtores, com fatias de 40% e 20% do mercado cada, respectivamente. Ou seja, os três países somam quase 80% da oferta mundial.
Belarus já vinha sofrendo sanções desde o segundo semestre do ano passado, com EUA, União Europeia e Reino Unido respondendo a ataques do presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, aos direitos humanos de imigrantes. Assim, o mercado, que já vinha apertado pelas restrições a Belarus, está agora em alerta máximo.
DEVE FALTAR – Em resumo: potássio deve faltar, o que pode afetar a produtividade da agricultura brasileira na próxima safra; fósforo e nitrogênio não devem chegar a sofrer desabastecimento, mas preços tendem a seguir elevados, resultando em aumento de custos ao produtor e mais alta de preços nos alimentos.
Enquanto a demanda brasileira por fertilizantes crescia ano a ano, a capacidade de produção nacional foi na direção contrária.
Em 2017 e 2018, o país era capaz de produzir 8,2 milhões de toneladas de fertilizantes, volume que caiu a 7,2 milhões de toneladas em 2019 e a 6,5 milhões de toneladas em 2020.
NÃO ERA PRIORIDADE – “O Brasil, nos últimos 40 anos, ficou sem uma política estratégica para o setor de fertilizantes e de insumos agrícolas em geral. A consequência disso é que o Brasil se desindustrializou. A cadeia de fertilizantes encolheu 33% nos últimos 20 anos, enquanto a demanda explodiu 400% nesse período”, afirma José Carlos Polidoro, da Embrapa Solos.
“Isso fez com que a nossa dependência de importações saísse de 20% há 20 anos para os atuais mais de 80%. Para o Brasil, que depende do agro, isso é um risco muito grande, chega a ser uma questão de segurança nacional e alimentar.”
Parte relevante da queda recente de produção se deve à decisão da Petrobras de sair do setor de fertilizantes, após os problemas financeiros enfrentados pela empresa antes e depois da Operação Lava Jato.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Uma das maiores idiotices já cometidas foi a retirar a Petrobras do setor de fertilizantes. Agora, é óbvio que precisamos recriar a Petromisa. Os políticos que nos governam não conseguem enxergar um palmo à frente do nariz, como se dizia nos bons tempos. (C.N.)