Publicado em 4 de março de 2022 por Tribuna da Internet
Bernardo Mello Franco
O Globo
O professor Luiz Pinguelli Rosa conheceu na prática o jogo bruto da política. Em 2003, ele deixou a direção da Coppe (Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ) para assumir a presidência da Eletrobrás. A euforia da comunidade científica durou pouco. Depois de 15 meses, o físico seria demitido para dar lugar a um indicado do PMDB.
No jantar que selou a troca, o então presidente Lula cunhou uma pérola do pragmatismo brasiliense: “Gosto muito do Pinguelli, mas ele não tem um voto no Senado”. O professor foi vítima de um acordão para barrar uma CPI.
DEFESA DO PAÍS – Voltou à sala de aula, mas continuou a atuar como intelectual público. Militava contra a desnacionalização da economia e o sucateamento das instituições de pesquisa.
Nos últimos tempos, o cientista combatia a venda da estatal que comandou. Ele dizia concordar com algumas privatizações, mas defendia a presença do Estado em setores estratégicos da economia.
“Não há uma lógica nessas privatizações, a não ser a transferência de lucros para o setor privado e para empresas estrangeiras”, criticou, em entrevista recente ao site Tutaméia. “É mentira que a privatização reduza a tarifa de energia. Ela aumenta a tarifa. E quem paga somos nós, os consumidores”, acrescentou.
MUITOS JABUTIS – Para aprovar a venda da Eletrobrás, o governo Bolsonaro aceitou jabutis que poderão custar mais de R$ 80 bilhões.
Além de condenar os contrabandos legislativos, Pinguelli argumentava que nem os EUA abriram mão do controle das grandes hidrelétricas. “Infelizmente, o debate no Brasil está muito enfraquecido. A privatização da BR Distribuidora foi feita quase em silêncio”, protestou.
Com a experiência de quem viu a máquina por dentro, o físico recomendava cautela diante dos elogios de consultores econômicos ao governo. “Tem gente aí na fila para ganhar dinheiro”, alertou, na entrevista a Eleonora e Rodolfo Lucena.
“FALSO PATRIOTA” – Ele definiu Jair Bolsonaro como um “falso patriota” que explora as cores da bandeira e age contra os interesses do país. “É um ignorante. Não aproveitou o curso da Academia das Agulhas Negras”, sentenciou.
Filho de um alfaiate, Pinguelli cresceu no subúrbio do Rio, estudou em escolas públicas e iniciou carreira militar. Era um jovem tenente quando foi preso por se opor ao golpe de 1964. Desiludido com o Exército, trocou o quartel pela universidade.
Aos 80 anos, participava do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e continuava a dar aulas e orientar estudantes na UFRJ. O professor morreu nesta quinta-feira de complicações da Covid-19.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Muito importante este artigo de Bernardo Mello Franco, alertando sobre a privatização da Eletrobrás, temida por Pinguelli Rosa. O colunista de O Globo está atento aos interesses nacionais e foi ele quem denunciou e abortou as primeiras iniciativas do ministro Paulo Guedes para privatizar o atendimento básico de saúde, venham a que ponto de insensibilidade social chegou o czar da economia brasileira, uma figura verdadeiramente execrável. (C.N.)