Prestes a deixar a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no mês que vem, o ministro Gilson Dipp afirmou ontem que o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) precisa de um “choque de gestão” para corrigir as 113 falhas identificadas na inspeção feita no Judiciário paranaense em novembro de 2009. Dizendo que considerou a situação do TJ-PR uma das piores do país, Dipp alertou para a necessidade de haver uma “mudança de mentalidade” em quem administra o Judiciário do estado, para que ocorra uma melhoria efetiva no atendimento ao cidadão. O ministro também destacou os problemas nos cartórios do estado, que se caracterizam, segundo ele, “pela delegação de um serviço público a um particular”.
De passagem por Curitiba para participar de uma palestra promovida pela seção paranaense da OAB, Dipp rebateu críticas à atuação do CNJ e as atribuiu a “quem tem de esconder alguma coisa”. Considerado o maior responsável por fazer valer a função do conselho de fiscalizar o Judiciário do país – que, antes, só estava no papel –, ele disse que deixa a função sabendo que a postura atual da entidade “é um caminho sem volta”. No lugar de Dipp, assumirá a corregedoria do CNJ a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça.
Como o senhor analisa o grande número de irregularidades no TJ-PR?
Nos causou surpresa por se tratar de um estado rico e desenvolvido. Esperávamos mais. Verificamos que há práticas consolidadas de pagamentos irregulares que já estavam inseridos no patrimônio dos servidores, problemas de gestão e em licitações. De fato, o TJ paranaense está entre os piores do Brasil, atrás, inclusive, de estados mais pobres do Nordeste. É preciso um choque de gestão e planejamento estratégico. Em primeiro lugar, as determinações [do CNJ para corrigir essas falhas] têm de ser cumpridas. Em segundo lugar, deve haver uma mudança de mentalidade, saber que um cargo de direção não é bônus de fim de carreira, mas um ônus do administrador, que terá de prestar contas. O Judiciário tem de estar voltado para políticas publicas; tem de pensar menos nas careiras e nas garantias da magistratura e mais nos serviços que pode prestar à população.
E o TJ-PR vem cumprindo as 113 determinações do CNJ?
O presidente do TJ-PR tem nos mandado informações a respeito de todas as determinações; tem dito o que está fazendo, o que vai fazer e em que pé estão os fatos. Nós estamos acompanhando isso, mas o que queremos é que o tribunal cumpra essas determinações não para prestar contas ao CNJ, mas ao cidadão – a quem deve os seus serviços – e a si próprio – como órgão encarregado de administrar a Justiça no estado. O TJ tem de se conscientizar que esses problemas precisam ser solucionados pelo próprio tribunal, que tem o dever de transparência.
O presidente do TJ-PR, desembargador Celso Rotoli de Macedo, reclamou que o CNJ teve oito meses para elaborar o relatório sobre a visita ao Judiciário do estado, enquanto o TJ teve apenas 30 dias para responder a boa parte das determinações.
Quando nós fizemos a inspeção, ela não se referiu apenas a processos, a atuação dos juízes, mas a todo o departamento pessoal, a todas as rubricas de pagamento, a cargos de confiança, a nepotismo, licitações, contratos. Nas audiências públicas, recolhemos todas as reclamações e cada uma delas tornou-se um procedimento que teve de ser juntado num relatório único. O CNJ não é uma máquina com 3 mil funcionários, nós temos apenas 85. Vamos fazer um relatório dessa importância e com tantas deficiências em dois meses? Os erros já existem há quanto tempo? Eles são novidade para o tribunal? Se nós levamos tanto tempo para fazer o relatório, é porque tinha muita coisa a ser relatada.
E quanto aos problemas em cerca de 350 cartórios paranaenses que foram declarados vagos porque os responsáveis não assumiram por meio de concurso público?
O CNJ determinou essa medida após fazer uma radiografia do caos do sistema cartorário no Brasil, no qual há a delegação de um serviço público a um particular e que estava sendo exercido de maneira não controlada pelos tribunais. O Paraná, assim como vários outros lugares, é um estado com irregularidades muito grandes, decorridas dessa atuação paternalista dos tribunais. Os inconformados têm todo o direito de recorrer da decisão.
Como o senhor recebe as críticas, principalmente de magistrados, à sua atuação?
É evidente que algumas reações aconteceriam, visto que alguns tribunais eram compostos por barões, duques, fidalgos e um rei que é o presidente; por pessoas que nunca foram fiscalizadas, que nunca prestaram contas e, agora, tiveram que prestar contas à sociedade. Claro que essa reação era natural, em alguns casos de cunho eminentemente corporativo. Agora, quem reage é porque tem de esconder alguma coisa.
Qual o seu sentimento ao deixar a corregedoria do CNJ?
Com muita satisfação, pelo avanço inimaginável que o Judiciário teve nos últimos anos. Um pouco frustrado por não ter podido realizar todas as aspirações da população e, também, um pouco surpreso porque as irregularidades não foram tão pequenas e pontuais como imaginei. Mas isso que o CNJ está fazendo é um caminho sem volta.