Publicado em 29 de junho de 2025 por Tribuna da Internet

Charge do Benett (Arquivo do Google)
Pedro do Coutto
O governo do presidente Lula da Silva enfrenta uma nova controvérsia institucional ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do Congresso Nacional que derrubou um decreto presidencial que aumentava a alíquota do IOF. O recurso levanta preocupações sobre os limites da atuação dos Três Poderes e reacende o debate sobre judicialização da política.
A decisão do Congresso foi expressiva para sustar os efeitos do decreto, sob o argumento de que o aumento da carga tributária, ainda que feito via decreto presidencial, ultrapassava limites razoáveis num momento de pressão econômica para diversos setores. Foi uma demonstração clara da força do Legislativo em conter medidas unilaterais do Executivo, mesmo que dentro dos instrumentos legais à sua disposição.
JUSTIFICATIVA – A AGU, no entanto, entende que o Congresso excedeu sua competência ao anular um ato administrativo típico do Executivo, alegando que o decreto está amparado na legalidade e na prerrogativa constitucional do presidente da República para regular certos tributos, como o IOF, sem necessidade de passar previamente pelo Parlamento. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu o recurso ao STF como uma reação legítima a uma possível “usurpação” legislativa. Para ele, se o Executivo pode legislar por decreto nesses casos específicos, a anulação do ato pelo Congresso comprometeria a ordem legal vigente.
O problema é que o recurso levanta uma dúvida essencial: até que ponto o Judiciário pode intervir nas decisões do Congresso sem ferir a independência entre os poderes? A Constituição brasileira prevê uma estrutura de freios e contrapesos justamente para garantir que nenhum poder se sobreponha aos demais.
Quando o governo recorre ao Supremo para tentar desfazer uma decisão que teve apoio quase unânime do Congresso, ele corre o risco de deslegitimar o papel do Legislativo, transformando o STF em uma instância superior às escolhas políticas dos representantes eleitos da população.
REAÇÕES – Essa postura tem gerado fortes reações entre os parlamentares. Muitos argumentam que, se toda derrota do Executivo no Congresso for levada ao Judiciário, o Brasil passará a viver sob uma lógica de governo por decisão judicial, minando a autoridade política do Parlamento. Há quem veja nisso um caminho perigoso, que transforma o Supremo em um legislador informal — algo que ultrapassa sua função original de guardião da Constituição. O argumento central dos congressistas é que a judicialização da política deve ser uma exceção, e não uma regra recorrente diante de impasses políticos.
O STF, por sua vez, terá agora uma tarefa delicada. Ao aceitar ou rejeitar o recurso da AGU, a Corte estará não apenas decidindo sobre um decreto, mas sobre o equilíbrio institucional entre os poderes. Se acolher a tese do governo, poderá criar um precedente em que qualquer decisão do Legislativo seja passível de reversão por motivação política — o que distorce o papel do Judiciário. Por outro lado, se rejeitar o pedido, reafirmará a autonomia do Congresso e colocará um limite saudável à judicialização de conflitos políticos.
TENSÃO – O episódio revela, portanto, algo mais profundo: a tensão constante entre os poderes num país que vive, há anos, sob a sombra da instabilidade institucional. O governo, ao tentar reverter sua derrota no Congresso via Supremo, dá um passo que pode ser interpretado como legítimo do ponto de vista jurídico, mas questionável sob a ótica política.
O Judiciário, por sua vez, precisará demonstrar maturidade institucional para não se tornar árbitro de cada embate entre o Executivo e o Legislativo. Há um limite para tudo, e esse limite começa a ser testado quando a Justiça é chamada a corrigir escolhas democráticas claras — como uma decisão tomada por quase 400 parlamentares.
É hora de o país refletir se quer um Judiciário que age como contrapeso aos abusos de poder ou como instância de revisão política sempre que o governo é contrariado. O que está em jogo não é apenas um decreto sobre IOF, mas a própria estrutura da democracia brasileira.