Publicado em 26 de setembro de 2023 por Tribuna da Internet
Renata Galf
Folha
O entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) de que os primeiros réus julgados e condenados pelos atos de 8 de janeiro teriam cometido tanto o crime de golpe de Estado quanto o de abolição do Estado democrático de Direito é alvo de críticas por especialistas consultados pela Folha.
Há duas perspectivas jurídicas sobre caso: 1) de que houve de fato o cometimento de mais de um crime ou 2) de que, apesar de o fato parecer se enquadrar em mais de um tipo penal, seria preciso escolher apenas um deles para não se punir uma única conduta por duas vezes – o que é vedado no ordenamento jurídico.
DIZEM OS ESPECIALISTAS – A reportagem entrevistou 7 especialistas na área de direito penal e constitucional. Dentre eles, apenas 1 concorda com a interpretação que teve o STF. Outros 5 consideram que houve dupla punição por um mesmo fato, e 1 tem entendimento de que o mais adequado seria punir por apenas um crime, mas avalia que só se pode ser dito se houve dupla punição a partir da análise de cada processo.
Os especialistas apontam que este tema pode vir a ser questionado em recurso ao STF, nos chamados embargos. O tipo de recurso possível, no entanto, vai depender do teor do acórdão dos julgamentos, documento que formaliza os termos da decisão.
O entendimento do STF foi o de que, ao invadir os prédios do três Poderes, os participantes estavam cometendo o crime de tentar “abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, que tem pena de 4 a 8 anos de prisão, e, ao mesmo tempo, tinham o intuito de tentar depor o governo legitimamente constituído –cuja pena é de 4 a 12 anos de reclusão.
GARANTIA DA ORDEM – A argumentação para dizer que houve uma tentativa de golpe é a de que os envolvidos nos atos esperavam que, com a destruição e da tomada dos prédios, haveria a necessidade de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, a partir da qual os militares iriam aderir à deposição do governo eleito.
No caso do primeiro réu, a pena total determinada pelo relator Alexandre de Moraes foi de 17 anos. Ele foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber.
Já os ministros Luís Roberto Barroso e André Mendonça entenderam que não seria possível condenar o réu por ambos os crimes.
DOIS NOVOS CRIMES – Barroso entendeu que estaria configurado o crime de golpe de Estado e que este já incluiria o crime de abolição do Estado democrático de Direito. Mendonça considerou que haveria o crime de abolição do Estado democrático, argumentando que o meio empregado pelos invasores não seria adequado para se chegar ao resultado do golpe.
Os dois crimes no centro dos debates foram incluídos recentemente na legislação brasileira, em 2021, portanto não há uma jurisprudência guiando sua aplicação.
O professor Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC (Universidade Federal de SC) e organizador do livro “Crimes contra o Estado democrático de Direito”, considera que a decisão do Supremo incorreu em dupla punição por um mesmo fato.
GOLPE DE ESTADO – Para ele, seria o caso de aplicar apenas o crime de golpe de Estado, que vê como mais amplo e grave, e no qual estaria incluído o conteúdo do crime de abolição. “Um golpe do Estado, mesmo que ele atinja num primeiro momento diretamente o Executivo, o governo, ele atinge a liberdade do Judiciário e a liberdade do Parlamento.”
Também para Oscar Vilhena, professor da FGV Direito SP e colunista da Folha, a aplicação cumulativa das duas penas é incorreta. Ele avalia que, no caso concreto, o delito de golpe de Estado acaba por absorver o de abolição do Estado democrático, como ocorre em casos como de lesão corporal e homicídio.
“A interpretação que me parece mais correta é que o meio para você chegar ao golpe é uma ruptura, uma tentativa de abolição”, diz. Por outro lado, reflete Vilhena, uma tentativa de fechamento do STF, isoladamente, seria apenas o crime de impedimento do exercício dos Poderes.
DUPLA PUNIÇÃO – Para o advogado criminalista Frederico Horta, professor de direito penal da Universidade Federal de Minas Gerais, acabou prevalecendo uma dupla punição para um mesmo atentado às instituições democráticas.
Ele considera que a conduta que se encaixaria melhor seria a de golpe de Estado, sendo a pena maior deste crime um dos argumentos.
“Isso é um indicativo de que esse crime compreende todo o caráter injusto desse fato, não apenas a ameaça para o Poder Executivo, mas também a ameaça de uma intentona dessa para os demais Poderes.”
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É evidente que houve dupla punição. Mas o recurso é feito ao próprio Supremo… Vocês já viram algum ministro admitir que tenha cometido erro. Ora, eles não erram, porque se julgam semideuses. (C.N.)